Desembargador proíbe PF de investigar cúpula da Funai de Bolsonaro
Ex-presidente e ex-vice-presidente da Funai chegaram a ser indiciados no caso Dom e Bruno, mas Judiciário travou a investigação
atualizado
Compartilhar notícia
Duas decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) impedem a Polícia Federal (PF) de continuar a investigação contra a cúpula da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), no caso do assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira.
A primeira decisão, do desembargador Ney Bello, é de 27 de novembro do ano passado e impede a continuidade da investigação contra o delegado da PF Marcelo Xavier, que foi presidente da Funai entre 2019 e 2022.
Já uma segunda decisão de 19 de dezembro de 2023, assinada pelo mesmo desembargador, veta a continuidade da investigação do ex-vice-presidente da Funai, o delegado aposentado Alcir Amaral. As duas decisões são provisórias.
Marcelo e Alcir chegaram a ser indiciados por homicídio com dolo eventual (assumir risco das mortes) no inquérito que apura os assassinatos de Dom e Bruno. As investigações sobre a responsabilidade dos dirigentes da Funai ainda estavam em andamento, mas foram paralisadas por causa das duas decisões monocráticas.
Suspensão das investigações
Para o desembargador Ney Bello, Marcelo e Alcir não podem ser responsabilizados pelos homicídios por conta da omissão quanto ao dever de proteção dos servidores e da falta de adoção de providências diante de denúncias.
“O simples dever genérico de proteção e de zelo pelo quadro de servidores de determinada fundação de direito público não pode servir de justa causa para responsabilizar criminalmente o seu gestor pelos dois crimes de homicídio”, escreveu o desembargador na decisão.
Usando o mesmo argumento nos casos de Marcelo e Alcir, Ney Bello determina a suspensão das investigações, em relação aos dois dirigentes da Funai.
Veja as decisões na íntegra:
Omissão
A investigação da PF seguia em sigilo e apontava omissão da direção da Funai diante das ameaças de morte e perigos vivenciados por servidores na região em que o crime aconteceu.
Um dos documentos anexados na investigação era a ata de uma reunião de outubro de 2019, um mês após o assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos, na mesma região em que Bruno e Dom foram mortos em 2022. O documento foi revelado pelo Globo em março do ano passado e confirmado pelo Metrópoles.
Segundo o texto da ata, durante a reunião, Alcir disse que as denúncias de ameaça dos servidores não tinham materialidade e que uma investigação sobre as ameaças não traria resultado. Para a PF, esse documento é um forte indício de dolo eventual.
As decisões do desembargador para suspensão das investigações foram tomadas em resposta a dois habeas corpus dos advogados de Marcelo e Alcir. Os casos devem passar por análise do colegiado com votação de três desembargadores. A previsão é que isso ocorra em fevereiro.
Além de Ney Bello, que é o relator, devem votar os desembargadores Maria do Carmo Cardoso e Wilson Alves de Souza.
Advogado defende decisão
Em nota ao Metrópoles, o advogado Bernardo Fenelon, que representa o ex-presidente da Funai, defendeu que a decisão do TRF-1 é incontestável e que o desembargador Ney Bello reverteu uma ilegalidade.
“A tentativa de investigar o delegado Marcelo Xavier surgiu sob o aspecto de dizer que à época, ele também, por ser presidente da Funai, teria alguma culpa por não ter tentado prevenir o crime. Conforme explicitamente apontado na decisão, o Ministério Público Federal, a Força Nacional de Segurança e a Polícia Federal estavam cientes dos problemas da região”, escreveu o advogado na nota.
Relembre o caso
Dom e Bruno foram assassinados em junho de 2022 na região do Vale do Javari, em Atalaia do Norte, município do Amazonas. Bruno era servidor da Funai e servia de guia do jornalista. Ele sofria ameaças por causa de sua atuação contra a pesca ilegal.
Segundo as investigações, o mandante do crime foi Rubem Dario da Silva Villar, o “Colômbia”. Além dele, três pessoas foram indiciadas e presas por homicídio e ocultação de cadáver. Um segurança particular da “Colômbia” foi preso em dezembro do ano passado.
A parte da investigação que não envolve os dirigentes da Funai continua. Os investigadores apuram mais ligações do grupo criminoso comandado por “Colômbia”.