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Dominada por militares sob Bolsonaro, comissão acumula pedidos de anistia

A Comissão de Anistia terá a missão de reavaliar pedidos negados durante o governo Bolsonaro e desafogar processos que aguardam julgamento

atualizado

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TONINHO TAVARES/AGÊNCIA BRASÍLIA
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1 de 1 ditadura - Foto: TONINHO TAVARES/AGÊNCIA BRASÍLIA

A Constituição Federal de 1988 determinou a criação de instrumentos para reparar danos a pessoas perseguidas politicamente durante regimes ditatoriais no Brasil. Nesse sentido, foi criada a Comissão de Anistia, em 2002, responsável por analisar os processos e julgar possíveis reparações. O colegiado, assim como outras políticas na área dos direitos humanos, sofreu um enfraquecimento durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

O órgão passou a ser composto, em sua maioria por militares, que negavam de forma massiva os pedidos de reparação a opositores do regime militar. Do total dos 4.285 processos julgados entre 2019 e 2022, 4.081 foram rejeitados, o que representa 95% dos pedidos analisados. Entre os integrantes da comissão estava, por exemplo, o general Rocha Paiva, amigo do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado como torturador no período que chefiou o Doi-Codi de São Paulo. Paiva foi responsável por escrever o prefácio do livro de Ustra e o definia como um “herói”.

Ainda durante a gestão de Bolsonaro, sob comando do antigo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos de Damares Alves, a comissão negou o pedido de anistia, por unanimidade, à ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Toda essa conjuntura fará com que os novos membros do colegiado tenham o dobro de trabalho, já que os processos julgados no governo anterior terão de ser revisados. Com isso, além dos mais de 4 mil pedidos indeferidos de maneira irregular, há cerca de 3.800 aguardando julgamento e outros 2 mil de demanda reprimida, somando por volta de 10 mil pedidos de reparações a serem analisadas nos próximos quatro anos.

A estimativa é da coordenadora do grupo de Justiça e Transição na Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stuz e Almeida. Segundo ela, os membros da comissão anterior mudaram o critério para julgar os pedidos de reparação. Antes, qualquer pessoa que comprovasse, por meio de documentos, registros, e outras evidências, ter sofrido perseguição durante o regime militar tinha direito à anistia. Sob o comando de Bolsonaro, o entendimento era de que pessoas que infringiram leis da época não teriam acesso ao indulto.

“Muitas pessoas entravam na Comissão de Anistia, provavam que foram perseguidas e aí o resultado era indeferido porque julgavam que a pessoa era ‘bandida’ mesmo”, conta Stuz. “Isso é uma subversão da própria legalidade e da constitucionalidade da Comissão de Anistia que era chocante, era de causar indignação”, continua.

“Essa perspectiva de que não teve ditadura gerava toda essa ilegalidade. Então, os votos terão que ser revogados. Tem que julgar de novo e, havendo provas de perseguição, seguir com a reparação dos danos.”

Essa reparação pode ser feita de diferentes formas: recontagem do tempo de serviço diante a previdência, para pessoas que demitidas; econômica por meio de indenização; devolução de posto de trabalho, como em caso de servidores públicos, entre outros tipos.

Em 17 de janeiro, a Comissão foi recomposta, com a retirada dos militares e nomeação de novos membros. Os julgamentos deverão ser retomados em março. No mesmo mês, haverá uma audiência pública com as associações de anistiados, com a presença do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Sílvio Almeida.

Fortalecimento da democracia

Eneá defende que o trabalho da comissão está diretamente ligado à sobrevivência da democracia brasileira. Sobretudo, em meio ao contexto atual de ataques às instituições. “Em nome do estado brasileiro, não de um governo, a Comissão de Anistia reconhece que ele assumiu a forma de ditadura lá atrás, isso foi muito ruim, foi nocivo para toda a população, nunca mais pode se repetir, e para garantir a democracia, o estado tem que se comprometer em nunca mais perseguir ninguém”, ressalta.

“Acredito, inclusive, que os atos de 8 de janeiro aconteceram justamente porque o estado brasileiro passou uma mensagem de que talvez fosse o caso de perseguir alguém”, avalia Stuz.

“Exatamente para que isso nunca mais aconteça é que a comissão tem que desempenhar esse papel, fazer esse trabalho, finalizar o julgamento de todos os processos porque é a democracia que está em risco. É para toda a população brasileira”, finaliza.

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