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Indígenas acusam servidores da Funai de tortura

Órgão afirma ser vítima de calúnia e alega que indígenas foram alvos de operação contra a venda ilegal de madeira

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Divulgação/ Funai
Agente de fiscalização da FUNAI conduz barco em rio no meio de uma mata. Ele usa colete, chapéu e está de costas - Metrópoles
1 de 1 Agente de fiscalização da FUNAI conduz barco em rio no meio de uma mata. Ele usa colete, chapéu e está de costas - Metrópoles - Foto: Divulgação/ Funai

Homens da Terra Indígena (TI) Karitiana, em Porto Velho, Rondônia, denunciam que foram torturados por servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Força Nacional, durante uma operação em maio do ano passado.

Os indígenas relatam que foram vítimas de atos de violência pelos servidores públicos, que teriam até apontado uma metralhadora para a cabeça de um deles e ameaçado colocar fogo no jovem.

Por outro lado, a Funai classifica a denúncia como “calúnia” e afirma que os indígenas foram alvos de operação feita em parceria com Ibama e Força Nacional por venda ilegal de madeira. O órgão federal aponta que as estacas encontradas com o grupo são avaliadas em R$ 200 mil.

As denúncias são investigadas pela Procuradoria da República de Rondônia (PRRO), que abriu um inquérito civil em 26 de abril passado. O Metrópoles teve acesso à íntegra do procedimento preparatório que tem embasado a apuração.

Os indígenas enviaram uma carta ao Ministério Público Federal (MPF) detalhando as violências.

Eles denunciam que a aldeia foi “invadida” por policiais ambientais e um servidor da Funai, identificado apenas como Hércules, por volta de 19h do dia 27 de maio de 2021.

O referido servidor trata-se de Hércules Silva Schiave. Ele é chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial da Divisão Técnica da Coordenação Regional de Ji-Paraná (RO) da Funai, segundo registros do Diário Oficial da União (DOU).

“Ocorreu uma atitude arbitrária, com uso excessivo de força, colocando fogo no trator da comunidade, queimando a estaca que a comunidade retira e utiliza para fins próprios [sic]”, afirmou o povo Karitiana na carta. O documento é assinado por 92 indígenas da etnia, além do presidente da Associação do Povo Indígena Karitiana, Cledson Pitana Karitiana.

“Após terem realizado esse vandalismo, abordaram, torturaram fisicamente, psicologicamente e ameaçaram de morte apontando uma metralhadora para a cabeça de um morador local, dizendo que eram profissionais de executar pessoas e dando ordem para outros policiais atirarem na cabeça, disse ainda que os seus parentes não vai saber quem o matou pois vamos tocar o fogo no seu corpo [sic]”, prosseguem os indígenas.

A situação causou enorme “constrangimento e medo” ao jovem da comunidade que faz enfermagem e que teria sido ameaçado pelos servidores, sustentam os indígenas. Os Karitianas negam que são “invasores” da reserva onde ocorreu a suposta fiscalização. Ao contrário, são moradores de lá.

Leia a carta:

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Ao MPF, a Funai acusou os indígenas de calúnia e afirmou que todas as medidas adotadas pelos agentes envolvidos na fiscalização tiveram o “respaldo da legislação ambiental vigente”. A resposta é assinada por Hércules Schiave.

O órgão indigenista afirmou ter realizado uma operação na terra indígena após várias denúncias sobre um suposto esquema de venda de madeira da espécie itaúba. A ação foi realizada de noite para evitar contato com os indígenas, em razão da pandemia de Covid-19.

De acordo com as denúncias, as madeiras eram transportadas por um trator amarelo de um não indígena que trabalhava e dormia na aldeia, identificado como “Tiago Branco”. Ele estaria cobrando R$ 2 por cada estaca, que seriam vendidas pelos indígenas para o “pai do Tiago Ferreirinha e um dono de uma lotérica” por R$ 18 a R$ 20.

No local, os policiais teriam encontrado 10 mil estacas já serradas, o que renderia até R$ 200 mil aos indígenas. Além disso, foram achados um trator com reboque e 330 litros de diesel.

“O fato é que não a [sic] registro na Funai que a associação tinha tal trator, e seria simples para provar a farsa, é só requisitar dos indígenas o contrato de compra e venda do trator, que se tratando de associação deverá estar assinado e reconhecido firma em datas anterior [sic]”, escreveu Hércules.

“Como justificar 10 mil estacas que utilizava para fins próprios sendo que sequer a [sic] um cercado dentro da TI [Terra Indígena] com tal volumetria”, prosseguiu.

Na sequência, Hércules questiona o que motivaria que servidores, às 22h, torturassem um jovem da etnia sem estar cometendo crime algum.

“O fato é que o servidor Hércules Silva Schiave vem desde 2017 atuando na área do Karitiana, juntamente com a Polícia Militar Ambiental, os quais realizaram várias prisões de madeireiros e maquinários, colocados pelos indígenas dentro da TI, reduzindo drasticamente os recursos fácil e ilícito [sic] dos indígenas. E como retalização [sic] e para intimidar a fiscalização, calunia o servidor desta instituição e a Polícia Ambiental”, finaliza.

No procedimento preparatório, a Polícia Militar de Rondônia (PMRO) nega ter participado da operação. O Ibama ainda não se manifestou.

Segundo dados do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), analisados pelo Metrópoles, a TI Karitiana teve 0,19 quilômetros quadrados de desmate em 2021. Nos sete anos anteriores, a taxa de desmatamento foi zero ou próximo de zero.

A Funai tem sido procurada pelo Metropóles desde 19 de maio, mas não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem, nem ao pedido de entrevista com o servidor Hércules Schiave. Também foram enviados questionamentos ao Ibama e à Força Nacional, via Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Cledson Karitiana também foi procurado, mas não mais se manifestou. “Já te retorno. Tô no trânsito, meu Rei”, escreveu ele à reportagem, na tarde dessa sexta-feira (27/5). Ele não retornou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

Ao converter o procedimento preparatório em inquérito civil, o MPF destacou o “fracasso dos esforços empreendidos até então para a obtenção de respostas (em razão do silêncio dos órgãos oficiados)”.

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