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CPI das Milícias: grupos ainda faturam com vans, gás e TV a cabo

Dez anos após conclusão de apuração na Alerj, criminosos diversificaram as fontes de receita e lucro, e seguem aterrorizando cariocas

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Policiais armados
1 de 1 Policiais armados - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Há quase 10 anos, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as ações das milícias no Estado do Rio de Janeiro apontou que esses grupos criminosos sustentavam-se financeiramente graças a um tripé: exploração de serviços de transporte, como vans; venda de gás de cozinha; e desvio e revenda de sinais de TV por assinatura e internet (página 112).

Esses seriam elementos fundamentais da engrenagem financeira que ainda contava com outras nove atividades econômicas. Por conta disso, o relatório final da CPI reuniu dezenas de propostas que buscavam melhorar a fiscalização e enfraquecer a ação dos grupos de milicianos no tripé que os mantinha.

De lá para cá, os criminosos diversificaram suas fontes de receita e lucro (veja aqui aqui). E pouco foi efetivamente feito para combater o tripé gás, TV a cabo e transporte irregular. Veja que fim levaram algumas das propostas feitas pela CPI das Milícias.

ALESSANDRO BUZAS/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

 

“Legalização do transporte alternativo municipal pela prefeitura do Rio de Janeiro, com a devida normatização, cadastro, controle e fiscalização, mediante permissões de caráter individual.”
Resumo da proposta 37 do relatório da CPI das Milícias, elaborado em 2008texto do relatório final da CPI é taxativo na página 112: “o transporte alternativo no município do Rio de Janeiro, quase 15 anos após o seu surgimento, é terra sem lei”. Segundo a comissão, a milícia tinha tomado conta de grande parte das cooperativas que atuavam no setor, e os órgãos de fiscalização e regularização do serviço “simplesmente não se entendiam quanto aos números do transporte alternativo”.

Dez anos depois, apesar de mudanças na legislação, os grupos de milicianos seguem se beneficiando do transporte complementar irregular. Uma investigação do Ministério Público revelada pela TV Globo em janeiro de 2018 mostrou que as milícias faturam em torno de R$ 27 milhões por mês com a circulação de vans na zona oeste do Rio. O dinheiro vem do pagamento que os motoristas são obrigados a fazer às milícias para poder circular em alguns trajetos.

A regulamentação da circulação de vans na cidade do Rio é responsabilidade da Coordenadoria Especial de Transporte Complementar (CETC), criada em 2012 pelo então prefeito Eduardo Paes (ex-MDB, hoje no DEM). Um dos objetivos da coordenadoria era fazer novas licitações para o que se chamou de Serviço de Transporte Público Local (SPTL).

Alguns processos licitatórios foram, de fato, realizados. Mas eles atingiram somente parte das linhas que circulam pela cidade. Segundo a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR), atualmente, 2.279 vans licitadas circulam no Rio. Não há estimativa oficial do total de veículos. Portanto, não é possível dizer quanto isso representa na totalidade das vans que operam na cidade.

Hoje, não há licitação aberta para o serviço em território carioca. A SMTR diz que pretende retomar uma que foi suspensa pela Justiça em 2016. Desde então, nenhuma concorrência foi realizada.

Já a fiscalização das vans, que também foi citada no relatório da CPI, é, desde março de 2018, uma responsabilidade da Coordenadoria Técnica de Fiscalização. Criada pelo atual prefeito, Marcelo Crivella (PRB), o órgão está subordinado à Secretaria de Transportes Rodoviários e atua na fiscalização de todos os modais de transporte presentes na cidade.

Segundo a SMTR, a fiscalização foi integrada para “otimizar as ações”. No início de maio, uma reportagem do G1 mostrou que o primeiro ano da gestão Crivella foi o que teve o menor número de vans irregulares removidas desde 2013. A secretaria informou que, desde 2017, removeu 173 vans irregulares de circulação e autuou outras 2.998 por irregularidades.

 

PEDRO VENTURA/AGÊNCIA BRASÍLIA

 

“Estabelecer, mediante convênio com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), ao Corpo de Bombeiros a competência para fiscalizar as revendedoras de gás”
Resumo da proposta 39 do relatório da CPI das Milícias, elaborado em 2008Agência Nacional do Petróleo não firmou convênio com nenhum outro órgão para a fiscalização de revendedoras de gás de cozinha, como foi sugerido pela CPI. Em nota, a agência diz que “(a) fiscalização segue planejamento com base em critérios objetivos de indícios de irregularidades sobre as quais a ANP possui atribuição e habilidade técnica para atuar”. Bombeiros, prefeituras, Inmetro e Procon atuam apenas ocasionalmente, sempre em parceria, segundo a ANP.

Em 2008, o relatório da CPI das Milícias indicou que a dificuldade de fiscalizar a revenda de gás facilitava a exploração econômica do serviço pelos grupos paramilitares. De acordo com depoimento (página 117) de representante da ANP, naquele ano existiam 1.415 revendedores credenciados e só seis fiscais em todo o estado. Por isso, foi feita a sugestão de convênio com o Corpo de Bombeiros, mas não ocorreu.

Hoje, são 1.972 revendedores de gás de cozinha no RJ (veja aqui a lista completa) e, segundo a ANP, “não há fiscais exclusivos” para o estado. A agência também disse que o número de fiscais citado no relatório – seis, em 2008 – “não corresponde” à realidade da época.

A ANP também não seguiu a proposta da CPI (página 271) para a criação de um sistema de controle para os botijões de gás com código de barras, com identificação do número do lote e da unidade. A agência afirma que os botijões são identificados “quanto à vida útil e a empresa distribuidora” e que devem ser vendidos com nota fiscal, conforme a legislação.

Um dos objetivos da comissão ao propor o código de barras era identificar e facilitar a denúncia da venda de produtos oriundos de roubos de cargas, por exemplo. O fato foi relatado em depoimentos à comissão (página 117), assim como a prática de extorsão – moradores eram obrigados a comprar em um único lugar e pagar muito mais pelo gás do que o preço praticado em áreas não controladas pela milícia.

O Corpo de Bombeiros do RJ informou que não tem convênios com a ANP para a fiscalização da distribuição de gás. Mas lembrou que cabe à corporação a emissão de documentos necessários para que um revendedor seja credenciado.

 

IStock

“Visando maior controle e fiscalização, sugerir à Anatel e às operadoras de TV por assinatura o fornecimento de serviços com preços populares, direto para cada residência”
Resumo da proposta 52 do relatório da CPI das Milícias, elaborado em 2008De acordo com o relatório da CPI (página 123), em 2008, os grupos paramilitares chegaram a faturar mais de R$ 1 milhão com a comercialização do sinal irregular de TVs por assinatura. Dez anos depois, nem as principais empresas do setor nem a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que regulamenta o serviço, tem respostas sobre a ação sugerida pela comissão ou sobre como fiscalizam o desvio de sinal, uma das fontes de renda da milícia.

Segundo a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), em 2015, 4,5 milhões de lares no Brasil usavam o sinal de TV por assinatura de forma clandestina. O número estaria em queda, de acordo com a associação, e teria chegado a 3,2 milhões de lares em 2016. Não há dados específicos para o Rio de Janeiro.

Em nota, a Anatel disse apenas que tem agentes que atuam em todo o Brasil no combate à pirataria, com “ações de combate à fabricação, venda e uso de equipamentos e produtos de telecomunicações não homologados”. A agência não explicou se faz algum tipo de ação específica para combater ligações clandestinas.

A Lupa procurou cinco das principais empresas de TV por assinatura que atuam no RJ para saber se elas oferecerem pacotes específicos para comunidades de baixa renda e se produzem relatórios sobre a exploração irregular do serviço. Oi TV e Vivo TV disseram que não comentariam.

Em nota, a Sky respondeu que “possui produtos e serviços adequados aos diversos perfis de público, seja com opções completas de conteúdo e equipamento ou com a modalidade pré-paga”. A empresa também disse que “não possui nenhum relatório sobre a exploração irregular e o desvio do serviço”, mas que “possui uma área dedicada a monitorar e combater a pirataria”.

A NET sugeriu que a reportagem contatasse a ABTA, que indicou apenas a quantidade de lares com acesso clandestino à TV por assinatura no país. A Lupa também tentou contato telefônico com a Claro TV, mas não obteve sucesso.

Com reportagem de Chico Marés e Leandro Resende

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