Crise no MEC: pastor teria pedido propina em dinheiro e em bíblias
Segundo depoimento de prefeitos que participaram de encontros com pastores investigados, propina era pedida em troca de verba
atualizado
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Dois prefeitos que tiveram encontros com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmaram em entrevista ao jornal O Globo, nesta quarta-feira (23/3), que o pastor Arilton Moura teria pedido propina para ajudá-los a conseguir verbas para a construção de escolas em seus municípios.
Segundo os prefeitos Kelton Pinheiro, de Bonfinópolis (GO), e José Manoel de Souza, de Boa Esperança do Sul (SP), os pedidos variaram de R$ 15 mil a R$ 40 mil, além da compra de bíblias.
Kelton Pinheiro conta que teve uma audiência com Ribeiro e outros 15 gestores municipais em 11 de março de 2021. No encontro, que consta na agenda oficial do governo, o ministro fez um discurso anticorrupção e deixou o local acompanhado por Arilton Moura e Gilmar Santos.
Santos também é pastor e preside a Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil e teve quatro encontros com Jair Bolsonaro (PL). Ele e Moura atuavam como assessores informais do Ministério da Educação, intermediando encontros entre Ribeiro e prefeitos.
Em áudios vazados, o ministro da Educação afirmou que o governo prioriza prefeituras assessoradas pelos dois líderes evangélicos a pedido de Bolsonaro. Desde a revelação das gravações, Ribeiro tem alegado que Bolsonaro apenas pediu para que os pastores fossem recebidos.
De acordo com Kelton, os dois pastores teriam retornado e chamado os prefeitos para um almoço. No restaurante, Arilton Moura perguntou a Kelton se ele teria algum pedido de melhorias para a sua cidade. O prefeito então teria respondido que o município precisava de mais uma escola.
“Disse que eu teria que dar R$ 15 mil para ele naquele dia para ele poder fazer a indicação. [Ele disse]: ‘Transfere para minha conta, é hoje (…) No Brasil, as coisas funcionam assim'”, conta Kelton.
O prefeito ainda conta que Moura teria feito um segundo pedido: “Que eu desse uma oferta para a igreja, comprasse bíblias para ajudar na construção da igreja (…) Seria uma venda casada. Eu teria que comprar essas bíblias, porque ele estava em campanha para arrecadar dinheiro para a construção da igreja.”
José Manoel de Souza, prefeito de Boa Esperança do Sul, São Paulo, também conta que participou de um encontro com o ministro. A reunião, em 13 de janeiro de 2021, teve a presença de 30 gestores municipais e consta da agenda oficial de Milton Ribeiro. Após a audiência, cada prefeito recebia uma senha e aguardava em uma sala para apresentar suas demandas a assessores.
Nessa reunião, Souza relembra que pretendia pedir verbas para ampliar uma escola e acabar com a terceirização de ônibus escolar. Depois, ele e outros prefeitos foram para um restaurante na companhia do pastor Arilton Moura.
“Eu o abordei e perguntei: ‘Senhor Arilton, como serão as liberações? Vai ser para todos os municípios?’ E ele falou: ‘Vamos ali fora…Eu vou ser bem sincero. Tem escolas profissionalizantes no seu município?’ Eu disse que não, porque a cidade é pequena, e a gente precisa aumentar creches e ônibus escolar. E ele falou: ‘Se você quiser, eu passo um papel agora, ligo para uma pessoa e as escolas profissionalizantes vão chegar ao seu município, mas, em contrapartida, você precisa depositar R$ 40 mil para ajudar a igreja. Uma mão lava a outra, né?'”, conta. “Eu bati nas costas dele e falei: ‘Obrigado, senhor Arilton, mas para mim não serve’.”
O ministro da Educação nega que houvesse um esquema de corrupção no pedido de verbas para o MEC e afirma que uma investigação sobre a atuação dos pastores foi pedida por ele à CGU em agosto de 2021. Em entrevista nesta quarta-feira (23/3), Ribeiro ainda disse que “não há nenhuma possibilidade” de “determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou estado”.