Descriminalizar o porte de drogas não é liberar venda. Entenda o que julga o STF
STF retomou, nesta quarta-feira (2/8), julgamento que trata da possível descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal
atualizado
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Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) retomaram, nesta quarta-feira (2/8), o julgamento que trata da possível descriminalização do porte de drogas. A ação discute a constitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas.
Até o momento, três ministros são favoráveis a algum tipo de descriminalização da posse de drogas. Caso o plenário siga esse entendimento e considere o trecho inconstitucional, não serão liberadas as drogas no Brasil ou a venda de entorpecentes, nada disso. O que está em discussão na Corte é se o ato de adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo próprio é crime.
No caso em questão, um homem foi condenado pela Justiça de São Paulo a prestar dois meses de serviços à comunidade por portar três gramas de maconha para consumo próprio.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo questionou a tipificação penal para o porte em uso individual. Segundo os argumentos, o dispositivo ofende o princípio da intimidade e vida privada, previsto no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal. O órgão alegou ainda que não há lesividade na hipótese do porte de drogas para uso próprio, uma vez que tal conduta não afronta a saúde pública “mas apenas, e quando muito, a saúde do próprio usuário”.
O que está em julgamento
Caso o art. 28 da Lei de Drogas seja considerado inconstitucional, o porte ou a posse de drogas para consumo pessoal não serão mais considerados crimes. “Isso não significa que o tráfico, que é a venda ou o armazenamento para venda, deixem de ser crime. As atividades relacionados ao comércios de drogas continuarão a ser consideradas criminosas”, explica o doutor e mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Matheus Falivene.
Thaís Molina Pinheiro, especialista em Direito Penal e Direito Digital, pós-graduada em Processo Penal pela Universidade de Coimbra, completa que, hoje, o porte de drogas é crime, mas não tem uma pena de reclusão. No entanto, a lei não possui um critério objetivo para diferenciar o porte do tráfico de drogas. Ambos os crimes englobam as condutas “adquirir”, “trazer consigo” e “guardar” um entorpecente.
“Isso permite com que muitas pessoas sejam presas e processadas por tráfico quando pegas com pequenas quantidades de drogas. Descriminalizar o porte para uso pessoal, é impedir que essas pessoas sejam processadas. Por outro lado, descriminalizar as drogas seria impedir que qualquer pessoa seja processada por tráfico ou uso de drogas”, ressaltou.
O que o STF analisa é a inconstitucionalidade do uso individual e pessoal de drogas, cuja pena é de advertência, serviços comunitários e medida educativa de comparecimento a programa sobre o uso de entorpecentes.
Porte x tráfico
O caso tem repercussão geral, ou seja, a decisão do Supremo vai valer como parâmetro para todas as instâncias da Justiça. Ele traz à tona discussão importante sobre a distinção entre o porte e o tráfico. “Caso a lei seja derrubada, é possível que o porte de drogas para o consumo seja descriminalizado e que o STF estabeleça algum critério para diferenciar o porte do tráfico”, considera Thaís Molina Pinheiro.
Até o momento, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, foi o único a votar pela descriminalização do porte de qualquer droga, sem especificar quantidade, em razão do direito à intimidade e à inviolabilidade da vida pessoal do usuário.
Fachin sugeriu que seja descriminalizado apenas o porte de maconha. Luís Roberto Barroso também votou nesse sentido, e sugeriu que o Supremo determine que não é crime andar com até 25 gramas de maconha ou cultivar até seis plantas para consumo pessoal.
Para o advogado criminalista, Berlinque Cantelmo, embora a repercussão geral dada ao tema tenha se pautado pela análise de inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/2006 em caso concreto relacionado somente ao porte da maconha para uso próprio, houve ampliação interpretativa dada pelo ministro Gilmar Mendes ao propor a descriminalização do porte de todas as drogas para uso pessoal.
Para ele, a atual política criminal e de segurança pública adotada para coibir posse de drogas para uso próprio segue rito “altamente discricionário que induz discriminação, segregação e avaliações preliminares de polícia judiciária por vezes pautadas por juízo superficial tangentes a não discernir efetiva diferença entre o crime previsto no artigo 28 e o de tráfico de drogas, criando ambiente de repressão qualificada em situação que tem toda roupagem de saúde pública”.
Assim, o especialista também acredita haver a necessidade da criação de parâmetros que possam diferenciar um usuário de um traficante: “Torna-se fundamental adotar critérios ao limite de drogas que porventura poderão ser portadas para que o uso indistinto não sirva como chancela para o cometimento de outros crimes, sem prejuízo da comprovação para uso medicinal ou até mesmo sem infringir regra constitucional de proteção à vida privada e a autodeterminação”.
Julgamento
A ação do porte de drogas para consumo pessoal está parada desde 2015, quando o ministro Teori Zavascki pediu vista do processo. O magistrado morreu em um acidente aéreo em 2017. O ministro Alexandre de Moraes, que herdou seu lugar, liberou o processo para votação em novembro de 2018. O caso volta à pauta nesta quarta.
A porta-voz do Movimento Brasil Sem Drogas, Andreia Salles, avalia que o Brasil não está preparado para lidar com descriminalização.
“Quando o processo começou a ser votado no STF em 2015, o mundo vivia um boom de liberação do uso de maconha recreativa. Agora, oito anos depois, já podemos aprender com o que está acontecendo nesses países. O relatório da ONU publicado em março apontou que essas nações foram obrigados a lidar com um consumo mais elevado da droga, principalmente entre jovens e adolescentes, além de pessoas desenvolvendo perturbações psicóticas. O Brasil não está preparado para lidar com nada disso.”