Diesel caro e roubo de cargas crescente: caminhoneiros contam rotina
Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística aponta alta de casos, com perda de R$ 1,2 bilhão, mesmo com a pandemia
atualizado
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Além de lidarem com a alta no preço do diesel e a crise que o setor de transportes enfrenta no Brasil, caminhoneiros relatam preocupação com o roubo de cargas e sequestros na estradas.
De acordo com dados da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística), o número total de casos desse tipo passou de 14.150, em 2020, para 14.400, em 2021, o que representa crescimento de 1,7%. Somados os valores em dinheiro perdido em cada região do país, o prejuízo chega a R$ 1,27 bilhão. Embora a variação estatística seja pequena, a tendência de alta assusta a categoria.
Ameaça persistente para empresas e cadeias de suprimentos, as taxas de roubo de cargas, segundo levantamento feito pela prestadora de consultoria Control Risks, provavelmente seguirão subindo nos próximos meses.
Apesar do aumento do patrulhamento e dos esforços de inteligência da polícia, as empresas do setor de transporte rodoviário continuam dependendo de suas próprias medidas para evitar o roubo de cargas.
Em entrevista ao Metrópoles, o baiano Genivaldo Marques da Silva, de 46 anos, conta que a realidade da vida nas rodovias brasileiras é assustadora. Ele trabalha de 13 a 14 horas por dia, tem direito a apenas uma folga por mês e afirma viver diariamente com medo.
“Já me assaltaram duas vezes. Em uma delas, eu estava carregado de gasolina na favela de Heliópolis, em São Paulo, indo sentido Brasília. Aí, na saída da Marginal Pinheiros, os bandidos pegaram meu caminhão e me colocaram no porta-malas de um carro. Me levaram para um beco escuro da comunidade e me amarraram no chão”, conta.
Após ser espancado e ter algumas costelas quebradas, Genivaldo foi abandonado na beira da rodovia e teve o veículo levado. “Eles me bateram muito, me machuquei demais”, desabafa o caminhoneiro.
Motorista carreteiro há 27 anos, ele pede mais policiamento nas estradas e investimento em segurança. “Essas empresas de pedágio só querem ganhar dinheiro, não há segurança alguma, as câmeras são só para multar”, frisa.
“As empresas que operam as rodovias federais só pensam em lucrar, mas na hora que você precisa não aparece ninguém”, continua. “Hoje em dia, o caminheiro não tem onde pernoitar, os postos não aceitam: ou você abastece ou vai embora… É muito complicado pra gente.”
Quem compartilha dos anseios e das inseguranças de Genivaldo é a goiana Meirielen Oliveira, de 35. Ela trabalha com transporte de combustíveis, coleta álcool nas usinas e diesel nas refinarias, levando os produtos para distribuidoras em MG, GO, DF, SP e BA.
Conhecida como Meiri, a caminhoneira afirma que é preciso construir mais pontos de apoio ao motorista, com espaços adequados. “É muito comum escutar relatos de colegas que são roubados em pátios e postos de combustível, roubos de peças dos caminhões, principalmente pneus”, conta a profissional.
“Acredito que as câmeras de monitoramento deveriam ter a finalidade de dar mais segurança, e não só punir motoristas, como acontece atualmente nas rodovias”, desabafa.
Ela explica que procura se proteger dos criminosos se familiarizando com a rota, além de estacionar em locais que já conhece ou que são recomendados por colegas de profissão.
Proteção e policiamento nas estradas
De acordo com Mario Braga, analista sênior de risco político na Control Risks em São Paulo, medidas, como a contratação de empresas de segurança para o monitoramento ou escolta dos caminhões, podem mitigar os riscos relacionados ao roubo de cargas.
Além disso, o especialista recomenda mapear as rotas utilizadas, identificando pontos mais seguros para paradas de descanso e trechos em que intervalos devem ser evitados.
O analista destaca que compartilhar informações relevantes e oferecer treinamento aos motoristas (como evitar dar detalhes sobre a carga transportada em conversas em postos de gasolina ou paradas de descanso, por exemplo), também são medidas que reduzem os riscos enfrentados nas estradas.
“O roubo de carga tornou-se um negócio altamente especializado, que opera em todo o país. As associações criminosas envolvidas variam de gangues locais a grupos criminosos organizados – como traficantes de drogas e milícias –, que muitas vezes tentam se infiltrar nas cadeias de suprimentos”, afirma.
Segundo Mario, o fato de o país utilizar rodovias para transportar cerca de 60% de tudo o que é produzido e consumido é um indicativo do potencial de ganho que criminosos podem ter ao estabelecer como alvo mercadorias em trânsito.
Além da atratividade para gangues locais, organizações criminosas de porte nacional (como as ligadas ao tráfico de drogas) enxergam no roubo de cargas a possibilidade de diversificar suas fontes de receita e aumentar ganhos financeiros.
Tipos e regiões de roubos
Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo indicam que alimentos e cigarros responderam por cerca de 20% e 15%, respectivamente, do total de cargas roubadas em 2021. A preferência por esse tipo de material pode estar relacionada, entre outros fatores, à facilidade que os criminosos encontram para revendê-lo. Além disso, essa carga é mais difícil de ser rastreada, a exemplo do que ocorre com equipamentos tecnológicos.
De acordo com a NTC, o roubo geralmente acontece em pontos de descanso (postos de gasolina e lanchonetes) e à noite, quando as operações policiais são menos frequentes. A pesquisa aponta que o estado de São Paulo concentra aproximadamente 45% de todos os roubos de cargas nacionais, sendo a Região Sudeste a mais afetada pelo crime, com 11.932 ocorrências computadas.
Além disso, cargas de maior valor normalmente contam com esquemas de escolta e segurança patrimonial mais robustos, o que dificulta a ação de criminosos e acaba por efetivamente reduzir o volume roubado.
Os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (e em especial as regiões metropolitanas das duas cidades) são localidades críticas para esse tipo de crime, concentrando entre 80% e 90% do total de roubos de cargas registrados no país.