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Dor, revolta e esperança: as cartas que Suzano escreveu após massacre

O muro do colégio Raul Brasil virou memorial de fé e homenagens da comunidade às vítimas da chacina ocorrida na escola nesta semana

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Cartas de Suzano
1 de 1 Cartas de Suzano - Foto: RAFAELA FELICCIANO/METRÓPOLES

Enviado especial a Suzano (SP) – A dor está estampada nos rostos dos habitantes da pacata Suzano, distante 50km da capital paulista. Com olhares tristonhos, os moradores cruzam as ruas do município cabisbaixos e em silêncio desde que oito pessoas da comunidade foram cruelmente assassinadas na quarta-feira (13/3).

A Escola Estadual Professor Raul Brasil, onde estudou grande parte da população, foi o cenário principal da tragédia. Sete dos mortos estavam todos os dias da semana na instituição – cinco alunos e duas servidoras. Os dois assassinos, que também morreram após atacarem brutalmente suas vítimas, eram ex-alunos do colégio.

Horas depois do massacre, a unidade de ensino começava a se tornar o epicentro das homenagens que moradores e visitantes prestam silenciosamente aos mortos da chacina. Há quem apenas passe por ali e murmure uma oração. Caminhadas pela paz e celebrações religiosas também têm partido ou sido realizadas nas imediações da escola. O muro externo do colégio foi convertido em uma espécie de oratório, onde os enlutados habitantes depositam velas acesas, flores brancas, cartazes e muitas cartas.

Presos à parede de concreto ou simplesmente deixados sobre as calçadas, os escritos dos moradores traduzem seus sentimentos de dor e pesar. E são tantos que nem mesmo a chuva que caiu sobre a cidade na madrugada dessa sexta-feira (15) conseguiu carregá-los. Os papéis dobrados contêm mensagens de consolo, perguntas ainda sem respostas, desenhos de corações partidos e asas de anjos. O Metrópoles reuniu alguns dos escritos e revela seu teor:

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Não ao bullying
Nessa sexta-feira (15), enquanto um adolescente de 17 anos prestava depoimento sob suspeita de ter ajudado Guilherme Taucci Medeiros, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25, a cometerem a chacina, estudantes da Raul Brasil e de outras escolas municipais registravam com tinta em papel desenhos e mensagens (fotos em destaque e na galeria acima). A homenagem singela chamou atenção de quem passava diante do colégio naquele momento e comoveu a todos.

Escrito à mão, em tinta azul e letra de forma, um dos recados trazia um alerta: “Não façam bullying com ninguém. É melhor para a escola”. Depois da frase, o desenho de um rosto com lágrimas. A mensagem direta é uma referência à suspeita de que os atiradores decidiram atacar o colégio porque eram alvo de chacota quando estudantes.

Segundo a mãe de Guilherme Taucci Medeiros, ele parou de frequentar as aulas no Raul Brasil no ano passado por sofrer bullying. O comerciante Jorge Antonio Morais, 51, tio do rapaz e morto na quarta-feira (13) antes do ataque na escola, estaria tentando convencer o sobrinho a retomar os estudos.

“Que Deus cuide das mães”
Júlia Rodrigues, estudante do 6º ano do ensino fundamental do colégio, tentou confortar os parentes dos amigos abatidos no pátio do Raul Brasil. “Para todas as famílias que perderam filhos ou parentes, meus pensamentos e orações. Eu sei como é difícil perder alguém que se ama, pois já passei por isso”, registrou a garota em seu bilhete.

“Quando se perde uma pessoa que a gente ama, fica um vazio no coração. Então eu dedico a minha oração para todos os alunos do Raul Brasil. Eu sei que todos [que morreram] estão num lugar melhor”, finalizou.

“Raiva, ódio, violência, racismo, maldição, caráter, tragédia.” As palavras foram costuradas entrelaçadas por um morador que fez apelo por um futuro melhor: “Que as tragédias no Brasil e nas escolas nunca mais aconteçam”.

Uma mãe se dirigiu às mulheres que tiveram filhos mortos na chacina. “Sinto muito pelas famílias que estão sofrendo, pelas mães que estão sofrendo sem os filhos ao lado. Que Deus cuide das mães”, escreveu.

O desenho de um anjo com cabelo loiros se destaca no muro branco da escola. Perto da imagem, a assinatura de uma aluna, identificada como Jéssica Ferreira da Silva. Ela escreveu um desabafo sobre as vidas interrompidas e também prestou solidariedade às mães dos colegas mortos.

Imagino a tristeza de uma mamãe ao perder um filho, que pensa que vai crescer, se casar, dar netos para ela… Eu tenho fé, esperança, que essas mães possam se recuperar. Creio que Deus levou [os filhos delas] para fazer companhia para Ele, e não para deixar elas mais tristes. Um grande beijo para todas vocês. Eu não as conheço, mas sei que Deus vai lhes abençoar

Trecho da mensagem de Jéssica Ferreira da Silva, estudante do Raul Brasil

Anjo real

Rafaela Felicciano/Metrópoles
A merendeira Silmara Cristina Silva de Moraes, 54 anos, que salvou a vida de 50 alunos durante o ataque a tiros na escola, foi parabenizada por um policial militar (foto acima) nessa sexta (15), quando chegou ao colégio. Ao ouvir o barulho de tiros, a trabalhadora escondeu na cantina a maior quantidade de estudantes que conseguiu. Usou um freezer e uma geladeira para montar uma barricada; como escudo, ela utilizou uma mesa.

Algumas cartas deixadas diante do colégio eram dedicadas à heroína. “Uma criança que descobriu que a cidade não é doce”, como se identificou o autor de uma das mensagens escritas para a merendeira, agradeceu a servidora: “Silmara, uma mulher forte, guerreira, que usou uma geladeira para nos proteger”.

Um garoto identificado apenas como Samuel de 12 anos, lamentou as tragédias recentes que o país têm enfrentado. “A gente nunca tinha visto isso antes. E como é triste. Tomara que isso não aconteça mais, é muito ruim”, escreveu. Com uma frase curta, que expressa o sentimento dos moradores da cidade, outro aluno definiu o 13 de março de 2019: “O dia em que Suzano chorou e o mundo sentiu. Os alunos pedem paz, o mundo pede paz. Resistência”.

Veja fotos dos estudantes da cidade colocando homenagens diante do palco da chacina:

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Adeus, “tia Marilena”
Também nessa sexta (15), a cidade se despediu da querida coordenadora da Escola Estadual Raul Brasil. O corpo de Marilena Ferreira Umezu, 59 anos, a primeira a morrer quando os algozes chegaram ao colégio, foi o último a ser sepultado no município. A família esperou o engenheiro mecânico Michael Vieira Umezu, 38, um dos filhos da servidora, chegar da China para enterrá-la no Cemitério Municipal São Sebastião.

O túmulo foi fechado sob aplausos. “Muitos pais acham que a criança vai aprender alguma coisa na escola, que a escola vai ensinar tudo, mas não. A educação vem do berço e foi isso que a minha mãe sempre ensinou para a gente”, declarou Michael, ao deixar o local.

Enquanto a população dava adeus à “tia Marilena”, o terceiro suspeito de envolvimento na chacina era apresentado ao Ministério Público. Ele prestou depoimento por quase três horas e foi liberado. Os promotores não acataram acusação da Polícia Civil de que o jovem de 17 anos deveria ser apreendido por “incitação ao crime”. Logo após o almoço, ele voltou para casa. As investigações continuam.

E Suzano se prepara para seguir adiante. Na próxima terça-feira (19), o palco central da tragédia será reaberto à comunidade. Ali, famílias das vítimas, moradores, servidores e estudantes poderão ter um momento de acolhimento, promovido por psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais disponibilizados pelos governos estadual e municipal. Até a segunda-feira da semana seguinte (25), não haverá aulas, só conversas e atividades que possam minimizar o trauma da população.

“Nenhum professor está obrigado a vir para a escola, nenhum aluno está obrigado. Todos podem viver este momento da melhor maneira, mas, se desejarem algum tipo de atendimento, estaremos aqui. Precisamos respeitar o tempo e o espaço de cada pessoa”, destacou Rossieli Soares da Silva, ex-ministro da Educação e atual secretário estadual da pasta.

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