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A trajetória de Haddad: de rejeitado nas urnas a número 1 da economia

Fernando Haddad, ainda rejeitado por amplos setores do mercado, foi anunciado como o ministro da Fazenda do governo Lula

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1 de 1 Imagem colorida mostra o ex-ministro Fernando Haddad (PT) - Metrópoles - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, de 59 anos, terá pela frente o maior desafio de sua carreira política: comandar a economia do país. Escolhido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como ministro da Fazenda do próximo governo, o petista assusta setores do mercado, embora seu nome já tivesse sido “precificado” nas últimas semanas, diante das notícias que davam conta de que se tratava de uma indicação inevitável.

Derrotado nas urnas em três eleições consecutivas (2016, 2018 e 2022), Haddad tem a confiança de Lula e também agrada ao PT, que assegura o comando da economia. Na prática, no entanto, não há dúvidas de que, ao escolher seu fiel escudeiro para a Fazenda, Lula deixa claro que é o próprio presidente da República quem ditará as regras da política econômica. Assim como aconteceu outras vezes, restará a Haddad cumprir mais uma “missão” designada pelo cacique do PT.

Haddad passou por uma espécie de “batismo” no dia 25 de novembro, quando compareceu ao Almoço Anual de Dirigentes de Bancos promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em São Paulo. O encontro reuniu cerca de 350 convidados, entre CEOs de instituições financeiras, representantes de comitês executivos de bancos, políticos e outras autoridades.

Falando em nome de Lula, Haddad afirmou, durante a reunião, que a reforma tributária terá “prioridade total” no futuro governo.

“O presidente Lula é muito objetivo em relação aos propósitos do seu terceiro mandato. A determinação clara do presidente Lula é que nós possamos dar uma prioridade total à reforma tributária”, anunciou. “O presidente tentou por duas vezes, ao longo de seus oito anos de mandato, inclusive com o apoio dos governadores, e encaminhou uma PEC para que promovêssemos a reforma, e não obtivemos êxito.”

O discurso de Haddad, no entanto, não convenceu o mercado, que torce o nariz para o futuro ministro por duas razões: primeiro, porque havia expectativa da nomeação de um ministro  “técnico”, ou ao menos de um ministro da “frente ampla”, que não viesse do PT. A segunda razão é que, com o histórico de Haddad, o que falará mais alto é a visão do futuro presidente, como já dito – e Lula tem defendido abertamente a “desobediência” fiscal em falas recentes, da qual o maior exemplo é a PEC da Transição, que arrebenta de vez com o teto de gastos, já bastante destelhado no governo de Jair Bolsonaro.

Nos últimos dias, voltou a circular nas redes sociais um vídeo de 2017 no qual Haddad aparece dizendo que não estudou economia e só se tornou mestre porque “colou” de dois colegas de curso.

“Apesar de eu dar uns pitacos na economia de vez em quando, estudei dois meses de economia para passar no exame da Anpec. Depois, não estudei mais. Porque eu colava um pouco do Alexandre Schwartsman e do Naércio Menezes para passar”, brincou o petista.

A esperança é que ele se cerque, no ministério da Fazenda, de técnicos respeitáveis, para compensar a sua falta de preparo e perfil ideológico. E que nomes de peso ocupem as pastas do Planejamento e da Indústria e Comércio, que serão recriadas.

Filho de Khalil Haddad e Norma Thereza Goussain Haddad, o paulistano Fernando Haddad nasceu no dia do aniversário da capital paulista, em 25 de janeiro de 1963. Seu pai emigrou do Líbano no fim dos anos 1940 e se estabeleceu no novo país como comerciante atacadista do setor têxtil.

Haddad ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), em 1981, aos 18 anos. Em 1988, casou-se com a também paulistana Ana Estela Haddad, com quem teve dois filhos (Frederico e Ana Carolina).

Na faculdade, Haddad foi presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto durante a mobilização das Diretas Já, pela retomada de eleições diretas para a Presidência da República. Filiou-se ao então recém-criado PT no início da década de 1980.

Mestrado sobre o regime soviético

Haddad fez mestrado em Economia, também pela USP. Entre 1991 e 1996, fez doutorado em Filosofia na mesma universidade. Em 1997, aos 34 anos, se tornou professor do Departamento de Ciência Política da USP.

Crítico de algumas teses caras ao chamado “socialismo real”, Haddad sempre foi de esquerda, mas aparentava ter um perfil menos dogmático.

Intitulada “O Debate sobre o Caráter Socioeconômico do Sistema Soviético”, a sua dissertação de mestrado projetava que o regime soviético, que vivia seus estertores na época, “iria se desdobrar em uma economia capitalista tradicional”.

Na tese, Haddad estabele relações entre o “despotismo stalinista” e outras “formas anômalas de acumulação primitiva do capital, como o caso da escravidão na América”.

“Achava difícil defender aquilo que estava terminando. Sempre fui de uma esquerda libertária. Nunca participei de nenhuma organização que tivesse simpatia por regimes despóticos”, disse Haddad, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. “Considerava que a avaliação sobre a experiência era equivocada, que aquilo era uma repaginação dos traços despóticos [da União Soviética] com finalidades industrializantes.”

Mais de 30 anos depois de apresentar a dissertação, Haddad pretende publicar uma versão “atualizada” do trabalho acadêmico – que se tornou livro, publicado em 1992, com o título “O Sistema Soviético: Relato de uma Polêmica”.

Segundo o petista, deve ser incluído um capítulo sobre a experiência da China. “O debate está colocado em função da China. Tem gente que defende que a China não vai migrar para o capitalismo como a Rússia migrou, que a China tem uma perspectiva diferente”, disse.

Ministro da Educação e prefeito de São Paulo

Chamado por muito tempo dentro do PT de “o mais tucano dos petistas”, Fernando Haddad se tornou, aos olhos de Luiz Inácio Lula da Silva, um nome que poderia, em tese, ser mais palatável para eleitores de outras colorações políticas e setores da classe média paulista.

No início dos anos 2000, após a vitória do PT na disputa pela Prefeitura de São Paulo com Marta Suplicy, Haddad foi convidado a assumir a chefia de gabinete da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico. Ficou no cargo entre 2001 e 2003.

Em junho de 2003, no início do primeiro governo Lula, foi nomeado assessor especial do Ministério do Orçamento, Planejamento e Gestão, então dirigido por Guido Mantega.

Em 2004, foi para o Ministério da Educação (MEC), como secretário-executivo do então comandante da pasta, Tarso Genro. Em julho de 2005, no auge da crise do mensalão, Tarso teve de deixar o MEC para assumir a presidência nacional do PT e indicou Haddad para sucedê-lo como número 1 do ministério.

A gestão no MEC aproximou Haddad de Lula. Ele foi mantido no comando do ministério no início do primeiro governo da ex-presidente Dilma Rousseff, até janeiro de 2012.

Naquele ano, Lula escolheu Haddad como o candidato do PT à prefeitura de São Paulo, desagradando a Marta Suplicy, que desejava ser novamente candidata, após duas derrotas seguidas (2004 e 2008). Haddad foi eleito prefeito da maior cidade do país com mais de 55% dos votos válidos no segundo turno (3,3 milhões), derrotando José Serra (PSDB).

O petista perdeu parte de sua base de apoio a partir de 2013, com as manifestações de rua deflagradas por causa do aumento de 20 centavos na tarifa do transporte público. O movimento de protesto espalhou-se pelo país.

Rejeitado por amplas parcelas da população de São Paulo, o prefeito não chegou sequer ao segundo turno na eleição de 2016, em que tentou o segundo mandato. Com o PT desgastado pelo impeachment de Dilma Rousseff naquele mesmo ano, Haddad teve pouco mais de 960 mil votos (16,7%) e foi fragorosamente derrotado por João Doria (PSDB), que recebeu mais de 3 milhões de votos (53,2%). O petista não venceu em nenhuma zona eleitoral da cidade – nem mesmo em bairros da periferia, habituais redutos do PT na capital do estado.

Uma pesquisa do Datafolha divulgada no fim do mandato do petista apontou que Haddad deixou o cargo com a pior avaliação desde a gestão de Celso Pitta (1997-2000). O percentual dos paulistanos que reprovavam o governo se aproximava dos 50%, enquanto menos de 20% consideravam a gestão boa ou ótima.

Derrotado também em 2018 e 2022

Dois anos depois da derrota em São Paulo, Haddad seguia com prestígio junto a Lula e foi escolhido pelo chefe do PT como seu candidato a vice-presidente nas eleições de 2018.

Apesar de ser alvo de uma série de denúncias de corrupção no âmbito da Lava Jato, Lula inicialmente se apresentou como candidato ao Planalto – mas teve de mudar os planos após sua condenação e prisão, em abril daquele ano.

O PT passou a contestar a prisão de seu líder e denunciar o que chamou de “perseguição” dos procuradores da Lava Jato e do então juiz Sergio Moro. Em agosto, o partido oficializou a candidatura do ex-presidente, preso, com Haddad de vice.

O partido só anunciou que Haddad seria o cabeça de chapa em setembro, a pouco mais de um mês do pleito. A oposição o chamou de “poste” de Lula. No primeiro turno, Haddad recebeu cerca de 31 milhões de votos (29,2%), bem atrás de Jair Bolsonaro (46%). No segundo turno, Bolsonaro teve mais de 55% dos votos, ante quase 45% do candidato do PT.

O último revés eleitoral de Haddad aconteceu em outubro de 2022, na corrida pelo governo do estado de São Paulo. O petista foi derrotado pelo ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato de Jair Bolsonaro, que recebeu 13,4 milhões de votos no segundo turno (55,27%). Haddad teve 10,9 milhões (44,73%). Foi a terceira eleição consecutiva em que Haddad foi rejeitado pelos eleitores.

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