Caso Moïse: Congo é o 3° país com mais refugiados no Brasil
Assassinado no último dia 24, no Rio de Janeiro, Moïse Kabagambe chegou ao Brasil em 2011, após fugir de uma guerra étnica civil no Congo
atualizado
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Congoleses, como Moïse Kabagambe (foto em destaque) – espancado até a morte em um quiosque na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, após cobrar diárias atrasadas –, são a terceira nacionalidade com o maior número de refugiados no Brasil.
Desde 2011, 1.073 pessoas chegaram ao Brasil após fugirem de conflitos entre comunidades, milícias e Forças Armadas da República Democrática do Congo (RDC).
O país da África subsaariana fica atrás apenas da Venezuela, com 46,4 mil refugiados reconhecidos no Brasil, e da Síria, com 3,6 refugiados. Os dados são do Ministério da Justiça e Segurança Pública e foram analisados pelo Metrópoles.
Encontrado morto no último dia 24, Moïse chegou ao Brasil em 2011, com 11 anos de idade. Ele e a família fugiram de uma guerra civil entre as etnias Hema e Lendu, no norte da República Democrática do Congo. O embate é conhecido como conflito de Ituri.
“Essas duas tribos, até hoje, são problemáticas. Nessa guerra, eles mataram a minha mãe, meus parentes, toda a minha família. Continuam até hoje, e todo dia há mortes”, conta Lotsove Lolo Lavy Ivone, mãe de Moïse, em entrevista ao jornal O Globo.
De acordo com dados mais recentes do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), agência da ONU para refugiados, cerca de 840 mil congoleses cruzaram as fronteiras do país em busca de refúgio.
O número de pessoas que se deslocaram para outros lugares do país por causa de conflitos internos aumentou 200 mil em 2020, de 5 milhões para 5,2 milhões.
“O Congo é o terceiro país do mundo com o maior número de deslocados internos. São pessoas que sofrem os mesmos problemas que um refugiado, mas permanecem dentro do país, ou seja, não cruzam uma fronteira internacional. Algumas têm medo de sair do país, outras não têm condições, recursos ou moram em regiões isoladas”, diz o porta-voz da Acnur no Brasil, Luiz Fernando, ao Metrópoles.
Leonardo Cavalcanti da Silva, coordenador do grupo de pesquisa do Laboratório de Estudos sobre Migrações Internacionais (Laemi) da Universidade de Brasília (UnB), explica que a questão da República Democrática do Congo é considerada como uma das mais complexas e desafiadoras situações do mundo.
“São conflitos que afetam várias partes do território congolês. E estão vulneráveis a todo tipo de violência – sexual, de gênero, contra crianças e mulheres”, frisa.
Os dados refletem a violência local. Dos congoleses que conseguiram se refugiar no Brasil nos últimos 10 anos, 230 (21%) são crianças, adolescentes e jovens de até 19 anos, e 418 (41%) são mulheres – taxa maior se comparada à média das outras nacionalidades de refugiados, em que 36,8% são do sexo feminino.
“Na República Democrática do Congo se vive em um conflito constante. As pessoas são mortas, as propriedades são saqueadas, quem tinha um negócio deixa de existir, escolas são destruídas. Ou seja, é uma violação dos direitos humanos que inclui mutilações físicas e assassinatos”, acrescenta Silva.
O especialista afirma que geralmente os congoleses procuram países vizinhos na África para se refugiarem, mas também chegam a atravessar o oceano graças a redes de contatos ou a familiares.
“Essa chegada ao Brasil se dá majoritariamente por vias área ou marítima”, complementa Luiz Fernando, da Acnur.
São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal são os principais destinos desses refugiados. Desde 2011, essas unidades federativas receberam, respectivamente, 522, 421 e 96 congoleses, de acordo com números oficiais.
“As pessoas que vêm do Congo têm desafios adicionais, pois precisam aprender um novo idioma, além de lidarem com as dinâmicas próprias do deslocamento forçado à população refugiada, como a integração, a inserção no mercado de trabalho, nas escolas, o acesso a serviços, como saúde e educação”, explica o porta-voz da agência da ONU para refugiados.
Silva destaca, contudo, a grande existência de casos positivos. Hortense Mbuyi, por exemplo, teve que deixar a RDC por causa de perseguição política. Mulher e mãe negra, ela se refugiou no Brasil e assumiu, em junho do ano passado, o posto de titular do Conselho Municipal de Imigrantes (CMI) da cidade de São Paulo.