Demissão em massa de professores desampara famílias indígenas no AM
Servidores de São Paulo de Olivença (AM) foram exonerados pela prefeitura por irregularidades no certame; 325 profissionais pedem ajuda
atualizado
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Servidores da educação de São Paulo de Olivença, município na região oeste do Amazonas, foram surpreendidos na última semana com a notícia de que foram exonerados do cargo, a partir do mês de julho. Os 325 profissionais, a maioria indígenas, se viram cheios de contas para pagar, mas sem emprego e nem salário para garantir comida no prato.
A exoneração dos profissionais foi anunciada no Decreto Municipal nº 93/2022, publicado no Diário Oficial do estado de quinta-feira (28/6), sem qualquer aviso prévio aos dispensados. Na decisão, consta a informação de que o concurso público foi considerado ilegal pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), com base no acórdão nº 59/2 da corte.
O Metrópoles teve acesso à decisão do Tribunal, adotada em 9 de fevereiro de 2021, que define ilegalidade, negação de registro e multa à prefeitura pelo referido concurso, a partir da análise de admissão de pessoal pela prefeitura.
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas (Sinteam), o certame foi cancelado porque “a prefeitura não apresentou a documentação necessária para garantir a lisura do processo, ainda que o tribunal tivesse disponibilizado um período os esclarecimentos”.
Após a notícia, os profissionais exonerados marcharam por ruas até a praça principal da cidade, na quarta (29/6) e na sexta-feira (30/6), com o objetivo de pressionar a gestão municipal a dialogar com a categoria.
“Até o momento, eles têm se negado a conversar com a gente. Nós estamos tentando não só agora, mas desde quando iniciamos uma campanha salarial. Não tem diálogo. Por isso, nosso protesto é para que eles se sensibilizem”, explica, ao Metrópoles, a professora Ivete Tourinho, vice-presidente do Sinteam.
Concursados
O certame em questão foi realizado pelo Instituto Merkabah em 2015 e abriu 623 vagas, em nível fundamental, médio e superior; inclusive, com títulos exclusivos para professores indígenas (leia aqui o edital). Os candidatos concluíram as provas em 17 de maio de 2015 e foram nomeados em 2017.
De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas (Sinteam), a demissão em massa ocorreu sem aviso prévio.
“Fomos surpreendidos por uma decisão que causa um impacto muito grande na vida de todos os envolvidos. Perder o seu salário por um erro que não foi dos trabalhadores é realmente revoltante”, completa a vice-presidente do sindicato.
Benedito Lopes, de 39 anos, é um dos educadores indígenas, da etnia Kokama, que está na lista de exonerações da prefeitura. A esposa dele, Nelinaura, também foi dispensada do cargo de professora de ciências.
O casal tem três filhos na universidade, uma conta mensal de aluguel e os respectivos mestrados para arcar.
“A situação é desesperadora para nós, profissionais da educação. É uma covardia sem tamanho. Tem pessoas que dependem, exclusivamente, desse salário para viver. Tem gente passando mal, que não sabe o que fazer, que não dorme, desabafa Lopes.
Na visão dele, a questão foi tratada de forma “desumana” pela prefeitura. “As pessoas viram seu único meio de ganha-pão ir embora e estão cheios de contas, estavam se virando com aquele pouco e agora se viram sem esse pagamento”, conclui.
Assim como Benedito, outros servidores da educação que fazem parte das etnias indígenas Ticuna, Kokama, Kambeba, Caixana, com raízes na região, também foram afetados pelo decreto.
“É uma perda sem tamanho, o desespero bate nessas 325 famílias. Entendemos que decisão judicial se respeita. Mas estudei para passar neste concurso e poder ajudar meus filhos a construir o futuro deles. Agora, por irresponsabilidade de outros, pessoas inocentes podem pagar um preço alto”, completa.
Amparo judicial
De acordo com o advogado Neomar Filho, especialista em direito público e eleitoral, “no caso de irregularidades na tramitação de um processo licitatório, ou mesmo na realização de um concurso público, como foi o caso, é possível a intervenção da Corte de Contas em prol da correta aplicação de recursos públicos”.
“Ao que parece, foram identificadas graves ilegalidades no edital do concurso público que justificaram a decisão colegiada do TCE-AM pelo seu cancelamento, comprometendo a manutenção dos servidores públicos no exercício de suas funções”, elucida.
Com relação aos danos causados aos servidores exonerados, o especialista defende que, a partir da decisão do tribunal, a prefeitura municipal pode iniciar a contratação de pessoal de maneira emergencial.
“E, ato contínuo, realizar um outro concurso público, dessa vez em observância ao caráter pedagógico das deliberações do Tribunal de Contas, ou seja, sem reproduzir as irregularidades apontadas no julgamento”, ressalta.
“Os efeitos da decisão do TCE-AM merecem ser observados, não como punição aos servidores públicos que agora foram exonerados. Mas, sobretudo, na linha de que há fiscalização, também pelos tribunais de contas, dos atos considerados como ilegais da administração pública”, frisa Neomar Filho.
Em setembro de 2021, o sindicato enviou ao Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas um mandado de segurança com o objetivo de reverter a eventual exoneração. A relatora, juíza Onilza Abreu Gerth arquivou o pedido alegando que “esta não é a via adequada para questionamento da suposta ilegalidade do ato”, portanto, o pedido foi extinto sem análise do mérito.
A entidade entrou com recurso, que tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Reservas indígenas
O município São Paulo de Olivença, no oeste amazonense, está localizado na região Alto Rio Solimões, próximo às cidades de Tabatinga, Benjamin Constant e Atalaia do Norte — na fronteira com a Colômbia e o Peru. O território é conhecido por abrigar uma população extensa de povos indígenas e também sofre com avanço do garimpo, tráfico de drogas e da pesca ilegal.
Procurados pela reportagem, a Prefeitura Municipal de São Paulo de Olivença, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) não responderam até a publicação. O espaço segue aberto para manifestações.
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