De religioso a assassino: como agia o jovem que matou gamer a facadas
Jovem de 18 anos, que confessou ter matado a gamer Ingrid Sol, era tido como comportado e obediente à mãe. “Meu melhor amigo é Deus”, dizia
atualizado
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São Paulo – Uma semana antes de matar a facadas a gamer Ingrid Oliveira Bueno da Silva, de 19 anos, Guilherme Alves Costa, 18 anos, pediu à mãe autorização para receber uma amiga em casa. Considerado por pessoas próximas um bom rapaz e bem comportado, ele tinha o hábito de obedecer as regras da casa.
Na quarta-feira (24/2), por volta de 9h, a mãe de Guilherme abriu a porta de casa, em Pirituba, bairro da periferia de São Paulo, para Ingrid. A jovem, conhecida no universo gamer como Sol, era jogadora de nível profissional de Call of Duty Mobile.
Ela entrou, tomou café com Guilherme e a mãe dele. Comeram pão com manteiga e tomaram refrigerante. Logo em seguida, a mãe de Guilherme saiu para trabalhar como diarista. Os dois ficaram sozinhos até umas 10h30, quando um dos dois irmãos do rapaz entrou em casa para buscar sua bolsa para fazer entrega de marmitas.
O clima em casa era tranquilo. Os dois conversaram no quarto. Pouco mais de três horas depois, quando voltou em casa, o irmão de Guilherme tomou um susto. Encontrou a moça desmaiada e coberta de sangue no chão do quarto. Foi ele quem foi atrás de Guilherme e o convenceu a desistir do plano de cometer suicídio, e decidir se entregar a polícia.
A cena, transmitida pelo jovem nas redes sociais, chocou o país e surpreendeu toda a família do rapaz. Foi nesse momento que caiu uma das máscaras de Guilherme.
Metamorfose
Em um texto, chamado de “Meu Dicionário”, ele diz que vive uma vida dupla, “de forma muito forçada”, para que ninguém desconfie. “Viva entre máscaras, seja um metamorfo”, aconselha.
O desabafo nas 52 páginas foi mais um golpe na mãe e nos dois irmãos. Até aquele momento, Guilherme era a pessoa que apaziguava as brigas na família, conhecido pela incapacidade de reagir bruscamente às adversidades.
Era o tio preferido das sobrinhas. Cuidava das meninas, que eram seu “xodó”. Tímido, organizado e muito fechado, passava muito tempo jogando na internet, mas estava sempre à disposição para o que fosse preciso em casa.
Foi ele quem ajudou a mãe no período em que um de seus irmãos teve problemas com drogas. Ele também tentou ajudar o irmão, mas não teve jeito. Dois anos atrás, ocorreu uma tragédia. O rapaz teve uma overdose em casa e morreu na frente de Guilherme.
O episódio teria sido o gatilho para que o jovem perdesse a fé e se decepcionasse com a igreja. Antes de o irmão falecer, ele tinha até feito um curso de teologia de um ano. De lá para cá, ficou cada vez mais fechado, mas ainda dizia que seu melhor amigo era Deus.
A atitude também se choca com o que consta em seu texto. Para pessoas próximas a ele, parece que o “livro” foi escrito por outra pessoa. Afinal, ele esbanjava carinho pelo irmão que era viciado em cocaína, mas em seu texto diz que “a pessoa usuária de droga deveria ser exterminada desse planeta”.
Define a sua família como “totalmente desajeitada e sem noção da vida”. “São burros, hipócritas, ingênuos, e dificilmente consigo suportá-los.”
O abandono
Guilherme também se queixa de ter sido abandonado pelo pai. Algo que sua mãe só descobriu no dia do assassinato. Até então, ele nunca havia reclamado. Quando o pai dos irmãos ia buscá-los para passear, sempre o levava junto.
Há quem diga que é mentira que ele não tenha tido a presença de uma figura masculina em sua vida, como alega. “Algo que eu tenho ódio é um pai fazer um filho, e depois simplesmente abandoná-lo”, diz ele no “livro”.
Tanto a morte do irmão quanto o abandono do pai eram os principais assuntos sobre os quais ele se queixava para Sol. Essas vulnerabilidades, segundo relatos feitos à polícia, faziam com que a gamer quisesse ajudá-lo. Para a única pessoa que ela contou com detalhes que iria na casa de Guilherme, ela disse que o amigo precisava de ajuda.
O jovem dizia que a amava, que ela deveria ser dele. E insistiu na visita, mesmo depois de ela dizer que estava com suspeita de Covid. Nas trocas de mensagens, ela não corresponde da mesma maneira.
O caso
Para a delegada que registrou o caso, Aline Albuquerque, da 9º Delegacia da Mulher, em Pirituba, a troca de mensagens indica que o crime foi premeditado, com pelo menos duas semanas de antecedência.
Após o crime, o jovem confessou. Questionado pelo policial sobre o porquê do assassinato, ele respondeu que matou porque quis. “Eu quis fazer isso”, disse. Afirmou ainda que sua “sanidade mental tá completamente ‘apta'”. Na delegacia, ele disse que ela foi a vítima por ter atravessado seu caminho.
Mas há lacunas. A Justiça investiga se os dois tiveram algum tipo de relação sexual ou se ele dopou a jovem. O quarto, em que Sol foi morta a golpes de faca e espada, fica com a janela virada para a rua, mas nenhum vizinho ouviu gritos.
Ao Metrópoles, o advogado de Guilherme, William Andrade, argumenta que o jovem tem problemas de saúde mental. “Ele teve diversos tipos de problemas, desafios, tragédias e adversidades que a maioria dos brasileiros nunca experimentou”, sustenta.
Andrade ressalta que a Justiça pediu exame de insanidade mental para saber se o acusado possui alguma doença ou teve perturbação mental durante o crime.
“Com certeza tem algum transtorno que pode ter a ver com a motivação do crime”, diz o defensor.
Na sexta-feira (26/2), ao pedir o exame de insanidade, a Justiça tornou Guilherme réu no processo em que é acusado pela promotoria de homicídio qualificado por motivo fútil e meio cruel.
O jovem está preso preventivamente no CDP 3 (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista.