Dinheiro obtido por doleiros: Odebrecht tinha “bunker da propina”
Sala comercial em prédio da Avenida Faria Lima, em São Paulo, armazenava notas de dinheiro para pagar políticos e seus operadores
atualizado
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Uma sala comercial no terceiro andar de um prédio na Avenida Faria Lima, principal corredor financeiro de São Paulo, serviu como “bunker” para armazenar notas de dinheiro obtidas por doleiros com lojistas chineses da região da 25 de Março para a Odebrecht pagar propina e caixa 2 a políticos e agentes públicos na capital paulista.
Planilha da transportadora de valores Transnacional, usada pela empreiteira no esquema, mostra que R$ 15,5 milhões foram coletados no endereço e levados até a sede da empresa, na Vila Jaguara, em 37 viagens feitas entre setembro de 2014 e maio de 2015. Nos dias seguintes às retiradas de dinheiro, os valores eram entregues por policiais militares à paisana aos intermediários dos políticos em residências, escritórios e quartos de hotéis.
Neste domingo, 21, o Estado revelou que a mesma planilha indica que ao menos 187 entregas de dinheiro programadas pela Odebrecht foram efetivadas pela Transnacional. Os pagamentos, cujas datas, valores e senhas coincidem com as que aparecem nas planilhas do doleiro Álvaro José Novis e da própria empreiteira, estão relacionados a 57 codinomes criados pelos ex-executivos da empresa para ocultar a identidade do beneficiário final da propina. O documento obtido pela reportagem está sob sigilo por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Na planilha, as retiradas de dinheiro no “bunker” da Faria Lima, cujos valores variavam de R$ 120 mil a R$ 1,2 milhão, eram feitas com uma pessoa chamada Walter. Investigações feitas pelo Ministério Público Federal do Rio descobriram que a sala comercial havia sido alugada pelos doleiros Cláudio Fernando Barboza, conhecido como “Tony”, e Vinícius Claret, o “Juca Bala”, presos em 2017 pela Lava Jato acusados de atuarem no esquema de lavagem de dinheiro do ex-governador Sérgio Cabral (MDB).
Após firmar acordo de delação premiada, a dupla relatou que alugou o espaço para armazenar o dinheiro que o doleiro chinês Wu Yu Sheng arrecadava com comerciantes da região da 25 de Março, maior centro de compras de São Paulo, para alimentar o esquema da Odebrecht ou para repatriação ilícita de dólares acumulados no exterior por outros clientes.
O chinês, que se mudou para Miami (EUA) após a deflagração da Lava Jato e ainda está foragido, foi apresentado pelos próprios executivos da Odebrecht à dupla de doleiros em 2010, em Montevidéu, no Uruguai, pela facilidade em conseguir dinheiro em espécie. Na prática, Sheng vendia para a empreiteira os reais arrecadados em espécie na 25 de Março e recebia o pagamento em dólares em contas bancárias em Hong Kong, por meio de transações feitas por offshores. Nas planilhas da Odebrecht ele era identificado com o codinome “Dragão”.
Tony e Juca Bala, por sua vez, tinham reconhecida estrutura logística de armazenamento e distribuição de dinheiro no Brasil. Segundo eles, a parceria com o chinês teve início em agosto de 2010 e movimentou cerca de US$ 210 milhões até 2016. As entregas do dinheiro arrecadado com os lojistas eram feitas por três funcionários de Sheng no “bunker” da Faria Lima e chegavam a R$ 1 milhão por dia no auge dos pagamentos de propina. Os valores eram recebidos por um funcionário dos doleiros chamado Walter Mesquita, o mesmo que depois entregava o dinheiro para a Transnacional.
Hotéis. Em depoimento ao Ministério Público, Mesquita disse que no início Sheng pedia que os recursos fossem recolhidos diretamente pela transportadora em um “bunker” mantido por ele na Rua Barata Ribeiro, região central, mas que, após sofrer um assalto, o chinês parou de ter endereço fixo e passou a fazer entregas em hotéis ou salas alugadas pelos doleiros.
Na planilha da Transnacional, o nome Walter aparece ainda ao lado de outros seis endereços de hotéis e flats nos bairros Itaim-Bibi e Jardins onde a transportadora recolheu mais R$ 8,9 milhões do esquema operado pelos doleiros Tony, Juca Bala e Sheng para a Odebrecht. Já as entregas do dinheiro eram programadas por Álvaro José Novis, segundo a investigação.
O documento da transportadora mostra ainda outros endereços de coleta de dinheiro com nomes diferentes de entregadores. Na lista há três sedes de empresas do setor têxtil nas regiões do Brás e da Barra Funda, uma empresa de cartões no Jardim Jaraguá e até uma casa na Vila Madalena.