Demora em investigação justificou soltura de maníaco de Sorriso
Gilberto foi solto após matar jornalista sob a justificativa de lentidão no inquérito. Uma década depois, matou quatro da mesma família
atualizado
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Gilberto Rodrigues dos Anjos foi preso por matar um jornalista em Goiás, mas foi solto menos de cinco meses depois com a justificativa de que a investigação policial estava demorando muito para ser concluída. Cerca de uma década depois, ele estuprou e matou mulheres no Mato Grosso, sendo quatro das vítimas da mesma família, crime que chocou o país e teve muita repercussão.
Reportagens do Metrópoles publicadas nesta semana mostram que a cidade onde ocorreu essa chacina com crime sexual, Sorriso (MT), é o município do Brasil com mais registros de estupro e o quarto com mais assassinatos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Antes dos episódios mais recentes ligados ao histórico criminoso de Gilberto Anjos, o juiz Fábio Vinícius Gorni Borsato determinou a soltura dele em 11 de junho de 2014, na época preso preventivo, sob a justificativa de que após mais de 160 dias ainda não havia uma acusação formulada pelo Estado.
Por sua vez, o promotor Henrique Golin, que concordou com a soltura na ocasião, alegou em despacho de setembro de 2014 que o assassino só foi solto “em razão da falha do serviço policial”, que não concluiu a investigação dentro do prazo.
Já o delegado Julio Cesar Arana Vargas, em declaração de agosto daquele ano, justificou que a Polícia Civil não tinha uma equipe de agentes investigadores, o que pode ter atrasado o cumprimento de medidas da investigação.
Veja as falas de cada autoridade:
Primeiro crime
Antes de ficar conhecido em todo o país por ter assassinado quatro mulheres e meninas da mesma família em Sorriso (MT), Gilberto matou o jornalista Osni Mendes Araújo, de 50 anos, na cidade de Mineiros (GO).
O corpo de Osni foi encontrado com sinais de espancamento e asfixia, na beira de uma avenida do município, na manhã de 21 de dezembro de 2013. O carro dele, um Fiat Palio, havia sido roubado.
De acordo com inquérito policial a que a reportagem teve acesso, Gilberto foi preso cinco dias depois do crime, bebendo cerveja em um bar da cidade e usando o carro roubado do jornalista. Ele foi preso na mesma hora e confessou o crime.
O assassino apresentou à polícia uma versão controversa dos fatos, alegando que teria aceitado uma carona de Osni durante a madrugada, mas que se sentiu “revoltado” após o jornalista supostamente fazer uma proposta amorosa. Em resposta, Gilberto assassinou Osni com golpes na cabeça e o asfixiou usando a própria camiseta da vítima.
A vítima era um jornalista e radialista conhecido da cidade, dono de uma revista, e era de conhecimento público ser homosexual. Na época da investigação do crime, um dos policiais militares que realizou a prisão de Gilberto, o então sargento Bruno Rocha, afirmou que não identificou homofobia na motivação do crime.
Gilberto foi denunciado pelo Ministério Público por latrocínio em setembro de 2014, e mais tarde foi condenado. Mas já era tarde. Ele já tinha sido solto em maio e passou a ser um foragido, até ser localizado em novembro do ano passado por seus crimes bárbaros no Mato Grosso.
Chacina com estupro
Apesar de ter dois mandados de prisão em aberto — um em Goiás, pelo assassinato de um jornalista, e outro por estupro em Mato Grosso — Gilberto, agora com 32 anos, continuava em liberdade. Ele chegou a conseguir um emprego como pedreiro em uma obra na cidade de Sorriso (MT).
Na noite de 24 de novembro de 2023, Gilberto invadiu uma residência próxima a obra em que trabalhava e assassinou brutalmente Cleci Calvi Cardoso, de 46 anos, e suas três filhas: Miliane, de 19 anos, Manuela, de 13 anos, e Melissa, de 10 anos. As vítimas foram mortas a facadas e por asfixia. De acordo com a investigação policial, três das vítimas apresentavam sinais de estupro.
A investigação da Polícia Civil conseguiu confirmar a autoria do crime graças às marcas de chinelos de Gilberto, manchadas de sangue, que ficaram impressas no chão da residência das vítimas.
Durante o momento de sua prisão, em um depoimento informal à polícia, Gilberto confessou que estava drogado e que inicialmente tinha a intenção de roubar a residência. No entanto, ele acabou esfaqueando as moradoras e asfixiou a criança de 10 anos porque ela estava gritando muito. O pedreiro ficou conhecido como o Maníaco de Sorriso, está preso e vai a júri popular.
Repercussão
A chacina da família Calvi Cardoso, ocorrida em Sorriso (MT), tendo como autor Gilberto Anjos, gerou repercussões no Congresso Nacional, influenciando a criação de novas propostas legislativas. A deputada federal Silvye Alves (União Brasil – GO) apresentou um projeto de lei que visa instituir o Cadastro Nacional de Pessoa Condenada por Violência Contra a Mulher, citando o crime ocorrido na cidade de Sorriso como justificativa.
Além disso, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) já havia proposto uma lei que prevê o acesso público a informações sobre condenados por crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Neste ano, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) reformulou a proposta, nomeando-a como “Lei Meninas Calvi Cardoso”, em homenagem às vítimas da tragédia.
O Metrópoles entrou em contato com a Polícia Civil e o Ministério Público para comentarem sobre o caso, mas não houve um retorno até a publicação da matéria.
Em nota, o Tribunal de Justiça de Goiás esclareceu que, em conformidade com o artigo 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que garante a autonomia e independência funcional dos magistrados, não comenta decisões judiciais. A nota também ressalta que o meio recursal é o instrumento mais apropriado para contestar tais decisões.
A reportagem tenta localizar a defesa de Gilberto Rodrigues. O espaço segue aberto para esclarecimentos.