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Presidente da Funarte: Deus inventou a música, diabo a corrompeu

Em canal no YouTube, Dante Mantovani dá avaliações como a que atribui ao funk responsabilidade pela “situação caótica do Rio de Janeiro”

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Reprodução/Youtube
Maestro Dante Mantovani, ex-presidente da Funarte
1 de 1 Maestro Dante Mantovani, ex-presidente da Funarte - Foto: Reprodução/Youtube

A nomeação do maestro Dante Mantovani para a presidência da Fundação Nacional de Artes (Funarte), confirmada nessa segunda-feira (02/12/2019), gerou uma onda de críticas (e piadas na internet) porque o escolhido defendeu em vídeos postados no YouTube teses como a relação entre rock, drogas, aborto e satanismo. Uma análise mais profunda no canal do profissional no site, porém, mostra que as opiniões polêmicas dele vão bem além dessas questões mais… folclóricas. Em um vídeo com o título Quem inventou a música?, por exemplo, Mantovani liga a produção e o consumo de funk à “situação caótica” no Rio de Janeiro e chega a avaliar que o ritmo motiva crimes como estupros coletivos.

O vídeo, postado há quase um ano, registra uma espécie de aula ou palestra de Mantovani para educadores. Ao responder a pergunta feita no título, o novo presidente da Funarte sustenta: a música foi inventada por Deus, mas corrompida pelo diabo.

“O funk foi declarado patrimônio cultural. A Assembleia Legislativa decretou patrimônio cultural no estado do Rio de Janeiro, que é o estado mais violento, que tem mais mortes, onde mais se mata policial, onde o tráfico de drogas manda em tudo”, avalia. “É um estado que tem coisas maravilhosas, tem gente muito boa lá, mas a música que eles ouvem determina o fato que eles estão numa situação caótica, isso é muito evidente”, complementa.

Em seguida, Mantovani relaciona um caso de estupro coletivo na capital fluminense ao ritmo musical. “Esse pessoal que escuta funk, vocês podem ver… A moça estuprada por 30 pessoas; [os estupradores] tavam ouvindo funk. Era um baile funk”. Ao falar do caso, o profissional pede a alguém para “tapar os ouvidos” de uma criança que aparece na cena, o que não é feito.

Essa e outras passagens controversas do pensamento do novo presidente do órgão responsável por “promover e incentivar a produção, a prática, o desenvolvimento e a difusão das artes no país” foram reunidas pelo Metrópoles em um único vídeo, veja:

Soldado da guerra cultural
Dante Mantovani é maestro profissional e vende um curso on-line de música, que anuncia em quase todos os vídeos postados no canal. Antes de ser nomeado, o novo presidente da Funarte apagou seus perfis nas redes sociais Facebook e Instagram, além de todos os posts no Twitter.

Analisando o conteúdo dos vídeos, o mais antigo foi postado em setembro de 2016, porém, é possível compreender que o profissional acredita que a sociedade vive uma crise cultural e uma guerra entre as visões da direita, com as quais Mantovani concorda, com as da esquerda, que ele despreza e denuncia. É nesse contexto que o maestro critica o rock (apesar de gostar de duas bandas de heavy metal, a americana Metallica e a brasileira Angra) e outros fantasmas, como os filósofos da Escola de Frankfurt, que também são alvo constante do grande inspirador do novo servidor público: o professor de filosofia on-line Olavo de Carvalho.

O objetivo principal do canal é divulgar conteúdo sobre música clássica, mas política e filosofia encontram lugar entre os assuntos, assim como teorias conspiratórias em torno de temas como a maçonaria. Adepto de vídeos curtos na maioria dos casos, o maestro dedica quase uma hora em uma das produções para defender que o austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) foi um grande gênio apesar de ter sido maçom. “Ele era freelancer, compunha para os maçons, mas isso não o definiu”, explicou.

É necessário salientar, dada a resistência do nomeado ao grupo, que Mantovani passa a prestar serviços a um governo no qual o vice-presidente, Hamilton Mourão, é maçom de destaque.

A música popular em geral não goza de grande prestígio com o homem que teoricamente é responsável por promover todo o tipo de arte, mas ele abre exceções. Nomes como Tom Jobim (1927-1994) e Vinícius de Moraes (1913-1980) ganham elogios em alguns vídeos, assim como a música sertaneja – mas só a de raiz. “O problema do sertanejo foi a ida dos artistas do campo para a cidade”, avalia ele. “A música das duplas mais autênticas, mais raiz, são desvirtuadas e existe uma chamada música sertaneja universitária. O que manda é a pressão de mercado”, lamentou.

Viva o chefe
A postagem de vídeos no canal do maestro não tem muita regularidade e não houve muita produção nas últimas semanas. No último dia 4 de novembro, porém, Mantovani abriu espaço para um vídeo que foge um pouco dos temas tratados, pois foca em elogiar uma única e contemporânea personalidade: o dramaturgo Roberto Alvim, que foi nomeado secretário especial de Cultura três dias depois e, agora, nomeou o próprio Mantovani.

No vídeo, o maestro apresenta Alvim, que então era diretor de Artes Cênicas na própria Funarte e havia se notabilizado por criticar a atriz Fernanda Montenegro, é tratado por Mantovani como “um grande diretor de teatro brasileiro” que estaria fazendo um enorme esforço pela cultura brasileira, mas ainda estaria sendo podado pelos interesses “esquerdistas e globalistas”.

No discurso, aliás, sobra uma crítica velada ao ministro da Cidadania, Osmar Terra, que, na prática, é chefe tanto de Alvim quanto de Mantovani: “É do PMDB (sic), foi nomeado ainda pelo [ex-presidente Michel] Temer”, diz o novo subordinado de Terra (MDB-RS), com expressão indicando que não é preciso dizer mais.

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