Dermatologista se destaca no cuidado da pele negra e conquista famosos
Katleen Conceição virou referência na especialidade, enfrentou barreiras como o racismo e ajuda a formar futuros especialistas
atualizado
Compartilhar notícia
Rio de Janeiro – Aos 50 anos, Katleen da Cruz Conceição é referência no cuidado da pele negra, especialidade ainda pouco explorada na dermatologia do país. A médica, que também é negra, enfrentou barreiras em sua carreira, como o racismo, e virou queridinha de famosos a exemplo de Lázaro Ramos, Juliana Alves, Mumuzinho, Preta Gil e Hugo Gloss.
Ela atende na clínica do Grupo Paula Bellotti, no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro. Mesmo com o valor de R$ 900 por consulta, tem agenda disputada. Quando ela se formou, em 1997, a profissão abrigava poucas pessoas negras. Uma delas era seu pai, o também dermatologista João Paulo Conceição.
Katleen comemora ao perceber que esse cenário está mudando. “Se tenho 50 anos e médicas jovens negras têm 30, fico aliviada de ter inspirado estas mulheres”, afirma, em entrevista ao Metrópoles. “Eu me vejo como uma pessoa que ajuda outras a se sentirem empoderadas e capazes.”
Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), a profissional busca formar futuros especialistas em pele negra no programa de estágio supervisionado desenvolvido por ela no Instituto Rubem David Azulay, da Santa Casa de Misericórdia, no centro do Rio.
Celebridades e especialização
Casada e mãe de Duda, 15 anos, Katleen Conceição conta que ficou conhecida entre famosos após o ator Lázaro Ramos divulgar, em 2011, o trabalho dela na Rede Globo. A partir daí, outras estrelas começaram a procurá-la. Na ocasião, ela já atendia a atriz Juliana Alves e a deputada federal Benedita da Silva.
“Lázaro ia interpretar um arquiteto na novela Insensato Coração. Sempre muito generoso, começou a falar com todos. Aí vieram Isabel Fillardis, Cris Viana, Taís Araujo, Hugo Gloss, Fernando Torquatto, Preta Gil… Lazinho é uma benção na minha vida”, disse.
A médica decidiu se especializar em pele negra a partir de um episódio curioso, quando tinha um cargo temporário no Hospital do Exército, em 2003. “Virei professora e passei a atender pacientes brancos e negros, mas começaram a mandar muitos negros. Um dia, perguntei a um deles o porquê disso. Ele respondeu: ‘Doutora, porque eles dizem que a senhora deve saber mais sobre pele negra por ser negra’. Afirmou que eu era uma referência para as pessoas negras”, lembrou.
Ela resolveu ir estudar nos Estados Unidos e na Europa para se aprofundar no assunto. Lá, encontrou mais material. A médica apontou que, no ambiente universitário brasileiro, não teve acesso a bibliografias sobre a especialidade.
“Comecei a me aperfeiçoar, fazer laser em mim mesma, testar as frequências no meu marido, que é mestiço. Percebi que os equipamentos que chegam ao Brasil têm frequências muito altas, o que queima a pele negra”, explicou.
A dermatologista se tornou a primeira mentora brasileira do Skin Color Society, grupo americano de pesquisadores que estudam apenas pele negra e patologias associadas a ela.
Família e crescimento
Katleen Conceição vem de uma família gaúcha com boas condições financeiras. Aos 3 anos, mudou-se de Porto Alegre para o Rio por causa do pai, João Paulo, militar e dermatologista. Cresceu na zona sul e sempre estudou em colégios caros. “Fui criada com todo o mimo e luxo, mas tenho total noção sobre meu lugar de privilégio desde sempre”, afirmou.
“Nem todos os negros vêm de uma situação sofrida. Uso meus privilégios em benefício da população”, conta. Ela ressalta a realização de trabalhos sociais: atuou durante sete anos no Hospital Federal de Bonsucesso, na zona norte do Rio, e atende na Santa Casa pessoas com dificuldades para dar continuidade ao tratamento na clínica no Leblon.
Também comenta as críticas ao preço de sua consulta, de R$ 900. “Eu sou profissional, e é isso que é preciso se entender. Cobro este valor porque eu acho que sou capaz. Não é porque eu sou negra que vou cobrar menos”, rebate. “Enxergo que quem reclama da minha posição e do meu sucesso não se acha capaz de chegar onde cheguei. Mas todos somos. E aquele que não entende isso precisa fazer terapia, pois não posso mudar a cabeça e o coração de ninguém.”
Katleen coloca seu pai como uma de suas maiores inspirações. “Sempre fui encorajada por ele, que trazia dos Estados Unidos uma revista chamada Ebony, em que todos que apareciam eram negros. Sempre disse para ser quem sou, que podia tudo, que era linda e negra. Nunca proferiu uma fala negativa. Digo que ele criou Wakanda em mim em 1971, quando nasci”, declarou.