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O drama das meninas que se casam crianças

A união de uma garota com um homem muito mais velho é associado a condições financeiras precárias

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Raquel (nome fictício) observa a massinha de modelar entre as mãos e brinca de criar formas enquanto fala sobre o dia em que foi estuprada aos 10 anos, em Cajazeiras, distrito onde mora na zona rural de Codó (MA). O rapaz, então com 19 anos, fugiu. Ela engravidou. “A médica disse que não tinha espaço para sair o bebê por parto normal, então fiz cesárea”, conta. A filha nasceu e foi cuidada pela avó.

Aos 13, foi morar com Raimundo, um pedreiro de 35 anos que conheceu na casa vizinha. E engravidou novamente. Ela foi novamente vítima de estupro – mesmo em união informal, o caso configura estupro de vulnerável pelo Código Penal, por envolver sexo com uma pessoa menor de 14 anos.

A história de Raquel compõe o retrato de uma realidade quase invisível no Brasil, apesar de ser uma prática antiga e com dimensão global: o casamento infantil. No País, há poucos dados disponíveis para dimensionar o problema. Dados do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, os últimos disponvieis, indicam que 877 mil mulheres que têm hoje entre 20 e 24 anos se casaram quando tinham até 15. O próprio governo federal admite não saber quem são e onde estão as meninas casadas.

Segundo o primeiro estudo feito no País especificamente sobre o tema, realizado pelo Instituto Promundo entre 2013 e 2015, Maranhão e Pará são os Estados com maior prevalência de uniões precoces. O levantamento mostra que as meninas se casam e têm o primeiro filho, em média, aos 15 anos. Os homens são nove anos mais velhos.

A pesquisa sugere que o casamento de uma menina com um homem muito mais velho – o caso de Raquel – é associado a condições financeiras precárias da família da garota. O homem mais velho surge como alguém capaz de fornecer apoio financeiro a ela e aliviar sua família de sustentá-la.

Carência de políticas públicas
O governo federal não sabe quem são nem onde estão as crianças e adolescentes que se casam precocemente no Brasil. Também não há políticas públicas para o enfrentamento do casamento infantil, admite a secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos, Berenice Gianella.

Em janeiro, o governo fechou um acordo de cooperação com o Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa) para realizar, no período de um ano, uma pesquisa para apontar as motivações do casamento precoce no País e recomendar políticas para atuação do governo. Segundo Berenice, há poucos anos o casamento infantil era tratado exclusivamente como problema de saúde. Mas, com o aumento da taxa de gravidez na adolescência, ficou claro que somente as campanhas de prevenção e a distribuição de métodos contraceptivos pelo Ministério da Saúde eram insuficientes.

Berenice explica que foi somente após os resultados da pesquisa Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência, do Banco Mundial, que o governo começou a encarar a questão como um problema social, mais do que de saúde. O estudo, divulgado em março de 2017, mostrou que, no País, 36% da população feminina se casa antes dos 18 anos.

“Isso foi um alerta. Sabemos que há casamento de crianças de 10, 11 anos. A pesquisa nos levou a pensar nessa política não apenas sob o viés da saúde e da assistência social, mas também dos direitos humanos da criança e do adolescente”, afirma Berenice.

Projeto de lei. A pesquisa também levou, no ano passado, à elaboração de um projeto de lei, que tramita na Câmara dos Deputados, para proibir o casamento de menores de 18 anos sem exceção. No Brasil, o Código Civil permite, excepcionalmente, o casamento de homem e mulher aos 16 anos com o consentimento dos pais ou de um juiz e no caso de gravidez.

A lei, porém, somente se aplica aos casamentos registrados. A maioria das uniões entre jovens no Brasil, porém, é informal. “A lei tem essa função de nortear o que é certo e o que é errado. A legislação é importantíssima para dar o direcionamento”, afirma Paula Tavares, advogada e especialista em gênero do Banco Mundial.

Ela defende também legislação já adotada em outros países, como Uruguai e Equador, que preveem sanções a parentes, oficiais que registrem ou autorizem casamentos e até mesmo ao marido (quando maior de idade).

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