Defensoria Pública do Rio reúne 1.250 relatos de tortura a presos
Estudo inédito traça o perfil da pessoa presa e agredida e aponta que a violência não afeta julgamento do réu
atualizado
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Rio de Janeiro – Estudo inédito da Defensoria Pública do Rio, divulgado nesta sexta-feira (17/9), traça o perfil de 1.250 pessoas presas submetidas a tortura e maus tratos. Em 477 casos, as agressões por policiais foram chutes, os socos aparecem em 438 registros.
Do número de homens detidos, 96% são pretos ou pardos, cerca de 80%, com idades entre 18 e 40 anos. A maioria não chegou ao ensino médio (71%) e foi agredida física ou psicologicamente no ato da prisão (85,6%), na maioria das vezes por policiais militares.
As medidas, administrativas ou judiciais, contra os agressores somam 227 pedidos de instauração de investigação; 185 pedidos de indenização e 155 representações por falta funcional (que cabe processo administrativo). Os relatos foram feitos ao Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Rio entre junho de 2019 e agosto de 2020.
Os dados estão no relatório que será divulgado nesta sexta-feira (17/9), às 14h, no evento “Pelo Fim da Tortura: o Impacto dos Relatos de Agressão nas Sentenças Criminais”, com transmissão pelo YouTube da Defensoria.
Nove em cada 10 vítimas alegam ser possível identificar os autores e 35% delas dizem ter sofrido lesões aparentes, apenas 20% decidiram adotar medidas administrativas ou judiciais contra o Estado e os agressores. Os números fazem parte do segundo relatório produzido pela Defensoria do Rio.
Processos criminais
O relatório também analisou os processos dos réus para saber como os relatos de violência foram apreciados. Houve menção de agressões em 378 ações analisadas, nas quais em 175, a resposta para a pergunta “Se houve agressões físicas/torturas, há lesão aparente?” foi sim, ou seja, 46,3% do total.
Desse universo, em 16 há menção da agressão na sentença (9,1%), sendo três de absolvição e 13 de condenação. Em cerca de 80% dos casos em que há lesão visível decorrente da agressão denunciada, o juiz a sequer menciona na sentença.
Até maio, 534 processos já tinham sido julgados em primeira instância, dos quais 467 resultaram em condenação total ou parcial – em 56% dos casos com base na Lei de Drogas.
O levantamento identifica ainda os casos em que os juízes utilizaram a Súmula 70 do Tribunal de Justiça para legitimar a palavra dos policiais, na ausência de testemunhas. A Súmula 70 é mencionada em 75% das condenações pela Lei de Drogas e em cerca de 15% das prisões por roubo.
“A partir da leitura dos termos de audiência de custódia e das sentenças, buscamos os casos em que há o registro do relato de agressão. Porém, o que se percebe é que esse relato vai desaparecendo ao longo do processo e acaba sendo considerado irrelevante para o julgamento, não sendo tomada nenhuma providência mais concreta”, explica a diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça, Carolina Haber, que coordenou o trabalho.
Conforme detalha um trecho do relatório, “foi verificado se, na fundamentação da sentença, o(a) juiz(a) considera o relato de agressão, tendo sido identificados 28 casos; porém, em praticamente todos, apenas para desqualificar a versão do(a) acusado(a) ou afirmar que o laudo não confirmou as agressões alegadas”.
“Observamos que as medidas adotadas pelos juízes da custódia diante dos relatos de agressão, identificando que, na maioria das vezes, ocorre o encaminhamento a outros órgãos responsáveis pela apuração das situações relatadas em audiência, como a Corregedoria da PM ou Promotoria de Investigação Penal junto à Auditoria Militar”, diz Haber.
As agressões sofridas, no entanto, não são consideradas para relaxar a prisão ou conceder a liberdade provisória. Segundo ela, “a audiência de custódia segue sendo uma importante conquista no controle dos casos de agressão e tortura, mas ainda é preciso avançar e reforçar os mecanismos que garantam que esse relato seja de fato investigado e considerado no julgamento do caso”.