“Nossa cultura está sendo morta diariamente”, diz índio Guajajara
O Guardião da Floresta Auro Guajajara está sob proteção policial após onda de ataques à etnia. Dois caciques foram mortos no último sábado
atualizado
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Ameaçado de morte por ser uma das lideranças dos Guardiões da Floresta – grupo responsável pela proteção de terras indígenas contra invasões de grileiros –, o índio Auro Guajajara não vê a família há mais de três meses. O guardião está sob proteção policial após onda de assassinatos contra lideranças indígenas no país, sobretudo no Maranhão.
“Muita apreensão. Um sentimento de medo, de revolta, de impotência. Parece que a gente está sendo marginalizado pelo simples fato de defender o nosso território. É como se nós fossemos os bandidos. Enquanto isso, os bandidos verdadeiros estão saqueando a nossa terra e estão livres.”
No último sábado (07/12/2019), dois primos de Auro foram vítimas de atentado na rodovia BR-226, na terra indígena Cana Brava, no Maranhão. Os caciques Firmino Silvino Guajajara e Raimundo Bernice Guajajara voltavam de uma reunião com a Eletronorte – concessionária de energia que atende a região – quando foram baleados. Ambos morreram.
No início de novembro foi a vez de Paulo Paulino Guajajara, também integrante dos Guardiões da Floresta. O líder da etnia foi vítima de uma emboscada após criminosos invadirem a terra indígena Araribóia, no Maranhão, para extrair madeira. O território é o mesmo onde a família de Auro mora.
“Como vou explicar para a minha filha, que tem 11 anos, e dizer para ela que estamos sendo atacados só porque estamos defendendo o território? Estamos sendo ameaçados quase que cotidianamente. A nossa cultura está sendo morta todos os dias. Nós estamos sendo mortos todos os dias”, denuncia Auro Guajajara, em entrevista ao Metrópoles.
Por recomendação do programa de proteção, a entrevista foi feita por WhatsApp para evitar que eventuais criminosos identifiquem a localização de Auro. Hoje, o guardião está a cerca de 580 quilômetros da família. O local não pode ser publicado por motivos de segurança. “O programa não permite que a gente dê a localização exata”, diz.
Auro está sob proteção policial por estar à frente dos Guardiões da Floresta. Ele está entre os alvos principais de criminosos. A família, que ficou em Araribóia, também corre risco de vida. “Todos estão ameaçados. A minha família está em risco”.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, autorizou a ida da Força Nacional para o território Cana Brava, onde os dois índios morreram neste último sábado. Auro conta que a medida, contudo, não abrange Araribóia.
Procurado pela reportagem, o ministério informa que a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) foi enviada, em caráter de urgência, para auxiliar no trabalho na terra indígena Cana Brava. “Se houver necessidade, a FNSP será deslocada a outras terras indígenas”, destaca.
“O programa não deveria ser o bastante. O correto seria que nós tivéssemos nosso território. Como que eu tive que sair da minha casa por estar defendendo ela?”, dispara Auro.
“Tem praticamente três meses que não vejo a minha família, e tudo isso por conta da nossa conjuntura política que é sempre desfavorável aos indígenas e está sendo incentivada pelo nosso governante”, critica.
No domingo (08/12/2019), dia seguinte ao assassinato de Firmino e Raimundo Guajajara, seria realizada uma caçada para fazer o Rito de Passagem da Menina Moça, tradição da etnia. O rito simboliza a transição entre a infância e a vida adulta, e acontece sempre que uma menina índia tem a primeira menstruação.
Neste fim de semana seria a vez da filha de Auro. Por conta do assassinato, a tradição precisou ser quebrada e a garota de 11 anos terá que esperar mais um tempo. A cultura está sendo morta todos os dias, reforça o guardião.
“Espero que no próximo ano eu já esteja na minha terra. Se ela não passar pelo ritual, como vai se entender como uma mulher indígena?”, questiona, ao repassar a saudade de cada membro da família e da terra Araribóia, onde nasceu.