Cracolândia: internações involuntárias são higienistas, diz psiquiatra
Vice-presidente do Tortura Nunca Mais, Paulo César Sampaio critica a internação à força de 22 pessoas para tratamento de dependência química
atualizado
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São Paulo – A cidade de São Paulo realizou, desde abril, 22 internações involuntárias de dependentes químicos que estavam na Cracolândia. Eles foram levados sem seu próprio consentimento para tratamento após um familiar solicitar e autorizar a prefeitura a intervir.
“Os parentes solicitam ao poder público que esse paciente seja analisado pelo médico. Uma vez que o médico faz a análise e acha que é importante, se dá a internação involuntária”, afirmou o prefeito Ricardo Nunes.
Segundo Nunes, essas pessoas são encaminhadas para o Hospital Municipal da Bela Vista, no centro da capital paulista. “É referência para as pessoas que estão na rua e também para a desintoxicação. Essa internação ocorre por 90 dias”, disse.
Após esse período, o dependente químico continua o tratamento nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e no Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica (SIAT).
Permitido por lei
As internações involuntárias ocorrem desde junho de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei 13.840. Esse regulamento incluiu na Lei Antidrogas a modalidade de tratamento sem consentimento do paciente.
O encaminhamento também pode ser feito por um servidor público da área de saúde, assistência social ou órgãos ligados ao Sistema Nacional de Polícias Públicas Sobre Drogas (Sisnad).
“Medida higienista”
Apesar de ser prevista na legislação, a internação involuntária é criticada por movimentos antimanicomiais. O psiquiatra e vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Paulo César Sampaio, avalia a medida e a ação da prefeitura como um retrocesso.
“É um absurdo! Sempre fomos contra por causa do histórico de violência e exclusão. Você coloca o paciente separado e trata exclusivamente da doença. É uma medida de caráter higienista e manicomial”, afirmou Sampaio ao Metrópoles.
Passado
O médico acredita que é necessário um tratamento interdisciplinar com reuniões psicossociais, dentro do território do paciente, para cuidar do sujeito como um todo e não apenas da dependência química.
“Sempre foi usada e nunca deu resultado. Estão querendo retomar o que não deu certo. Essas clínicas psiquiátricas sempre foram usadas como organismos repressivos. Estamos voltando a um passado que queríamos esquecer”, disse o psiquiatra.
Para Sampaio, as internações involuntárias na Cracolândia mostram o que “a sociedade quer afastar” e isolar.
Risco de vida
De acordo com o vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, a internação é recomendada em casos emergenciais em que o paciente corre risco de vida.
A Prefeitura de São Paulo afirmou que exames apontam comprometimento de 50% do pulmão de mais da metade das pessoas atendidas no Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica, localizado na Rua Helvétia, região da Cracolândia.
“Metade do pulmão já não funciona mais, então esse paciente vai entrar no quadro de insuficiência respiratória muito em breve, correndo o risco de perder sua vida”, apontou o secretário municipal de Saúde, Luis Carlos Zamarco.
Investigação do Ministério Público
Em maio, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) instaurou inquérito para “apurar a regularidade das intervenções realizadas pela Prefeitura de São Paulo” na Cracolândia.
Segundo o MPSP, também são investigados e avaliados o fluxo adotado pela gestão municipal para para a internação, voluntária ou não, de pessoas dependentes e os tratamentos realizados nos locais de internação.
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