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Parada, Comissão de Mortos e Desaparecidos não se reúne há seis meses

A CEMDP identifica desaparecidos e mortos políticos da ditadura militar. Servidores temem fim do grupo

atualizado

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A Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) está parada. Não realiza reuniões desde novembro de 2019. Críticas de dentro e de fora do grupo denunciam que a paralisação das atividades é resultado direto do que chamam de “desmonte político” conduzido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde que assumiu o poder.

Com a nova presidência, escolhida a dedo por Bolsonaro e pela ministra da Família e Direitos Humanos, Damares Alves, o órgão teve o escopo de atuação reduzido, conforme definiu o regimento interno no começo do ano. Em 2020, a comissão ainda não realizou nenhuma reunião. A informação foi confirmada pela própria pasta. A praxe do grupo é se reunir trimestralmente. Como a última reunião foi em 12 de novembro, a previsão era de que a comissão estivesse preparando a segunda reunião deste ano.

O Ministério da Família alega que, primeiro, faltava “dinheiro para comprar passagens para os conselheiros”; depois, que a pandemia do novo coronavírus atrapalhou o encontro de fevereiro, que foi remarcado para maio.

Com a paralisação, entretanto, os funcionários do grupo dizem temer que o atual presidente, Marco Vinícius, assessor de Damares, se dê por satisfeito com o trabalho realizado e encerre as atividades da comissão definitivamente, como prevê a legislação.

Procurado, o presidente da comissão não respondeu. A assessoria do Ministério da Família, por sua vez, não confirmou nem negou que o governo pretende acabar com as atividades da CEMDP. No entanto, disse que “a Comissão será finalizada quando encerrar a análise de todos os requerimentos”.

Trabalhos

Criada em 1995 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a CEMDP tem entre suas atribuições reconhecer pessoas desaparecidas ou mortas pela ditadura militar, que controlou o país entre 1964 e 1985.

Hoje, 35 anos após o fim do regime autocrático, a comissão permanece atuando. Como acontece com o Grupo de Trabalho (GT) de Perus, que analisa mais de mil ossadas achadas em uma vala clandestina no cemitério Dom Bosco, na Zona Noroeste de São Paulo (SP).

Ex-presidente da comissão, a procuradora do Ministério Público Federal Eugenia Gonzaga afirmou em entrevista ao Metrópoles que as atividades do GT de Perus estavam previstas para serem concluídas neste ano.

“Estávamos na reta final. Tinha que fazer uma segunda contratação. Depois que saí, isso não foi feito”, argumenta. A contratação a que ela se refere é de um laboratório internacional especializado na análise de ossadas antigas.

As buscas por ossadas de guerrilheiros e camponeses mortos durante a Guerrilha do Araguaia (1972 a 1975), paralisadas há um bom tempo, iriam ser retomadas logo após a conclusão do GT de Perus. A ideia era usar o mesmo laboratório.

As críticas, porém, não vêm somente de fora. Representante de familiares de mortos e desaparecidos políticos, Diva Santana reclama que a comissão, desde que foi mudada a presidência, não fez nada.

“Está tudo parado. Não tem avançado em relação às diretrizes da lei. Antes, tínhamos várias ações no campo da busca da verdade”, aponta. “Só mudaram o regimento interno e tirou algumas contribuições do que a gente vinha fazendo. Nada funcionou, somente a elaboração do novo regimento”, complementa.

Resolução interna

Em janeiro, foi aprovado um novo regimento interno para a CEMDP. O documento é assinado pelo atual presidente da comissão, Marco Vinícius, e foi publicado no Diário Oficial da União (DOU). Leia aqui.

Foram reduzidas as atribuições da comissão. Entre elas, a autorização da CEMDP para emitir atestados de óbito de mortos e desaparecidos políticos.

“A presente medida é adotada em cumprimento à recomendação da Comissão Nacional da Verdade (CNV)”, diz o texto, revogado no regimento interno.

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Deputado Filipe Barros (PSL-PR)
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Procuradora Eugenia Augusta Gonzaga, ex-presidente da CEMDP

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Deputado Filipe Barros (PSL-PR)

Divulgação

Para Eugenia, falta agora um encerramento digno para o sofrimento das famílias de mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar. “As famílias sempre pediram uma certidão de óbito que tivesse ao menos o local da morte e a data, e tivesse reconhecido o corpo”, pontuou.

“A gente vinha fazendo um trabalho muito importante de reaproximação das famílias. Com o fenômeno do desaparecimento, o sofrimento é muito grande”, completou a ex-presidente da comissão.

Por outro lado, o Ministério da Família sustenta que está adequando o regimento à lei para “corrigir irregularidades que vinham sendo praticadas com base no regimento anterior, mas que não estavam previstas na lei de regência, o que é ilegal”.

“De acordo com a Lei de Registros Públicos, a emissão de atestados de óbito deve ser feita por um médico. A comissão não dispõe deste tipo de profissional para realizar esta emissão. As exceções previstas também não se enquadravam em nenhum dos casos. Como a atual gestão busca cumprir os parâmetros legais, não foi mais emitido nenhum atestado de óbito”, informou.

Desmonte político

Bolsonaro exonerou, em agosto de 2019, quatro dos sete membros da comissão. Entre eles, a então presidente Eugenia Gonzaga. Os outros três que restaram não são indicados pelo presidente da República e, por isso, permaneceram.

A decisão ocorreu cerca de uma semana após o grupo declarar que a morte de Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, foi causada pelo Estado brasileiro.

Na época, Bolsonaro protagonizou uma discussão pública com Felipe Santa Cruz. No auge, o chefe do Executivo afirmou, sem apresentar provas até hoje, que o pai do presidente da OAB foi morto por colegas de um “grupo terrorista”.

De acordo com o decreto, foram nomeados por Bolsonaro os seguintes membros:

  • Marco Vinicius Pereira de Carvalho, assessor da ministra da Mulher, Damares Alves, e filiado ao PSL. Após assumir o cargo, defendeu “maior celeridade” nas respostas às famílias dos desaparecidos;
  • Coronel reformado do Exército Weslei Antônio Maretti. Ele exaltou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça como torturador durante a ditadura;
  • Tenente-coronel Vital Lima Santos, assessor do chefe de gabinete do Ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva;
  • Olavista e deputado federal Filipe Barros (PSL-PR), que defende publicamente o golpe de 1964. Segundo ele, foi necessário para libertar o país da “ditadura comunista”.
Outro lado

O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos negou todas as acusações de que os trabalhos da comissão estejam paralisados após a saída da ex-presidente Eugenia Gonzaga, em agosto do ano passado, e as mudanças decididas por Bolsonaro.

“Todas as reuniões do colegiado foram realizadas em 2019, com a vantagem de não termos mais nenhum relatório periódico em atraso. Na gestão anterior, ficaram mais de um ano sem apresentar os relatórios obrigatórios. Não há qualquer paralisação”, garantiu, em nota.

“A comissão tem participado ativamente de diversas audiências de conciliação sobre o caso da vala de Perus. Estivemos em uma missão em Haia, na sede do International Commission on Missing Persons (ICMP), onde são realizadas as pesquisas genéticas para a localização dos desaparecidos de Perus”, exemplificou.

A pasta admitiu, porém, que desde novembro de 2019 ainda não foi realizada nenhuma reunião do colegiado.

“A reunião prevista para o início do ano foi adiada por falta de orçamento para a compra de passagens dos conselheiros. Depois, quando essa situação foi resolvida, teve início esse período de pandemia. Como solução, esta reunião será realizada em maio, de forma virtual”, informou.

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