Desempregados, pais de bebê transplantado abrem vaquinha: “É uma guerra”
Pais do pequeno Pedro Lucas, de 6 meses, ficaram desempregados durante rotina de internações do bebê, que precisa de cuidados constantes
atualizado
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Rio de Janeiro – O telefonema mais aguardado da vida da ascensorista Nilce Viana Assunção, de 32 anos, veio no dia 10 de setembro. Uma equipe do Programa Estadual de Transplantes do Estado do Rio de Janeiro (PET-Rio) localizou um doador compatível com seu filho, o pequeno Pedro Lucas, de 6 meses, em um hospital do Paraná. A mãe passou a noite em claro até que o coração chegou ao Instituto Nacional de Cardiologia (INC), em Laranjeiras, no Rio.
Transplante feito, vida nova para o pequeno Pedro, que tinha o coração aumentado, era alimentado por sonda e não conseguia manter o fluxo sanguíneo. Hoje, o pequeno toma mamadeira, ganha peso, faz fisioterapia, já consegue se sentar e vem se desenvolvendo a cada dia.
A história vitoriosa do menino seria completa se, após os meses de internação e muitas complicações durante a gestação, Nilce não tivesse sido demitida, assim como seu marido, o ajudante de depósito Wanderson de Souza da Silva, 24 anos.
Desempregado, o casal luta para manter a cabeça erguida e seguir em frente. “É uma guerra. Vamos ter que repor tudo o que compramos pra ele, que está há seis meses internado e ainda ficará em observação por um período incerto. Vamos precisar comprar remédios que ele deverá usar pela vida toda. E ele ainda possui algumas complicações pulmonares e é intolerante à lactose”, desabafa Nilce, que abriu uma vaquinha virtual, um financiamento coletivo para ajudar nas despesas.
A mãe do menino conta ainda que vem recebendo apoio psicológico no INC, onde Pedro segue internado. As crises de ansiedade e os momentos de desespero interferem em seu dia a dia. “Como uma mãe pode ficar bem com a notícia de que seu filho precisa de um transplante e que, para dar certo, a criança de outra mãe precisa morrer? Não existe estrutura para enfrentar esse drama. Hoje, após terem encontrado esse doador, só consigo sentir um amor imenso por essa família. Agradeço pelo resto da vida a essa mãe que viu seu filho falecer, mas não foi indiferente e aceitou a doação”, emociona-se Nilce.
A gestação
Pedro nasceu após uma gestação com várias intercorrências. Durante o pré-Natal, Nilce descobriu que sofria de diabetes gestacional e foi encaminhada para o tratamento no Hospital Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda. Acabou internada duas vezes, na primeira, por dois meses, e na segunda, por um mês. Quando Pedro nasceu, o diagnóstico de que o bebê sofria de insuficiência cardíaca se mostrou mais um baque.
“O cardiologista disse que ele tinha problema em uma das válvulas do coração, mas que ia tentar tratar com remédios. Mas, se não conseguisse, a chance era um transplante, porque o coração não conseguia bombear sangue suficiente para os órgãos. Nesse tempo, ele ficou sendo alimentado por sonda porque não podia ganhar muito peso. Ele surpreendeu os médicos em todos os momentos. É um bebê muito alegre. Eu lutei e luto muito por ele”, afirma a mãe.
Durante o pré-natal, Nilce precisou de afastamentos longos do trabalho e, mesmo após informar à empresa do diagnóstico da criança, não conseguiu acordo para acompanhar o filho após a licença-maternidade. O marido também foi demitido depois que o filho nasceu e precisou de cuidados constantes. Para pagar as três passagens necessárias para o deslocamento de Engenheiro Pedreira, em Japeri, na Baixada Fluminense, até Laranjeiras, na zona sul do Rio, contam com ajuda da avó do bebê.
“Sempre tive apoio da minha família, graças a Deus. Quando Pedro subiu para a cirurgia, eu estava ao lado dele. Pouco antes de entrar no centro cirúrgico, eu disse: ‘Filho, vai ficar tudo bem, eu estou aqui. Papai do Céu vai tomar conta de você’. Ele ficou sorrindo e balançando aqueles brinquedos dele. Importante agora é vê-lo crescer sem limitações”, torce.
O Programa Estadual de Transplantes
A história de Pedro é uma das mais vitoriosas páginas do próximo capítulo da área de transplantes no Rio de Janeiro, que vem ganhando novos investimentos e pretende, após as dificuldades vividas na pandemia, alcançar metas mais elevadas do que a dos últimos anos no estado. Perto do dia em que se comemora o Dia Nacional da Doação de Órgãos (27/9), as equipes da Secretaria de Estado de Saúde (SES) já podem comemorar resultados conquistados.
“No ranking dos estados que mais fazem transplantes no país, o Rio está atrás apenas do Paraná e de São Paulo. Vamos continuar investindo para avançar e melhorar ainda mais este cenário. Vamos credenciar centros transplantadores, estimular as universidades a realizarem transplantes e organizar todo o sistema para que possamos captar o maior número de órgãos possível”, afirma o secretário de Estado de Saúde, Alexandre Chieppe.
Em 2021, a SES disponibilizou um helicóptero exclusivo para o transporte dos órgãos, agilizando o tempo de captação. Após 15 anos, o estado do Rio volta a realizar transplante de pulmão com uma equipe treinada especialmente para esse procedimento. Com a medida, o estado é um dos três únicos do país a realizar a cirurgia.
O Hospital Estadual da Criança (HEC) é outro exemplo de excelência no setor. A unidade atende crianças e jovens de 0 a 19 anos e é especializada em transplantes renais pediátricos de baixo peso, que são as crianças que têm menos de 15 quilos. E no Hospital Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, foi feita, pela primeira vez na história do Rio, a captação de um intestino.
As vitoriosas equipes que trabalham com a doação de órgãos contam com as orações e a fé de Dona Nilce: “Eu coloco os nomes dos médicos embaixo dos meus santinhos para que sejam muito abençoados. Rezo por toda a equipe, os enfermeiros, a psicóloga que me atende, fisioterapeutas e pelo doutor Alexandre (Cauduro, diretor-geral do PET), que sempre conversou comigo, explicou tudo, inclusive foi muito verdadeiro sempre, acreditando que eu tinha direito de saber tudo. Eu sou muito agradecida a todos eles”, completa.