Durante recuperação, adolescente escreve livro sobre vida no crime
Enquanto cumpria medida socioeducativa no Entorno, estudante escreveu sua história. Agora, ele quer ser juiz, inspirado em juíza que conhece
atualizado
Compartilhar notícia
Goiânia – Dificuldades familiares na infância, envolvimento com o mundo do crime e a esperança de ter uma nova vida após sair da internação. Esses são alguns dos ingredientes de um livro lançado no início deste ano e escrito por um adolescente de 17 anos de Luziânia, no Entorno do DF.
Esse adolescente ficou dois anos no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) da cidade, depois de cometer um ato infracional análogo a roubo. Foi ali que ele começou a escrever sua própria história e recebeu apoio de funcionários e autoridades para finalizar, editar e publicar a obra.
“O Príncipe das Grades: Um relato de experiência na socioeducação” tem 70 páginas e é ilustrado pelo próprio autor. Nas páginas há relatos sobre a descoberta do verdadeiro pai quando era criança, a relação com os patrões do tráfico e a dependência química.
“A ideia de fazer o livro surgiu de repente. Eu estava deitado dentro da minha cela, passando por problemas e do nada surgiu a ideia. Primeiro eu fiz só para mim, mas depois mostrei para uma pessoa que divulgou. As pessoas gostaram e terminei de escrever. No começo eu não estava acreditando muito, mas a pedagoga mostrou o livro para a juíza e ela se interessou”, contou o adolescente para o Metrópoles.
Verdade estampada
O livro começou a se tornar realidade depois de uma visita da juíza Célia Lara ao Case, que conversou com editoras e organizações para conseguir a impressão. Ela é responsável pela fiscalização do atendimento socioeducativo no município e vai ao local toda semana.
“Li o livro várias vezes do início ao fim. Primeiro como revisora e depois como profissional. O livro é uma verdade estampada para a nossa sociedade, que a gente não enxerga, que a gente considera como invisível”, contou a magistrada.
Antes de ser lançado, o livro passou por várias edições para adequar o texto, mas também para tirar detalhes que possam identificar personagens, que coloquem a vida do adolescente em risco. Ele chega a narrar a vida no crime, o começo como “aviãozinho”, que é a pessoa que leva a droga, e a reflexão após ser apreendido.
“Um dia, o patrão falou que eu tinha que evoluir. Jogou uma arma calibre 32 na minha mão e falou para eu fazer cobranças nas bocas onde eu entregava a droga. No momento, gelei, mas pensei direito e, já que eu estava no crime, era para matar ou morrer”, descreve trecho do livro sobre o passado no crime.
Lançamento inesquecível
A obra foi lançada no mesmo dia que o adolescente deixou o Case para cumprir uma medida de liberdade assistida. Ou seja, ele vai para casa, mas é acompanhado por profissionais.
“Ele precisa do apoio da sociedade civil para conseguir emprego e para evitar que reitere ao mundo do ato infracional e das drogas. Que possa efetivamente construir uma vida longe das drogas e da violação de direitos”, afirmou a juíza.
No dia do lançamento do livro, teve até sessão de autógrafos e a presença de autoridades do município. “Fiquei emocionado. O crime não compensa. Você está ali ‘mó rueira’ e no outro dia você está preso lá dentro e ninguém está lá, só sua mãe”, refletiu o adolescente.
A função da juíza em sua vida até inspira ele a querer estudar direito e ser juiz um dia. Antes disso, ele pretende escrever um novo livro sobre sua reintegração na sociedade. Ou nas palavras dele, sobre o “desempenho na rua”.