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De antiglobalismo a Sul Global: o que Lula mudou na diplomacia de Bolsonaro

Enquanto Bolsonaro era avesso a fóruns internacionais, Lula quer fortalecê-los e milita por mudanças na governança global

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Bolsonaro e Lula arte
1 de 1 Bolsonaro e Lula arte - Foto: Arte/Metrópoles

A política internacional é um dos pontos que mais diferenciam as gestões de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ex-ocupante do cargo adotou um discurso de fortalecimento da soberania nacional e resistência a fóruns multilaterais, enquanto o atual presidente tem procurado integrar mais o país a esses fóruns e pressionado por mudanças na governança global, com menos hegemonia de Estados Unidos e Europa.

Lula diz em seus discursos que não quer ser adversário das potências tradicionais, reunidas no G7, mas ser ouvido por elas em uma relação mais parelha. Como o Brasil, sozinho, não tem força para impor mudanças na relação de poder no mundo, o petista tem se esforçado no primeiro ano de seu atual governo para incluir o país em grupos maiores que tenha objetivos parecidos, como fez na Cúpula da Amazônia e ao celebrar a ampliação do bloco dos Brics com mais seis nações.

Bolsonaro mostrou menos vontade de integração multilateral ao longo de seu mandato. Ao invés de apostar em grupos geopolíticos, o ex-presidente e sua equipe preferiram investir em relações bilaterais fortes com países aliados, a maioria governados por chefes de Estado com o qual Bolsonaro tinha afeição ideológica, como Donald Trump, enquanto foi presidente dos EUA; Maurício Macri enquanto ele esteve à frente da Argentina; e Benjamin Netanyahu em Israel.

Em sua política diplomática, o ex-presidente não se importava em deixar público quando não gostava de algum chefe de Estado. Logo no primeiro ano de seu governo, em 2019, chamou de feia a esposa do presidente da França, Emmanuel Macron, que reclamou dizendo que o Brasil merecia um mandatário “que esteja à altura do cargo”.

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Lula e Joe Biden na Casa Branca
O ex-presidente Jair Bolsonaro com o ex-mandatário norte-americano, Donald Trump
Chefes de Estado dos Brics na África do Sul. Da esquerda para a direita: presidente Lula (Brasil), presidente Xi Jinping (China), presidente Cyril Ramaphosa (África do Sul), primeiro-ministro Narendra Modi (Índia) e ministro das Relações Exteriores Sergey Lavrov (Rússia)
Bolsonaro e Maurício Macri
Lula chega à África do Sul para Cúpula do Brics
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Bolsonaro e Trump em jantar nos Estados Unidos em março de 2020

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Lula e Joe Biden na Casa Branca

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O ex-presidente Jair Bolsonaro com o ex-mandatário norte-americano, Donald Trump

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Chefes de Estado dos Brics na África do Sul. Da esquerda para a direita: presidente Lula (Brasil), presidente Xi Jinping (China), presidente Cyril Ramaphosa (África do Sul), primeiro-ministro Narendra Modi (Índia) e ministro das Relações Exteriores Sergey Lavrov (Rússia)

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Bolsonaro e Maurício Macri

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Lula chega à África do Sul para Cúpula do Brics

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Lula e Emmanuel Macron

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Em julho de 2019, Bolsonaro levou a Santa Fé, na Argentina, o filho 04, Jair Renan Bolsonaro. A agenda do presidente na cidade era a Cúpula do Mercosul

Alan Santos/Presidência da República

A equipe montada pelo ex-presidente seguiu as diretrizes do chamado “antiglobalismo”. Em agosto de 2021, por exemplo, o ex-ministro da Economia Paulo Guedes disse na Comissão de Relações Exteriores do Senado que o Mercosul estava atrasando o Brasil na realização de acordos globais.

No ano anterior, o então chanceler Ernesto Araújo foi muito mais explícito na ofensiva diplomática ao denunciar um suposto “plano comunista e globalista” que estaria se aproveitando da pandemia de coronavírus para dominar o mundo. O ministro de Bolsonaro cunhou, na ocasião, a expressão “comunavírus”.

O ataque direto à China causou problemas ao Brasil nos anos seguintes, pois o país asiático se tornou a principal fonte de materiais médicos e um importante fornecedor de vacinas contra a Covid-19, mas as relações entre os dois países não se pacificaram nem quando Araújo foi demitido, em março de 2021, e a retórica antiglobalista foi muito reduzida na gestão bolsonarista.

Virada de chave

Aliado históricos dos chineses, Lula deixou para trás qualquer animosidade. O presidente do Brasil inclusive cedeu a pressão e aceitou a ampliação dos Brics que incluiu governos que podem incomodar potências ocidentais.

O petista, porém, nunca quis fechar portas com esses países, como o Irã, e tem buscado equilibrar sua retórica por uma nova governança global com a manutenção de relações estratégicas com a América do Norte e a Europa. Tanto que busca fechar definitivamente um acordo de livre comércio do Mercosul com a União Europeia – apesar de estar reclamando de novas exigências feitas pelo bloco europeu.

Discursos

Lula usa as mudanças climáticas — tema que não foi prioridade de Bolsonaro — como vitrine para a sua política de relações exteriores, tentando cobrar dos países ricos o financiamento para a descarbonização de economias das nações menos desenvolvidas.

É essa retórica, de união do chamado Sul Global, que o petista deve levar aos próximos grandes eventos diplomáticos do ano, a reunião do G20, em setembro, em Nova Delhi, e a Cúpula das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, a COP 29, em novembro, em Dubai. E Lula já articulou para a COP seguinte ser realizada no Brasil em 2025, no Pará.

“Nós éramos chamados de Terceiro Mundo. Depois, começaram a nos chamar de países em vias de desenvolvimento. E agora nós somos Sul Global. Veja a mudança de nome, que pomposo que é as pessoas dizendo que vão falar com o Sul Global”, disse Lula, semana passada, em entrevista na África do Sul. “E o que é importante nisso? O mundo está mudando. A economia começa a mudar, a geopolítica começa a mudar, coisas vão acontecendo e a gente vai ganhando consciência de que nós temos que nos organizar”, complementou ele.

Lula também tem embates

Apesar do estilo mais conciliador do que o de Bolsonaro, Lula não escapa de desacordos com outros chefes de Estado devido a seu comportamento nas relações exteriores. Curiosamente, os embates mais chamativos até agora foram com presidentes de seu campo político, a esquerda.

Em maio, Lula recebeu chefes de Estado sul-americanos em Brasília e afagou o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, chamando de “narrativas” as críticas à falta de democracia no país vizinho. O presidente do Chile, Gabriel Boric, não se conformou e disse, na frente do petista, que “é impossível fazer vista grossa para as violações de direitos humanos na Venezuela”.

O debate sem consenso entre os dois seguiu nas semanas seguintes, quando Lula chamou Boric de “apressado e sequioso”, mas o desentendimento não se transformou numa briga aberta.

Já em agosto, na Cúpula da Amazônia, Lula foi desafiado pelo presidente colombiano, Gustavo Petro, que também é de esquerda. Em tom assertivo, Petro reclamou, em sua participação na cúpula, em Belém, da resistência dos países vizinhos a se comprometerem com o fim da exploração dos combustíveis fósseis na região amazônica.

“Se na floresta se produz petróleo, se está matando a humanidade”, disse Petro, na presença de colegas que ele sabe que são favoráveis à exploração nas bacias da margem equatorial, como Lula e o presidente da Guiana, Irfaan Ali. “O que estamos fazendo além dos discursos?”, cobrou o colombiano.

Entenda os conceitos diplomáticos usados por Lula e Bolsonaro

  • Sul Global

O termo não destaca, necessariamente, referenciais geográficos. Ele engloba todos os países fora da hegemonia do Ocidente – as nações anteriormente chamadas de países em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia e África do Sul, por exemplo.

Ou seja, um conceito que aglomera países da América Latina, Ásia e África que, reunidos, buscam romper a ideia de que os países do Norte (América do Norte e Europa Ocidental) são o centro do mundo.

  • Nova governança mundial

O conceito representa a busca por organismos multilaterais mais equilibrados e inclusivos. Ou seja, uma reforma do contexto global marcado pela hegemonia dos Estados Unidos e da Europa Ocidental.

A proposta passa por uma medida amplamente defendida pelo presidente Lula: a reforma no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

O Brasil é membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU desde 1º/1/2022. Para encerrar conflitos ou auxiliar na recuperação pós-catástrofes, a instância pode ordenar operações militares internacionais, aplicar sanções e criar missões de paz. O Brasil já foi responsável por uma dessas missões, no Haiti, iniciada em 2004.

O órgão é atualmente composto por 15 membros com direito a voto, os cinco permanentes têm direito a veto. São eles: Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido. Os demais 10 assentos são distribuídos de acordo com a região.

  • Diplomacia presidencial 

O termo define a atividade diplomática exercida no mais alto nível: o de presidente da República. Ou seja, ela marca o momento em que o presidente da República empresta a notoriedade e representatividade do cargo para alguma pauta de política externa que considere fundamental.

  • Globalismo

O termo citado pelo chanceler Ernesto Araújo e emprestado da retórica do ex-presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, foi apropriado por políticos nacionalistas.

Ele tem sido usado por populistas para referenciar suposta falta de soberania nacional sobre temas particulares, como economia, migração e comércio.

Na prática, o que muda para o Brasil?

Estudioso da política da América Latina, o cientista político Julián Durazo-Herrmann, pesquisador e professor na Universidade do Quebéc em Montreal (UQAM), no Canadá, avalia que a diplomacia da gestão Bolsonaro deixou o Brasil mais isolado politicamente e que atores importantes na comunidade internacional aguardaram sua troca por Lula para fortalecer relações com o nosso país.

“Lula costuma dizer que ‘o Brasil voltou’ à cena do mundo, e efetivamente o país tem estado mais presente e ativo nos debates mundiais, promoveu a Cúpula da Amazônia para tratar de um assunto que interessa ao mundo todo e está se fazendo ouvir”, afirma ele, em entrevista ao Metrópoles.

Questionado sobre as consequências práticas dessa mudança diplomática, Durazo-Herrmann diz que é cedo para comparar um governo inteiro (de Bolsonaro) aos primeiros meses de Lula, mas que é preciso o governo brasileiro não se empolgar muito nas expectativas.

“Não é bom o governo Lula projetar que vai mudar de vez o lugar do Brasil no mundo e falar de igual para igual. O Brasil é, e deverá seguir sendo, uma potência regional com certa projeção internacional, mas não vai concorrer, em influência global, com as grandes potências, como EUA, como a própria China e mesmo com a França, para pegar um país de economia parecida”, analisa o pesquisador.

A mudança nos conceitos usados no discurso diplomático, porém, deve ser positiva para o Brasil, afirma ainda Durazo-Herrmann. “Quando você chama alguém de comunista, de globalista, acusa de querer roubar hegemonia, fica mais difícil manter um diálogo. Lula também está cobrando países grandes, mas usando uma linguagem menos agressiva, com conceitos como nova governança, que também são discutidos academicamente nos países ricos. Então, fica mais fácil conversar”, concluiu o pesquisador, que trabalha no Canadá, mas nasceu e viveu no México.

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