Demóstenes Torres, 9 anos após cassação: “Gente de todos os partidos me procura”
Ex-senador, ele diz ter se tornado “conselheiro” de políticos, critica Bolsonaro, enaltece decisão sobre Lula e foca em rotina como advogado
atualizado
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Goiânia – Afastado oficialmente da política desde que teve seu mandato cassado pelo Senado há quase nove anos, Demóstenes Lázaro Xavier Torres – ou, simplesmente, Demóstenes Torres – virou, segundo ele, um guru político, um conselheiro, longe de holofotes. Aos 60 anos, continua transitando, como advogado, discretamente, entre diversos partidos. É assediado de todos os lados.
“Virei uma espécie de conselheiro”, afirma. “Todo mundo me procura. Advogo, praticamente, para todos os partidos. Tem cliente do PT, PSOL, DEM, PSDB, entre outros”, conta, em entrevista exclusiva ao Metrópoles.
Além do atendimento jurídico em si, ele sempre conversa sobre política com os clientes. Troca ideias, aconselha.
Da sala de seu escritório de advocacia, no alto de um edifício no Jardim Goiás, região nobre de Goiânia, a cerca de cinco quilômetros de onde mora, no Setor Oeste, Demóstenes conta nunca ter sofrido “hostilidade” por causa do escândalo que desmoronou sua carreira política.
“Agora sou advogado, mudei de ramo. Perdi o gosto pela política [pelo menos pela disputa de mandatos], o povo não quer. Quando o povo não quer, tem espaço para outro. Não estou disposto a ficar tentando eternamente”, relata.
Em 2018, o homem conhecido pelo seu perfil diplomático entre os políticos, até tentou volta ao Congresso Nacional, após decisões favoráveis na Justiça, mas experimentou o gosto mais amargo das urnas: a derrota. Obteve menos de 1% dos votos na disputa para deputado federal por Goiás.
Em abril daquele ano, Demóstenes já havia sofrido derrota no Judiciário. Apesar de manter a candidatura dele a deputado, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou seu pedido de retorno ao mandato de senador, cassado, em 2012, por quebra de decoro parlamentar.
Autodefesa e Lava Jato
“Fui cassado mais pelas minhas virtudes do que pelos meus defeitos”, diz. Ele foi investigado nas Operações Vegas e Monte Carlo, por relação com o bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira. O STF, porém, considerou ilegais todas as provas das investigações após invalidar interceptações telefônicas, em 2016.
O ex-senador diz não ter mais contato com Carlinhos Cachoeira.
Aposentado após 32 anos como membro do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) – 24 deles como procurador de Justiça e 8 como promotor –, Demóstenes faz duras críticas aos seus colegas da antiga profissão que atuaram na Lava Jato.
“Houve conluio entre o [então] juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato”, assevera.
Ele enaltece a decisão do plenário do STF que confirmou, na última quinta-feira (15/4), a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu adversário político, no âmbito da operação.
Na avaliação do goiano, o Supremo “agiu muito bem, fez a coisa certa”. “Embora Lula tenha sido meu adversário político, o STF não tem de olhar para a capa de processo. Tem de analisá-lo, objetivamente”, defende.
Impeachment
Autodeclarado defensor de “mandato” e contra “impeachment”, Demóstenes não vê a destituição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do cargo como saída para a crise que assola o país e que foi agravada pela pandemia.
“Bolsonaro errou muito na questão da vacina [contra Covid]. É impetuoso, mas o povo o escolheu. Sou contra abreviar mandatos. Escolhemos Bolsonaro e temos que esperar concluir o mandato”, ressalta.
No entanto, ele reconhece que as polêmicas entre o Judiciário e o governo federal deixam a situação do país ainda mais delicada. Por isso, sugere, Bolsonaro “não pode perder a condição de governabilidade”.
Foi exatamente isso, na opinião de Demóstenes, que faltou à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), derrubada por impeachment em 2016. “Dilma caiu porque era uma anta política, não se relacionava com ninguém”, afirma.
O conselheiro dos políticos reforça que o motivo da retirada dela do cargo não foi pedalada fiscal. “Nunca”, diz. “Pedalada fiscal é coisa que todo mundo faz e vai continuar fazendo”, assevera.
Possível algoz
Embora seja cativante para muitos políticos, a ciranda de conselhos de Demóstenes não é apreciada por todos. Ele e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), por exemplo, são brigados, desde a cassação no Senado.
Questionado sobre a avaliação que faz do governo goiano, Demóstenes entende que a relação trincada com Caiado impede a resposta.
“Prefiro não opinar. Ele não tem relacionamento comigo, mas a animosidade é zero, pelo menos da minha parte”, diz. “Minhas portas estão abertas”, sinaliza para o democrata.
Sobre a crise que marca os primeiros meses do mandato do prefeito de Goiânia, Rogério Cruz (Republicanos), principalmente em razão de indicações de parentes de aliados para a prefeitura, o conselheiro adota um tom ameno.
“Tem que esperar um pouco para ver o que vai acontecer. Naturalmente, o eleitor votou para eleger Maguito Vilela (MDB), e acabou elegendo Rogério, que vai ficar aí por um bom tempo. Temos que dar crédito a ele para fazer administração”, afirma.
Cruz era vice de Maguito Vilela, que morreu, em janeiro, por complicações da Covid-19.
Vida pessoal e planos
Nascido em Anicuns, no centro de goiano, e de uma família de 13 irmãos, Demóstenes mora na capital há 57 anos. Formado pela antiga Universidade Católica de Goiás (UCG), hoje advoga, principalmente, junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF.
Em fevereiro deste ano, Demóstenes entregou, pessoalmente, para João Teixeira de Faria, o João de Deus, condenado a mais de 60 anos por crimes sexuais, uma decisão do STJ que trancou ação penal por falsidade ideológica envolvendo o caso do ex-médium.
Com a nova fase da vida marcada pelos compromissos com a advocacia, ele concilia o tempo com a família, principalmente com três filhos, uma enteada e uma neta, e diz que pretende abrir um escritório em Brasília, assim que passar a pandemia.
Aos poucos, tenta limpar as ruínas de uma trajetória de ascensão, quando se tornou conhecido nacionalmente, à derrocada do personagem diplomático e aberto ao diálogo, construído por ele mesmo, na história do Congresso Nacional.
Mesmo com discurso adepto à carreira de advogado, é certo que, no dia a dia, precisa lidar com uma máxima que marca a sua vida. Demóstenes pode até dizer que saiu da política, mas a política não saiu dele.