Covid: buscas por Lázaro geram aglomerações e preocupam Cocalzinho
Cocalzinho integra região em nível de calamidade pela Covid-19 e está com os hotéis lotados, desde o início das buscas por Lázaro Barbosa
atualizado
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Goiânia – A rotina de Cocalzinho de Goiás, município com apenas 20,5 mil habitantes, foi, drasticamente, alterada nas últimas semanas em razão das buscas pelo foragido Lázaro Barbosa, de 32 anos, suspeito de matar uma família no Distrito Federal. Para além do medo e da insegurança, outro fator preocupa as autoridades locais em médio prazo: as consequências da concentração e circulação repentina de pessoas, diante do quadro de calamidade em decorrência da Covid-19.
O município, que já perdeu até o próprio prefeito para a doença – Alair Rabelo Neto (DEM), o Nenzão, morreu no dia 7 de junho – faz parte de uma das 10 macrorregiões goianas que estão no pior nível da pandemia. A operação de busca por Lázaro, além de envolver cerca de 270 policiais, que, por si só, correspondem a mais de 1% da população local, lotou a rede hoteleira e atrai diariamente dezenas de equipes jornalísticas.
A concentração das atividades policiais já mudou de ponto duas vezes desde o início da ação. Primeiro, esteve na sede do município. Depois migrou 30 quilômetros até o distrito de Edilândia, que é cortado pela BR-070 e liga a cidade a Águas Lindas de Goiás e Brasília. O ponto mais recente da mobilização está no distrito de Girassol, distante 17 km de Edilândia, também cortado pela rodovia e já bem próximo do limite municipal com Águas Lindas.
“Temos uma preocupação com isso sim, porque, querendo ou não, é uma aglomeração de policiais que moram em outros locais e pessoas que vêm de fora para cá. Tem o movimento e o povo está aglomerando, e, quando aglomera, o risco do vírus circular é grande. Estamos tentando monitorar”, diz o secretário de Saúde do município, Gilmar José de Meneses.
Há 14 dias, a coalizão de forças policiais de Goiás e do Distrito Federal tenta localizar o homem que tem três mandados de prisão em aberto, já cometeu vários crimes, entre assassinatos, estupros, roubo e porte ilegal de armas, e é suspeito de ter matado uma família inteira (pai, mãe e dois filhos), na madrugada do dia 9 de junho, no Incra-9, em Ceilândia.
A pacata Cocalzinho, e mais Edilândia e Girassol, onde Lázaro se escondeu e invadiu uma série de propriedades, “virou um rebuliço”, como diz o secretário de Saúde. A pandemia, no entanto, não cessa. E é aí que está a preocupação das autoridades locais, que cresce a cada novo dia de continuidade da aglomeração de pessoas no município.
“Não temos controle”
Assim como praticamente todo o estado de Goiás, Cocalzinho flexibilizou o decreto que determina as medidas restritivas para conter a disseminação do vírus, mas com limites de ocupação e de horário de funcionamento para comércio, bares, restaurantes, hotéis e igrejas.
Garantir o cumprimento das regras, no entanto, é que está sendo difícil. O secretário de Saúde acredita, por exemplo, que alguns hotéis, diante do contexto de lotação do município, já excederam a ocupação permitida, de 30%.
“A gente não tem controle. Falamos 30%, mas tem que ter força humana para ajudar. Fica um pouco a cargo da conscientização das pessoas. Não tem como ficar batendo de porta em porta pra checar”, diz Gilmar.
Ele frisa, ainda, a dificuldade de manter uma uniformidade no comportamento das pessoas, em razão da disparidade dos discursos: “O governador fala uma coisa e o presidente fala outra. Uma ala segue um e outra ala segue o outro. Acaba que o povo não ajuda, infelizmente”, reconhece.
Números da pandemia
Segundo os dados do painel eletrônico da Covid-19, mantido pela Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SESGO), o município já registrou, desde o início da pandemia, 1.699 casos da doença e 34 óbitos, sendo 18 homens e 16 mulheres.
A macrorregião da qual a cidade faz parte, a regional de Pireneus, está com uma taxa de velocidade de contágio de 1,58, ou seja, cada grupo de 100 pessoas com a doença é capaz de contaminar outras 158. Essa é a quarta maior taxa entre as 18 regionais que dividem o estado de Goiás.
Nessa segunda-feira (21/6), Cocalzinho deu início à vacinação de pessoas a partir de 48 anos. Até então, apenas 8,34% dos moradores locais concluíram a imunização com as duas doses da vacina. O índice está abaixo, inclusive, da média estadual, que é 9,8%.
Dependência de hospitais de fora
Segundo Gilmar, houve uma diminuição nos registros de casos de Covid-19, em Cocalzinho, nos últimos dias, mas o município vivenciou o pico da pandemia há dois meses e precisou recorrer à estrutura hospitalar de outros locais, já que não possui unidades de terapia intensiva (UTIs).
Foi nesse período, por exemplo, que o prefeito eleito no ano passado, Alair Rabelo, foi contaminado e precisou ser transferido, primeiro, para Anápolis e, depois, para São Paulo, onde morreu na madrugada do dia 7 de junho. Nenzão, como era conhecido, foi eleito pela primeira vez ao cargo de prefeito e ficou mais de dois meses internado.
“Ainda estamos muito sentidos. Tem cerca de 90 dias que o prefeito começou a enfrentar os problemas da Covid e nunca mais voltou. Estamos governando com o vice-prefeito [Alessandro Otone Barcelos], mas ainda sentindo a falta do prefeito. Esperávamos voltar com ele. Era uma pessoa muito boa e querida na cidade”, diz o secretário.
Cocalzinho tem um hospital municipal e um Posto de Saúde da Família (PSF) em Girassol, que é o maior distrito, se comparado a Edilândia, e é onde está concentrada a base da operação de buscas por Lázaro Barbosa. Os policiais estão utilizando o prédio de uma escola como alojamento.
Alteração da rotina
O PSF de Girassol teve o horário de funcionamento alterado, devido ao contexto de insegurança no povoado. Assim como as chácaras da região foram esvaziadas – de cada 10, pelo menos sete foram deixadas pelas famílias e os caseiros que vivem nos locais –, o posto de saúde, que antes funcionava até 22h, passou a atender somente até as 18h.
Além disso, diante da apreensão e do medo que passaram a dominar o sentimento das pessoas, o secretário de Saúde conta que muitos pacientes que precisariam ir ao médico ou a uma unidade de saúde, nesses (até agora) 14 dias de operação policial, optaram por ficar em casa e esperar um momento de maior segurança para sair às ruas.