Covid: conflitos entre governo federal e estados ameaçam atrasar fim da vacinação
Governo federal protagoniza uma série de embates com gestores locais sobre obediência estrita ao Plano Nacional de Imunizações (PNI)
atualizado
Compartilhar notícia
Em maio de 2021, o Ministério da Saúde e a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) decidiram, em reunião conjunta, que estados e municípios poderiam iniciar a vacinação contra Covid-19 por faixa etária, desde que já tivessem finalizado a imunização de grupos prioritários.
Desde então, o governo federal iniciou uma série de embates com gestores locais devido à cobrança para que as unidades federativas sigam estritamente o Plano Nacional de Imunizações (PNI). E isso ameaça atrasar o fim da vacinação.
O ápice dessa crise ocorreu na última quinta-feira (16/9), quando o Ministério da Saúde decidiu suspender a vacinação de adolescentes sem comorbidades contra o coronavírus.
A medida surpreendeu governadores e autoridades de saúde, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e os conselhos nacionais de secretários estaduais e municipais de saúde (Conass e Conasems).
De acordo com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a decisão se deu porque os estados não estão seguindo as normas do PNI. O gestor alega que diversas regiões começaram a aplicar imunizantes antes do prazo definido, usando doses que deveriam ser para outros públicos, e até teriam utilizado vacinas sem autorização da Anvisa para adolescentes.
Do outro lado, governadores e autoridades de saúde criticaram duramente a medida. Em nota, a Anvisa pontuou que “não existem evidências que subsidiem ou demandem alterações nas condições aprovadas para a vacina”.
Além disso, o Conass e o Conasems afirmaram, em ofício, que a decisão do Ministério “coloca em risco a principal ação de controle da pandemia”.
As divergências entre governo federal, governadores e autoridades de saúde escancaram a dificuldade de manter uma campanha igualitária em todo o país.
Conforme avaliam alguns especialistas, a falta de articulação e de ações paralelas em todas as unidades da Federação fazem com que o fim da imunização contra a Covid-19 no país demore mais do que deveria.
Vacinação de adolescentes
Na Nota Técnica nº 36, divulgada no site do Ministério da Saúde no início de setembro, o órgão recomendou que estados e municípios iniciassem a vacinação de adolescentes com deficiência permanente e comorbidades no dia 15 de setembro.
De acordo com o documento, após a imunização desse grupo, as unidades federativas poderiam, então, vacinar os jovens saudáveis.
Levantamento realizado pelo Metrópoles mostra que 18 capitais e o Distrito Federal não seguiram a recomendação do governo federal e iniciaram a imunização de jovens sem comorbidades antes do previsto.
Essas unidades federativas contavam com doses suficientes em estoque e decidiram dar continuidade à campanha de vacinação por faixa etária, conforme permitiu o governo em maio.
Na última sexta-feira (17/9), 17 capitais decidiram manter a campanha de aplicação do imunobiológico em adolescentes, mesmo com a suspensão recomendada pelo Ministério da Saúde.
Falta de articulação
Anamélia Lorenzetti Boccca, doutora em imunologia básica e aplicada e professora da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o governo federal precisa realizar uma articulação mais intensa com estados e municípios para garantir o funcionamento correto da campanha de vacinação.
A docente afirma que o problema está presente no Ministério da Saúde desde a gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello. Pontua ainda que, com a chegada de Queiroga, em março deste ano, houve maior aproximação com as unidades federativas. Questões políticas, no entanto, influenciaram negativamente o desenrolar do plano de vacinação, avalia a doutora.
“O Ministério da Saúde precisa padronizar a campanha sem interferência política. Estamos vendo interferências muito grandes nessas decisões. Não só no ministério, mas por parte dos estados também”, assinala.
Outro exemplo da falta de articulação entre governo federal e estados é a aplicação da dose de reforço. A recomendação do Ministério da Saúde era de que a campanha tivesse início na última quarta-feira (15/9), para idosos de 70 anos ou mais.
Apesar da orientação da pasta, 16 capitais iniciaram a vacinação desse grupo antes da data prevista pelo governo federal. Além disso, algumas regiões alteraram o público-alvo da dose de reforço e reduziram a idade determinada.
O estado de São Paulo, por exemplo, anunciou que vai imunizar idosos de 60 anos ou mais, e permitiu que municípios utilizem a vacina Coronavac para a aplicação do reforço — indo contra a determinação do Ministério da Saúde de “reforço heterólogo”, com uso de um imunizante diferente do primeiro aplicado. Como a maior parte dos idosos foi vacinada no início da campanha nacional, receberam Coronavac. O ministério, então, agora sugere priorizar na terceira dose a vacina da Pfizer, com possibilidade de uso da AstraZeneca e da Janssen.
“Os estados que fazem uma oposição maior ao governo federal estão diminuindo as idades para ampliar a cobertura da sua população. Não está certo um lado nem o outro. É preciso ter um alinhamento entre os planos”, salienta Anamélia.
Coordenação
A professora da UnB argumenta que a falta de um coordenador para o Plano Nacional de Imunizações (PNI) influencia intensamente nos conflitos entre governo federal e estados.
Atualmente, quem cuida da distribuição de vacinas contra a Covid-19 aos estados é a secretária extraordinária de Atenção à Covid-19, Rosana Leite de Melo.
O plano, no entanto, está sem coordenador desde julho deste ano, mês em que Franciele Fantinato pediu para deixar o cargo.
“O PNI tem fundamentos arraigados, bem definidos. No entanto, detalhes sobre a vacinação, no caso específico da Covid, demandam uma articulação. A falta de um nome pro PNI influencia nisso. A pessoa que era responsável pediu demissão porque não estava conseguindo implementar o que é básico”, destaca a doutora em imunologia.
Anamélia Lorenzetti Boccca afirma que os conflitos entre os governos federal e estaduais não comprometem a vacinação, mas atrasam a campanha.
“Ao final, vamos conseguir vacinar todo mundo. Mas os desentendimentos atrasam o processo, que poderia ser muito mais tranquilo, rápido e eficiente. Esse ruído está atrapalhando a vacinação em termos de agilidade e rapidez”, conclui.