Covid: no Twitter, negacionistas são menos numerosos, mas têm maior engajamento
O tempo médio de “vida” dos links negacionistas em circulação é, em média, 150% maior do que os combativos
atualizado
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Os perfis no Twitter que negam a gravidade da Covid-19, atacam medidas de isolamento social e promovem “tratamento precoce” sem comprovação de eficácia não são os mais numerosos na plataforma, mas são os que alcançam mais engajamento e sobrevivem por mais tempo.
A vitória do negacionismo no embate virtual foi apurada em um amplo estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgado nesta quarta-feira (4/8).
A pesquisa “(Pseudo)ciência e esfera pública” mostra que, apesar de atacarem e rejeitarem a ciência institucional, os perfis do campo da direita conservadora usam discurso com termos “importados” do vocabulário científico como ferramenta para defender o tratamento precoce, por exemplo.
“Esse segmento recorre a argumentos pretensamente científicos para validar e defender tratamentos e medicamentos refutados reiteradamente pela comunidade científica”, conclui o estudo. “A presença expressiva de canais de mídia hiperpartidarizada — frequentemente apontados como responsáveis pela circulação de conteúdos enganosos — reforça a ênfase na disputa política em torno da temática.”
Os pesquisadores recolheram na rede social do passarinho mais de 3,3 milhões de posts de perfis brasileiros que reivindicaram algum tipo de status científico para trazer argumentos sobre a Covid-19. A coleta foi feita entre janeiro e maio de 2021, quando já havia consenso na ciência institucionalizada sobre a falta de eficácia de medicamentos como a cloroquina no combate à doença.
A análise das portagens permitiu a divisão delas em quatro grandes grupos temáticos: usuários identificados com a direita conservadora; os profissionais de saúde, cientistas e autoridades sanitárias; os perfis de esquerda; e, por fim, grupo formado por epidemiologistas, jornalistas e associações de infectologia.
O primeiro grupo representou uma fatia de 21,5% dos perfis. No entanto, tiveram o maior volume de interações: 41,5%.
Na outra ponta, em quantidade mais expressiva, com 29,6% dos perfis, estão os profissionais de saúde, cientistas e autoridades sanitárias que combatem a desinformação. Juntos, alcançaram apenas 11,6% de interação.
O grupo de perfis identificados com o campo da esquerda e contrários às teses negacionistas soma 24,9% dos usuários analisados, mas atingiu o segundo lugar no volume de interações: 34,5%.
Por último, com o quarto lugar tanto entre o número de perfis (9,5%) quanto de interações (7,7%), ficou o grupo formado por epidemiologistas, jornalistas e associações de infectologia, também críticos à condução da pandemia pela administração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Tatiana Dourado, uma das cientistas envolvidas na pesquisa, afirmou, em entrevista ao Metrópoles, que, além de repercutirem menos do que o grupo negacionista, os outros três grupos catalogados adotam uma postura de reação ao primeiro, concentrando esforços em desmentir desinformação sobre medicamentos e eficácia de vacinas, por exemplo.
“Como o grupo ligado à direita conservadora faz muitas postagens polêmicas, delicadas, que impactam nas políticas públicas e nos rumos do combate à pandemia no país, os perfis que se opõem a esse discurso ficam estarrecidos e se engajam em combater, denunciar”, explica ela, que é a doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisadora da FGV e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD).
Os dados coletados também mostraram que o grupo negacionista é o mais fechado em si mesmo, com o menor nível de interação com perfis de pensamento diverso. Para a pesquisadora, isso torna ainda mais difícil o acesso dos donos desses perfis a informações que questionem as informações sobre a pandemia.
“Quanto mais coeso e fechado o agrupamento for, mais nocivo é o negacionismo, porque ele fica fortalecido pelos vínculos afetivos, políticos e identitários. As ideias controversas e perigosas, como a defesa de um tratamento precoce ineficaz, circulam mais e sem questionamentos”, disse Tatiana.
O que se posta?
Além de um discurso com vocabulário científico, perfis em todos os grupos analisados postam links para dar credibilidade aos argumentos. No caso do grupo menos numeroso, porém, os sites postados costumam ser apontados em checagem como fontes de conteúdo enganoso.
Por quanto tempos as postagens circulam?
A pesquisa concluiu que o tempo médio de “vida” dos links em circulação sobre o assunto é de 100 horas em três dos quatro grupos selecionados — os que combatem o negacinismo. Já no grupo que promove esse negacionismo, a duração sobe para 250 horas — em média, 150% mais de tempo.
Quem posta?
No grupo identificado com a direita conservadora na pesquisa, se destacam perfis de sites que apoiam o governo Bolsonaro e divulgam uma série de informações classificadas como falsas ou enganosas por agências de checagem, como os portais Terça Livre, Revista Oeste, Terra Brasil Notícias e Brasil sem Medo. Este último tem como um dos idealizadores o guru da extrema-direita Olavo de Carvalho.
No grupo identificado mais à esquerda, se destacam sites de oposição ao governo, mas que não se encaixam no perfil de mídia tradicional, como Diário do Centro do Mundo e Brasil 247, e também veículos da grande mídia, como o UOL.
Veja a íntegra do trabalho científico:
FGV-DAPP-Estudo-Pseudociência-e-esfera-pública by Raphael Veleda on Scribd