Cracolândia: “Durante 30 anos, polícia se omitiu”, diz especialista
Especialista em políticas públicas avalia positivamente prisões recente de traficantes, mas ressalta que investigações são tardias
atualizado
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São Paulo – A prisão recente de traficantes que atuavam na Cracolândia, na capital de São Paulo, é avaliada como uma iniciativa positiva, porém tardia, por Ariel de Castro Alves, especialista em políticas públicas de direitos humanos e segurança pública pela PUC-SP.
De acordo com Alves, também membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, as investigações são fundamentais, mas deveriam ter ocorrido há três décadas, quando surgiu a aglomeração de usuários e traficantes de drogas.
“Durante 30 anos, as polícias de São Paulo se omitiram, nós não sabemos se foi em razão da corrupção ou por outras razões, mas durante 30 anos esse trabalho de inteligência para combater o tráfico não foi devidamente realizado”, disse.
A falta dessa atuação das polícias acabou contribuindo para que a Cracolândia fosse vista como uma área livre para consumo e tráfico de drogas, o que também resultou no aumento de usuários no local, na opinião do especialista.
“Agora nós temos iniciativas da Polícia Civil para o combate ao tráfico com prisões de traficantes, com escutas, vídeos, fotos de identificação dos traficantes que abastecem a Cracolândia, e de fato esse trabalho é uma forma de diminuir o tráfico”, avaliou.
Alves ressaltou que é necessário que haja continuidade nas prisões e apreensões para resultados a longo prazo.
“A partir do momento em que não tiver chegando drogas, é possível que esses usuários, dependentes, deixem de frequentar o local, procurem tratamentos e busquem reconciliar os seus vínculos familiares”, afirmou.
Repressão
Por outro lado, o especialista criticou as ações “puramente repressivas” da Guarda Municipal e da Polícia Militar para expulsar os dependentes químicos da região.
“Essas ações geram uma dispersão momentânea de usuários e depois eles se juntam de novo, então nunca resolveram o problema – até geraram uma aumento de pessoas no local”, analisou.
Para Alves, essas expulsões fizeram com que os dependentes migrassem para outros locais, como Glicério, Praça da República, Praça da Sé, Largo São Bento e Anhangabaú. Ainda surgiram aglomerações de traficantes e dependentes em bairros fora da zona central.
“Essa higienização social em conjunto com o aparato de limpeza urbana da prefeitura ampliou o problema e criou várias mini-cracolândias, que vão aumentando. Essas ações não resolvem a situação e até ampliam toda essa problemática”, avaliou.
Falta de continuidade
Na análise do especialista, as “ações de limpeza social” deveriam ser substituídas pelo investimento em um centro de triagem e outras iniciativas de assistência social que já existiram no passado.
“Já tivemos centro de triagem e encaminhamento que foram infelizmente fechados, abandonados pela prefeitura e pelo Estado”, lamentou.
Entre as interrupções, ele mencionou o Complexo Prates, que funcionou de 2012 a 2015, e a tenda do Programa Braços Abertos, que operou de 2013 a 2018.
“Os usuários procuravam como porta de entrada para serem encaminhados para centros de tratamentos de drogadição, clínicas e residências terapêuticas ou para inclusão no Programa Braços Abertos”, contou.
Além do tratamento à dependência química, a iniciativa Braços Abertos oferecia aluguel social em pensões e hotéis de baixo custo no centro de São Paulo e oficinas profissionalizantes.
“Esses programas sociais infelizmente foram desativados em 2018, então nós de fato tivemos um grande retrocesso na atuação social de saúde pública na região”, afirmou.
Poupatempo social e da saúde
O advogado defendeu a criação de um “Poupatempo social e da saúde” para encaminhar os dependentes químicos para os tratamentos médicos e psiquiátricos, providenciar documentos e promover o contato com familiares.
“Muitas vezes, as pessoas estão procurando os familiares na Cracolândia e não têm aonde irem, não têm um centro de atendimento da prefeitura. Os vínculos e o apoio familiar são essenciais para a adesão aos tratamentos”, explicou.
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