Desmatamento contribui para nuvens de poeira, como a do interior de SP
“Devemos esperar um aumento exponencial desse tipo de fenômeno”, diz o climatologista Carlos Nobre
atualizado
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Nuvens de poeira, como as registradas no interior de São Paulo e de Minas Gerais neste domingo (26/9), devem se tornar mais frequentes em função do desmatamento histórico do país e das mudanças climáticas globais, avaliam especialistas entrevistados pelo Metrópoles.
Raro no Brasil, esse tipo de fenômeno climático foi resultado do desmatamento acumulado, da seca histórica e do calor recorde, avalia o climatologista Carlos Nobre, que atuou no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) e no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
“Devemos esperar um aumento exponencial desse tipo de fenômeno. Temos que nos adaptar a isso”, afirma.
Comuns em regiões desérticas, tempestades de poeira tiveram condições para ocorrer no Brasil porque a vegetação desmatada dá espaço para que partículas do solo sejam arrastadas por fortes rajadas de vento. Neste domingo, ventos foram ocasionados pela formação de nuvens do tipo cumulonimbus, que geram rajadas intensas, explica Nobre.
Essa cobertura conjuntural de nuvens se somou à seca e ao calor intenso que essas regiões enfrentam, propiciando a formação do fenômeno.
“Com a mudança climática, esse tipo de nuvem cumulonimbus deve acontecer com mais frequência, porque depende do contraste entre frentes frias e ondas de calor. No Brasil, com desmatamento, estiagem e calor, o solo fica tão seco que partículas se soltam e o vento consegue elevá-las”, explicou o climatologista.
Como evidência da influência do desmatamento na formação dessas tempestades de poeira, especialistas ressaltam que as áreas afetadas neste domingo estão em regiões com grandes corredores agrícolas, em que vastas extensões de mata nativa foram derrubadas nas últimas décadas.
“Se você deixar o solo exposto, porque vai prepará-lo para plantio ou porque colheu e não restaurou a cobertura, ele vai ficar ainda mais exposto. Se tiver muito seco, a poeira vai ser levada por esse vento”, explica André Ferretti, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
Nobre prevê maior frequência dessas tempestades de poeira no Brasil mesmo se forem cumpridas as metas do Acordo de Paris, para só elevar em 1,5º C a temperatura média do planeta até 2030. Ferretti também projeta maior recorrência desses fenômenos climáticos.
“Para diminuir esse problema, a gente tinha que proteger mais os nossos solos, com vegetação nativa, tanto em áreas agrícolas quanto em áreas de pecuária. O solo exposto vai perder fertilidade e matéria orgânica, o que pode acabar agravando mais ainda as mudanças climáticas. Então, é um prejuízo para todo mundo”, avalia Ferretti.