Debate sobre aborto nos EUA influenciará mundo todo, diz pesquisadora
Jurista polonesa atuando como professora visitante no Brasil, Atina Krajewska acha que América Latina pode ser resistência a retrocessos
atualizado
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A Suprema Corte dos Estados Unidos, atualmente com maioria conservadora graças às indicações do ex-presidente Donald Trump, caminha para derrubar uma jurisprudência válida desde os anos 1970, que permite a interrupção voluntária da gravidez. A confirmação dessa decisão deverá ter impacto no debate sobre direitos reprodutivos no mundo inteiro, avalia a professora Atina Krajewska, que dá aulas na Faculdade de Direito da Universidade de Birmingham.
Para ela, que é pesquisadora do tema, a América Latina ocupa atualmente uma posição progressista nesse debate e poderá ser um “ponto crucial de resistência” a retrocessos que podem ocorrer em outras partes do mundo.
Krajewska, que passa uma temporada no Brasil como professora visitante no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília, enumera o afrouxamento de proibições em vários países latinos em anos recentes:
“A Argentina liberalizou a lei do aborto há alguns anos; a Colômbia também, via Tribunal Constitucional. No México, também, o Supremo Tribunal Federal decidiu que penalidades criminais para quem interromper a gravidez são inconstitucionais. No Chile, houve uma decisão judicial e o direito ao aborto está incluso na Constituição recém-feita”.
Para a pesquisadora, essa “onda verde [cor que passou a ser associada às manifestantes pró-direito ao aborto] envia um sinal importante ao mundo de que os direitos ao aborto estão sendo reconhecidos como tendo importância constitucional”.
“Portanto, a América do Sul pode ser um ponto crucial de resistência à reação observada em outras partes do mundo, por exemplo, na Polônia”, diz ela, que é polonesa, mas trabalha no Reino Unido.
A decisão nos EUA, porém, “fortalecerá o movimento antiaborto em outras partes do mundo” e mesmo em países latinos muito polarizados, como o Brasil, avalia Krajewska, que chama a atenção para o debate do papel dos poderes Legislativo e Judiciário nessa questão.
“Na história, tivemos tribunais ativistas maravilhosos, que realmente desenvolveram direitos reprodutivos progressivamente, como na Colômbia, no México, no Quênia…. Então nós, mulheres, as sociedades em geral, devemos muito aos tribunais ativistas. No entanto, há uma questão de saber se os tribunais são os órgãos certos para regular essas questões, ou se elas devem realmente ser regulamentadas por meio de um processo legislativo”, analisa ela, em entrevista ao Metrópoles.
Direitos reprodutivos como direitos humanos
Independentemente de quem decida, Atina Krajewska afirma que é preciso ver os direitos reprodutivos como base dos direitos humanos. “Eles são direitos humanos, então, não importa a legislação que aprovemos, eles devem ser protegidos da invasão da política conservadora. Na minha opinião, não podemos falar significativamente de democracia e Estado de Direito sem desenvolver uma proteção efetiva dos direitos reprodutivos”, afirma ela.
Sobre o poder de decisão
Em países que tornaram o aborto legal, como Colômbia e Argentina, a decisão final, cumpridas condições como um prazo máximo para a interrupção, é da mulher. Para Krajewska, é importante observar esse protagonismo feminino na elaboração e execução de políticas públicas referentes a direitos reprodutivos.
No Brasil, por exemplo, a mulher não tem o poder de decidir pela interrupção da gravidez, o que só pode acontecer legalmente em caso de risco de morte para a mãe ou para o filho, para gestações fruto de estupro e casos de anencefalia do feto.
“O direito ao aborto, como outros direitos reprodutivos, é um direito humano”, insiste ela. “O acesso dificultado ao aborto tem sido visto por diferentes órgãos de direitos humanos como uma violação do direito à privacidade, do direito à autonomia, da proibição de tratamentos desumanos e degradantes”, argumenta.
Para a pesquisadora, dizer que o aborto é uma questão de saúde pode ter consequências positivas e negativas. “O reconhecimento de que o aborto é uma questão inerente à saúde pode levar à reprodução das relações de poder desiguais e patriarcais e à manutenção do poder nas mãos das profissões médicas. Historicamente, em muitos países, mesmo quando as leis de aborto foram liberalizadas, o poder de decisão permaneceu nas mãos da classe médica. E há argumentos, argumentos poderosos, para dizer que realmente o aborto deveria ser uma decisão exclusiva da gestante”, conclui Krajewska.
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