Disparada do dólar coloca governo Lula em colisão com mercado e BC
Mercado reagiu mal ao anúncio de ampliação da isenção de imposto de renda, que acompanhou o envio do pacote de corte de gastos
atualizado
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A forte alta do dólar nesta semana tornou a equipe econômica vidraça para o mercado financeiro e o governo Lula (PT) reage distribuindo a culpa pelo cenário adverso para o mercado financeiro e o Banco Central. O dólar chegou a bater R$ 6 já na abertura do pregão de quinta (28/11), após divulgação das medidas na noite de quarta (27/11), e fechou a R$ 5,98.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o encarecimento do dólar é motivado pelo “ruído” em relação à reforma do Imposto de Renda, e não ao pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo.
“Vamos ver como isso acomoda. À medida que você vai explicando, as pessoas vão entendendo. Havia também uma confusão muito grande em relação à reforma da renda, que eu acredito que seja o que esteja dando o maior ruído. Não são as medidas apresentadas aqui”, disse o ministro da Fazenda depois de reunião com senadores.
Haddad se refere ao projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, que deve ser enviado ao Congresso só ano que vem, após a aprovação da PEC do corte de gastos. Esse projeto, junto ao entendimento de que o pacote de cortes é insuficiente para controlar a dívida pública, azedou os humores do mercado.
O ministro da Fazenda também não descartou mais ações de responsabilidade fiscal. “São passos muito importantes esses que estão sendo dados. E, se precisarem outros, e certamente vai haver necessidade, nós vamos estar aqui para voltar à mesa do presidente com as nossas ideias e sintonizar as nossas ações em torno desse projeto”, falou, sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mercado não reage bem ao pacote do governo e dólar fecha em R$ 5,98
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, falou em tom bem mais crítico tanto contra o mercado financeiro quanto contra o Banco Central, que ainda é presidido por Romberto Campos Neto, nomeado pelo governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL).
No Palácio do Planalto, Costa disse que está em “contagem regressiva” para um “Banco Central que tenha um olhar para o Brasil, dirigido por quem mora no Brasil, e não em Miami”. O governo deve indicar três nomes para a diretoria do BC nos próximos dias.
“O que não pode, o que nos causou indignação ao longo de todo esse questionamento de hoje [quinta], foi deliberadamente motivado e estartado pela atual direção do Banco Central. Na minha opinião, numa visão política de boicote ao governo, estão criando uma sensação permanente de instabilidade. Vai para fora do Brasil, só vive falando mal do Brasil. Toda palestra que vai, fala mal do Brasil. Então, é por isso que nós estamos em contagem regressiva”, afirmou Rui Costa.
Cobranças ao mercado
Políticos de esquerda, como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, defenderam intervenção do Banco Central (BC) no câmbio. Ela cobrou o atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, a quem acusou de “não fazer nada para conter a especulação desencadeada”.
O líder do PT na Câmara dos Deputados, deputado Odair Cunha (MG), também atacou o presidente do Banco Central. “É inaceitável a omissão do Banco Central frente à onda especulativa contra o real nos últimos dias. É um crime contra o povo brasileiro e a economia nacional a inércia de Campos Neto, cuja postura é uma mistura de omissão e ação de sabotagem contra o Brasil. É sua obrigação intervir no mercado, pois há diferentes instrumentos à disposição do BC”, escreveu Odair na rede social X.
A variação do dólar
O Brasil mantém regime de câmbio flexível e que flutua livremente, sem níveis máximos ou mínimos estabelecidos para a taxa de câmbio. No entanto, o BC participa do mercado de câmbio com ações voltadas a conter eventuais movimentos desordenados da taxa de câmbio, evitar restrições de liquidez e assegurar o provimento de mecanismos de proteção ao mercado.
A atribuição de intervir no câmbio, porém, caberia ao atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, que é o nome já escolhido e aprovado para presidir o BC a partir de 2025.
Enquanto isso, as queixas sobre o atual patamar do dólar vão da esquerda à direita e atribuem culpa a diferentes agentes políticos e econômicos.
Na coletiva ocorrida no início da manhã de quinta-feira, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, deu uma declaração que já virou chavão dentro do governo, repetido por seus colegas palacianos: “Quem apostar contra o Brasil vai perder”.
Um dia antes do anúncio, o próprio presidente da República expressou sua insatisfação com o clima do mercado, dizendo que não há motivos para o atual patamar da taxa básica de juros, a Selic. Ele afirmou que a economia está crescendo e o nível de desemprego é o menor desde 2012, início da medição, além de expectativa de PIB acima de 3% neste ano.
Nessa quinta, Lula classificou o pacote de “extraordinário” e não comentou sobre o nervosismo do mercado.
Desvalorização do real
Levantamento da agência classificadora de risco Austin Rating, com base em dados do Banco Central, revela que o real é a oitava moeda que mais perdeu valor frente ao dólar em 2024.
A queda acumulada do real no ano chegou a 19,1%. Os dados mostram que a moeda do Sudão do Sul foi a que mais se desvalorizou este ano, com perdas de 69,80%. Na sequência, estão as moedas da Etiópia e da Nigéria, com quedas de 56% e 47%, respectivamente.
Pacote fiscal
A “tesourada” anunciada nesta semana pela equipe econômica se fez necessária para que as despesas obrigatórias caibam no novo arcabouço fiscal. A revisão de despesas da União pode gerar uma economia de R$ 327 bilhões de 2025 a 2030. Em curto prazo, a estimativa indica a garantia de economizar pouco mais de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, sendo R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026.
Analistas receberam bem o pacote, mas há avaliações que apontam que o efeito fiscal será inferior ao esperado pelo governo (R$ 71,9 bilhões). Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, avaliou que o impacto será de R$ 19,2 bilhões em 2025 e de R$ 25,9 bilhões em 2026, totalizando R$ 45,1 bilhões. Apesar de um montante inferior, ele considerou que ele “é relevante e está na direção correta”.
Outros economistas ressalvaram que os cortes de gastos são insuficientes para garantir o cumprimento da meta fiscal e não eliminam os riscos da trajetória da dívida pública. Ouvido pelo Metrópoles, Marcos Mendes, economista e pesquisador do Insper, avaliou que serão necessárias receitas adicionais para cobrir despesas que continuarão com crescimento real, pois as medidas propostas são tímidas e não visam reduzir despesas.
Entre as ações, estão uma limitação para o crescimento do salário mínimo, restrição para o abono salarial e um aumento nos impostos dos chamados super-ricos.
As medidas serão submetidas à análise do Congresso Nacional e a intenção do governo é aprová-las ainda em 2024, para que já comecem a surtir efeitos em 2025. Elas deverão tramitar na forma de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e de um Projeto de Lei Complementar (PLP).