Defesa de Lula acusa PF de forjar depoimento na Lava Jato
Esse depoimento, de acordo com os advogados do ex-presidente, teria sido citado pelo procurador Deltan Dallagnol
atualizado
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Em novos diálogos encaminhados nesta segunda-feira (22/2) ao Supremo Tribunal Federal (STF), a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que, durante as investigações da Operação Lava Jato, a Polícia Federal (PF) teria lavrado termo de depoimento de uma testemunha sem que ela tivesse sido ouvida.
Esse depoimento, de acordo com a defesa, teria sido citado pelo procurador Deltan Dallagnol em uma das conversas com o grupo da força-tarefa interceptadas ilegalmente e periciadas pela PF.
Os procuradores se referiam à delegada Erika Mialik Marena. Em um ponto da conversa, Dallagnol apontou, conforme a defesa, que ela teria entendido que o depoimento de uma testemunha era um pedido da força-tarefa e que teria lavrado um termo de depoimento, “como se tivesse ouvido o cara”.
Dallagnol teria demonstrado preocupação com a delegada. “A Erika pode sair muito queimada nessa. Pode dar falsidade contra ela. Isso que me preocupa”.
A delegada ficou conhecida pela atuação na Lava Jato, desde a criação da força-tarefa, até 2017, quando deixou o cargo para acompanhar o ex-juiz Sergio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Após a saída de Moro da pasta, ao alegar tentativas de interferências na PF por parte de Bolsonaro, a delegada foi exonerada do cargo de chefe do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, órgão vinculado ao MJ.
“Mensagens apontam a existência de termos de depoimentos de delatores que foram forjados, fabricados — de forma contumaz —, no intuito de atender a interesses da Lava Jato”, alegaram os advogados Cristiano Zanin, Valeska Teixeira Martins, maria de Lourdes Lopes e Eliakin Tatsuo dos Santos na petição.
Para a defesa de Lula, as conversas indicam “que membros da força-tarefa, incluindo o procurador-chefe, não apenas tiveram conhecimento da conduta ilegal e da sua reiteração em outros casos, como tentaram encontrar meios para escondê-la”.
“Atuação da força-tarefa, segundo as mensagens apreendidas pela Polícia Federal, se mostra incompatível com a função institucional do Ministério Público de realizar o controle externo da atividade policial (CF, art. 129, VII) e ao dever de agir quando tomar conhecimento da prática de ato que, em tese, pode configurar ilícito penal”, indicaram os advogados na petição.
Cooperação internacional
A petição faz parte de um conjunto de recursos que a defesa do ex-presidente tem enviado ao STF informando todos os passos das análises feitas sobre os áudios obtidos da Operação Spoofing.
Além do depoimento, a defesa defende a tese de que houve cooperação ilegal com agências estrangeiras, por meio do aplicativo Telegram e até de pen drives.
As colaborações ocorriam por fora dos canais oficiais, ignorando a competência do Ministério da Justiça para centralizar a colaboração brasileira com outros países, de acordo com os advogados.
Em 2015, o procurador Orlando Martello teria citado essa colaboração em uma conversa no grupo chamado Filhos de Januário. “Li o email de Mônaco, ainda, e é bem melhor do que havia achado… dá a entender que é possível regularizar [a cooperação] a posteriori… enfim, vamos nos falando e fique à vontade”, teria afirmado.
Dallagnol, por sua vez, não teria se colocado contrário à adoção desse metido. “Faz tpo [tempo] que não tenho vergonha na cara kkkk”. Na mesma ocasião, o então chefe da Lava Jato teria dito que havia recebido um email do ex-procurador suíço Stefan Lenz e que os dois trocaram informações pelo Telegram. “Não comenta com ninguém do e-mail com Stefan. Se vazar algo não mandaram…”, teria dito Dallagnol.
“Pen drive”
Em alguns casos, as informações de brasileiros e empresas nacionais supostamente eram encaminhadas a autoridades norte-americanas por pen drives, segundo teria demonstrado uma mensagem de Orlando Martello.
“Pessoal do RJ, na próxima semana Christopher do DOJ [Departamento de Justiça dos EUA] estará aí, certo? Quem de vcs [vocês] estará com ele, pois preciso encaminhar um pen drive para ser entregue a eles”, teria perguntado o procurador.
De acordo com a petição da defesa, as mensagens mostram que Dallagnol tinha consciência de que “os americanos quebram a empresa”, “mas, a despeito disso, deu continuidade às tratativas com as autoridades daquele país visando a aplicação de penalidades, sobretudo pelo FCPA (que confere jurisdição expandida àquele país) — fornecendo, para essa finalidade, até mesmo dados informais, a título de ‘informações de inteligência'”, ressaltaram os advogados.
O Metrópoles entrou em contato com a Polícia Federal mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem. O espaço continua aberto para manifestações.
O MPF no Paraná informou, por meio de nota que os procedimentos adotados pela força-tarefa sempre “seguiram a lei e estiveram embasados em fatos e provas”. Os procuradores apontam a ilegalidade das mensagens e acrescentaram que elas estão sendo apresentadas de forma descontextualizada.
“As supostas mensagens são fruto de atividade criminosa e não tiveram sua autenticidade aferida, sendo passíveis de edições e adulterações. Reafirmam os procuradores que não reconhecem as supostas mensagens, que foram editadas ou deturpadas para fazer falsas acusações que não têm base na realidade”.
“Depoimentos”
Leia a íntegra da petição enviada nesta segunda-feira ao STF:
Manifestação contra a Lava Jato por parte da defesa de Lula by Metropoles on Scribd
Fora de contexto
Mais tarde, em nova resposta apresentada ao Metrópoles, os procuradores informaram que os supostos diálogos citados pelos advogados do ex-presidente na petição se refeririam a depoimento específico prestado pelo empresário Fernando Moura, que foi preso pela Lava Jato em agosto de 2015.
Os procuradores contestam o entendimento apresentado pela defesa de Lula e apontam que os diálogos “foram apresentados absolutamente fora de contexto e omitem parte relevante da questão, deturpando a compreensão da realidade”.
“A análise mais ampla dos supostos diálogos apontam que se refeririam a depoimento específico prestado por Fernando Moura, que, após confessar seus crimes em acordo de colaboração premiada e depoimento perante a Polícia Federal, negou os fatos perante a Justiça Federal em depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2016.
“Naquela ocasião, ele questionou se de fato tinha feito as afirmações que constavam em seu termo colhido perante a Polícia Federal”, destacam os procuradores, que consideraram a preocupação natural diante das versões contraditórias apresentadas por Moura em momentos distintos.
Questionamentos e especulações
“Diante do teor das declarações do colaborador à Justiça, é natural que possa ter havido questionamentos e especulações, entre os procuradores, sobre terem havido todos os cuidados necessários na colheita do depoimento de Fernando Moura perante a Polícia, já que o teor dos depoimentos refletia o que havia sido dito por ocasião do acordo do colaborador. Isso mostra apenas preocupação com a absoluta correção formal e transparência dos procedimentos – que, se estivessem equivocados, o que jamais se constatou nas apurações que seguiram, precisariam ser corrigidos, com a adoção das providências pertinentes”, justificaram.
Os procuradores apontaram ainda que, após as supostas conversas, verificou-se que todos os depoimentos prestados por Fernando Moura foram feitos com a sua presença.
“Com efeito, a verificação dos fatos, em momento posterior ao das supostas conversas, demonstrou que todos os depoimentos do colaborador na Polícia Federal foram tomados com a sua presença acompanhada de seus advogados e que havia confirmado as informações que havia prestado em seu acordo de colaboração. Na época, o colaborador Fernando Moura estava preso e o seu deslocamento interno para o depoimento pode ser consultado junto aos registros da carceragem. Ou seja, não houve depoimento lavrado por advogado como se tivesse sido lavrado pela Polícia Federal”, narra a nota enviada ao Metrópoles.
Leia a íntegra da nota do Ministério Público do Paraná:
“1. Primeiro, é importante reafirmar que os procedimentos e atos da força-tarefa da Lava Jato sempre seguiram a lei e estiveram embasados em fatos e provas. As supostas mensagens são fruto de atividade criminosa e não tiveram sua autenticidade aferida, sendo passíveis de edições e adulterações. Reafirmam os procuradores que não reconhecem as supostas mensagens, que foram editadas ou deturpadas para fazer falsas acusações que não têm base na realidade.
2. Quanto à reportagem publicada na data de hoje (22/02/2021), ainda que os diálogos tivessem ocorrido da forma como apresentados – embora não se reconheça o seu conteúdo, seja pelo tempo, seja pela ordem em que são apresentados, seja pelo conteúdo –, foram apresentados absolutamente fora de contexto e omitem parte relevante da questão, deturpando a compreensão da realidade.
3. A análise mais ampla dos supostos diálogos apontam que se refeririam a depoimento específico prestado por Fernando Moura que, após confessar seus crimes em acordo de colaboração premiada e depoimento perante a Polícia Federal, negou os fatos perante a Justiça Federal em depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2016. Naquela ocasião, ele questionou se de fato tinha feito as afirmações que constavam em seu termo colhido perante a Polícia Federal.
4. Diante do teor das declarações do colaborador à Justiça, é natural que possa ter havido questionamentos e especulações, entre os procuradores, sobre terem havido todos os cuidados necessários na colheita do depoimento de Fernando Moura perante a Polícia, já que o teor dos depoimentos refletia o que havia sido dito por ocasião do acordo do colaborador. Isso mostra apenas preocupação com a absoluta correção formal e transparência dos procedimentos – que, se estivessem equivocados, o que jamais se constatou nas apurações que seguiram, precisariam ser corrigidos, com a adoção das providências pertinentes.
5. Com efeito, a verificação dos fatos, em momento posterior ao das supostas conversas, demonstrou que todos os depoimentos do colaborador na Polícia Federal foram tomados com a sua presença acompanhada de seus advogados e que havia confirmado as informações que havia prestado em seu acordo de colaboração. Na época, o colaborador Fernando Moura estava preso e o seu deslocamento interno para o depoimento pode ser consultado junto aos registros da carceragem. Ou seja, não houve depoimento lavrado por advogado como se tivesse sido lavrado pela Polícia Federal.
6. Além disso, o colaborador Fernando Moura, no dia 3 de fevereiro de 2016, em um novo depoimento perante o Ministério Público (clique aqui para assistir) e num segundo depoimento perante a Justiça Federal, reconheceu que havia mentido perante a Justiça na ocasião anterior, alegando ter sido ameaçado por alguém no dia anterior ao seu depoimento. Some-se que, nessa nova ocasião, ele confirmou as declarações que havia prestado no acordo de colaboração ao Ministério Público e no depoimento perante a Polícia Federal, dissipando as dúvidas que ele mesmo havia levantado e que podem ter levado aos questionamentos dos procuradores, caso as supostas mensagens tenham se verificado como apresentadas.
7. É importante esclarecer ainda que, em algumas negociações de acordos, inicialmente os colaboradores apresentaram autodeclarações sobre certos temas, prestadas perante seus próprios advogados. Na medida em que prestadas perante o defensor constituído, adotou-se a prática de recebê-las e os depoimentos eram confirmados em novas oitivas perante a autoridade policial ou perante o Ministério Público. Houve registro desses fatos nos próprios termos de depoimento (indicando se foram colhidos perante advogados ou perante a autoridade policial ou procuradores). Posteriormente, esses depoimentos foram refeitos seja perante a respectiva investigação, seja perante a ação penal, aproveitando-se o teor de declarações anteriores que podiam ser retificadas ou complementadas. Tais depoimentos foram em regra gravados. Esse mesmo procedimento foi adotado por delegados e procuradores de diferentes lugares e instâncias e igualmente perante várias instâncias da Justiça, de modo transparente, inclusive o STF. Não há qualquer irregularidade, mácula ou falsidade nessa conduta.
8. Os supostos diálogos, se tiverem ocorrido como apresentados, revelam ainda o receio de perseguições e retaliações administrativas por possível equívoco no modo como foi registrado o depoimento, mesmo que o conteúdo do depoimento estivesse absolutamente correto. Contudo, como se explicou, verificou-se em apuração posterior que a forma de coleta dos depoimentos também se deu de forma correta.
9. Se não houvesse parcialidade, seleção ou omissão de textos das supostas mensagens que constam no próprio material, esta explicação provavelmente estaria no próprio desenvolvimento dos supostos diálogos. Lamenta-se não ter sido previamente oportunizado o direito de resposta antes da publicação da primeira reportagem sobre o assunto, nesta data”.