Dois anos após massacres, presídios mantêm superlotação e violações
Ministério dos Direitos Humanos aponta que os estados cumpriram menos de 5% das 185 recomendações para melhorar estrutura nas cadeias
atualizado
Compartilhar notícia
O massacre de 126 detentos há quase dois anos em três presídios brasileiros não foi suficiente para impulsionar mudanças significativas nesses locais. Superlotadas, as unidades prisionais em Manaus, Boa Vista e Nísia Floresta, na Grande Natal, ainda convivem com uma rotina de violações distante de representar o efetivo controle e a adequada assistência do Estado aos apenados.
Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão do Ministério dos Direitos Humanos, aponta que os estados cumpriram menos de 5% das 185 recomendações feitas visando a melhorar a estrutura das cadeias, garantir direitos dos presos e investigar devidamente a responsabilidade dos massacres, reparando os parentes das vítimas.
Os peritos, que voltaram a visitar os presídios logo após as mortes e neste ano, constataram diversos problemas. Na Penitenciária de Alcaçuz, onde 26 detentos foram assassinados, a rotina imposta pelos agentes do local configura, segundo os especialistas, tortura física e psicológica semelhante à notada na cadeia de Abu Ghraib, no Iraque.
Dizem os peritos que a rotina de revistas em Alcaçuz expõe os detentos a nudez. Os procedimentos de abordagem dos agentes, em que detentos não podem olhar ou se dirigir a eles, e os relatos de “agressões preventivas” criam “ambiente de profundo constrangimento e humilhação, que agride a autoestima, subjuga e provoca intenso sofrimento psíquico da pessoa presa.”
Além disso, nos casos do Rio Grande do Norte e de Roraima há pessoas consideradas desaparecidas, pois estavam no presídio no momento dos massacres, mas não foram dadas como mortas nem consideradas foragidas. São 15 pessoas nessas condições em Alcaçuz, mas o número pode subir para 32, pois para outros 17 o Estado não explica os elementos que o levou a considerá-los foragidos. Em Roraima, são sete pessoas.
“Conclui-se que a visibilidade dos problemas prisionais provocada pelos massacres não modificou a condição do Estado brasileiro, repetindo soluções paliativas e ações reativas, com maior ênfase em afastar-se de suas responsabilidades sobre os massacres do que em dar conta das questões que envolvem os grupos vitimados”, escreveram os peritos no relatório final, que será divulgado nesta quarta-feira (28/11), pelo Ministério dos Direitos Humanos. “Apesar das iniciativas bem-intencionadas, a visão e a determinação para sair do ciclo vicioso da repressão-violência não se colocaram como prioritárias”, acrescentaram.
O relatório diz não ter sido observado resultados satisfatórios quanto à apuração, responsabilização e reparação dos massacres. No Amazonas, mais de 200 pessoas foram denunciadas à Justiça pelo envolvimento com os assassinatos. Mas em Roraima e no Rio Grande do Norte, as apurações pouco caminharam. Os peritos destacam ainda que nenhuma investigação dedicou atenção ao papel dos gestores nas causas dos ataques, desde diretamente por meio de facilitação de entrada de armas, como denunciado em Manaus, até indiretamente quanto às condições de precariedade dos presídios que levaram à potencialização da força das facções.
Em virtude disso, o Mecanismo pedirá a entrada do Ministério Público Federal na investigação das pessoas desaparecidas no Rio Grande do Norte. Em reunião com promotores potiguares, os membros do órgão disseram ter ouvido desses representantes do Ministério Público que é cogitada a possibilidade de ser solicitada a federalização da investigação do massacre. Consultado nesta terça-feira, 26, sobre a informação, o Ministério Público potiguar disse que não procede que essa saída tenha sido estudada.
“Muito mais que ‘meros acertos de contas’ ou ‘brigas entre facções’, tais declarações (referindo-se a declarações de gestores que ligaram os massacres a brigas entre facções) entendem o conflito entre grupos organizados no interior de unidades prisionais como algo dissociado dos problemas de gestão, ao mesmo tempo em que, de forma implícita, subestimam a responsabilidade do Estado no acompanhamento de rotinas, na prevenção de conflitos e preservação da vida e integridade física dos custodiados”, destacam os especialistas.
“O Estado tem uma baixa capacidade de resposta tanto em situações de crise como no desenvolvimento de políticas mais estruturais para a área. No momento dos massacres, foram tomadas medidas de urgência, mas o assunto acabou sendo esquecido tempos depois. Faltam respostas para a realidade atual da política penal, marcada por violência e morte”, disse ao Estado a coordenadora-geral do mecanismo, Valdirene Daufemback.
Apesar de crise, recursos do Funpen são subutilizados
Apesar do cenário de precariedade, os recursos milionários repassados pelo Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) estão sendo subutilizados. Em dezembro de 2016, o governo repassou cerca de R$ 44 milhões para cada Estado; o Rio Grande do Norte aplicou 17% da verba, o Amazonas, 14,8%, e Roraima, 2,8%. Em 2017, foram mais R$ 21 milhões. O RN gastou 4,5% e os Estados do Norte não aplicaram nenhum centavo do recurso até outubro deste ano, de acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).