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Guerra santa: com casos recorrentes de ataques a terreiros, o Brasil experimenta o terror da intolerância religiosa

Apesar da garantia do livre exercício da fé assegurada na Constituição, crescem as agressões a religiões de matriz africana

atualizado

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É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Constituição Federal de 1988.

De acordo com relatório divulgado pela organização não governamental Comissão de Combate a Intolerância Religiosa (CCIR), de janeiro de 2011 a junho de 2015, o Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República recebeu 462 denúncias sobre discriminação religiosa. O mesmo documento constata que, só no estado do Rio de Janeiro, em dois anos e meio, foram registradas 948 queixas. As denúncias envolvendo intolerância contra religiões afro-brasileiras totalizaram 71% dos casos.

Apesar das subnotificações, Brasília e arredores também constam com casos de intolerância religiosa em relação a religiões de matriz africana. Os episódios mais graves aconteceram em setembro deste ano. Terreiros em Santo Antônio do Descoberto e em Águas Lindas, ambos no Entorno do DF, foram incendiados. Ninguém ficou ferido nos ataques, registrados nas delegacias das cidades, ainda sem desfecho judicial.

Ministério Público
Com Adna Santos de Araújo, a Mãe Baiana de Oyá, como coordenadora de Comunidades de Matriz Africana de Terreiros da Fundação Cultural Palmares, os casos têm sido atentamente acompanhados pela ialorixá nas instâncias governamentais. Os ataques do Entorno, por exemplo, foram levados diretamente para o Ministério Público.

Tata Ngunz'tala/ Arquivo Pessoal
Tata Francisco Ngunz’tala em frente ao templo

Tata (Pai) Francisco Ngunz’tala comanda o Nzo Jimona Dia Nzambi, terreiro de candomblé de nação Angola em Águas Lindas de Goiás. O religioso conta que a instituição nunca sofreu ataque direto, contudo, os filhos da casa foram atacados na rua por causa das vestimentas. “Quando veem a gente com nossas guias e nossos turbantes, gritam: ‘Jesus te ama!’. Como se a gente representasse o diabo ou algo do tipo. A imagem do diabo nem faz parte dos nossos conceitos teológicos”, argumenta Tata Ngunz’tala.

A resposta a esse tipo de situação costuma ser algo como: “Nossas entidades também te amam.” No entanto, ele destaca a importância da denúncia. “Hoje, politizamos o nosso povo e, se for necessário, vamos fazer ocorrências. É importante, pois gera estatísticas e são esses números que vão demonstrar, mais uma vez, que estamos sendo discriminados”.

Se o Estado inicia uma sessão solene em nome de um Deus branco e utiliza crucifixos em suas instituições, está dizendo que aquela religião que é a verdadeira. O Estado não está cumprindo o papel de apurar e punir as perseguições religiosas

Tata Francisco Ngunz'tala, religioso

Internet é escudo
Para Mãe Dora de Oyá, do terreiro de nação Ketu, Ilè Asé T’Ojú Labá, assim como o racismo, a intolerância religiosa sempre existiu. “Ela ficou mais nítida nos últimos anos porque muitas das pessoas que cometem essas perseguições estão atrás da tela, escudadas pela internet. E a nossa lei é fraca, o que dificulta tipificar os crimes”, destaca Mãe Dora de Oyá.

 Ilè Asé T’Ojú Labá/Divulgação
Projeto ABC Musical

 

O terreiro, localizado entre a divisa do Distrito Federal e do Jardim ABC (GO), é o local da sede do projeto ABC Musical, que ensina crianças de várias idades a tocar instrumentos. A iniciativa, voltada a todas as crianças da região, foi alvo de preconceitos. “Algumas mães que frequentam determinadas igrejas pentecostais, quando descobriram que o projeto estava num terreiro, tiraram seus filhos das aulas”, relata Mãe Dora de Oyá.

“Certa vez, um pastor veio na minha porta com um megafone e disse gritando que ali era a casa do demônio. Soltei meus cachorros em cima dele, que nunca mais voltou. Atitudes radicais pedem respostas radicais. Faltam fiscalização e uma lei mais dura para coibir os casos de intolerância”, aponta a ialorixá.

Casos recorrentes
Ricardo César, 41 anos, sentiu na pele a intolerância. Professor, diretor de teatro e pai de santo, Ricardo abriu há cinco anos o terreiro Ilé Asé Odé Einlé, em Águas Lindas. “Arrombaram as minhas portas, quebraram tudo, até os canos de água. São pessoas que duvidam da fé e cometem vandalismo”, relembra Ricardo, que fez denúncia formal à polícia.

“O prejuízo financeiro é grande, mas o espiritual é maior. Você se sente solitário na caminhada”

Ricardo César, pai de santo

Quando um terreiro é atacado, o coração de Ricardo também se dilacera. “Me fere e me agride. Senti muito pelo que aconteceu em Santo Antônio do Descoberto (foto no alto). Foram vários ataques seguidos. É possível que o terreiro se mude para outro estado”, lamenta.

“As religiões de matriz africana levam tempo para consolidar a parte espiritual em um determinado lugar. Os assentamentos de santos não brotam da noite do dia. Tudo demanda tempo e diferentes ciclos da natureza”, ensina Ricardo.

Este não é o primeiro caso de intolerância vivido pelo professor de artes da Secretaria de Educação. Em 2007, ao ser “dispensado” por uma nova chefia, soube que a atitude vinha atrelada a um forte preconceito religioso.

Assim que saí da sala, ela fez uma espécie de exorcismo para tirar o ‘diabo’ de onde eu estava.

Ricardo César

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