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Covid: 923 pessoas morreram à espera de UTI em Goiás durante pandemia

Pacientes do interior chegaram a aguardar por vagas em leitos improvisados, acordando no meio da intubação por falta de sedativos

atualizado

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Vinicius Schmidt/Metrópoles
Mortes fila UTI covid Goiás
1 de 1 Mortes fila UTI covid Goiás - Foto: Vinicius Schmidt/Metrópoles

Goiânia – Goiás teve 923 mortes na fila por um leito de unidade de terapia intensiva (UTI) desde o início da pandemia até o mês de maio de 2021. Isso considerando apenas os pacientes com suspeita ou confirmação de Covid-19.

Só em março deste ano, quando o sistema de saúde entrou em colapso no estado com mais de 300 pessoas na fila por UTI, foram 452 óbitos à espera de vaga. Pacientes chegaram a enfrentar falta de oxigênio e de remédio para intubação.

O levantamento das mortes à espera de UTI em Goiás foi feito pelo Metrópoles a partir de dados oficiais obtidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI).

Entre os mais de 900 mortos na fila, está Idelma de Oliveira, 72 anos, que morreu depois de mais de 48 horas de espera por um leito de UTI. Enquanto a vaga não saía, ela aguardou no Hospital Municipal de Itauçu, cidade de 9 mil habitantes na região Central de Goiás, a 70 km da capital.

“Eu perguntei para o médico: ‘Quanto tempo minha mãe aguenta esperar a vaga de UTI?’. Ele disse: ‘Só Deus sabe’”, relata a filha de Idelma, a vendedora Suely José de Sousa, 47 anos.

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Suely de Sousa, de 47 anos, guarda plantas da mãe, que morreu de Covid-19 na fila da UTI em Itauçu, região Central de Goiás
Suely cuidou da mãe Idelma no hospital, enquanto não saía a vaga de UTI perfil Covid-19. Faltavam remédios para intubação e mãe acordava da sedação  com o tubo na traqueia
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Idelma de Oliveira, de 72 anos, gostava de preparar alimentos para a família. Morreu de Covid-19 à espera de UTI em Goiás

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Suely de Sousa, de 47 anos, guarda plantas da mãe, que morreu de Covid-19 na fila da UTI em Itauçu, região Central de Goiás

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Suely cuidou da mãe Idelma no hospital, enquanto não saía a vaga de UTI perfil Covid-19. Faltavam remédios para intubação e mãe acordava da sedação com o tubo na traqueia

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No hospital da pequena cidade, Idelma esperou horas para ser intubada, porque não tinha oxigênio suficiente. Depois de a equipe da saúde municipal tentar procurar em várias cidades vizinhas, quatro cilindros foram abastecidos na capital.

Mesmo com Idelma intubada, sua filha Suely dormia no hospital, pois faltavam remédios para que a paciente ficasse totalmente sedada com o tubo inserido até a traqueia.

“De meia em meia hora, ela tentava arrancar o tubo. Eu tinha que correr e chamar a enfermeira ou o médico para aumentar a sedação”, conta Suely.

A família da paciente chegou a comprar um tipo de alimentação especial, que não tinha no hospital e deveria ser administrada com uma sonda. No entanto, a sonda não chegou a ser colocada, segundo parentes de Idelma.

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Idelma adorava cozinhar e gostava muito de plantas, principalmente roseiras. Morreu após ter Covid-19, em Itauçu (GO)
Idelma e Wilson viveram mais de 50 anos juntos. Onde um estava, o outro sempre estava, segundo a filha única Suely. Morreram com um dia de diferença
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A vendedora Suely, de Itauçu (GO), guarda recordações dos pais, que morreram de Covid-19. O pai conseguiu a vaga de UTI, mas não resistiu

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Idelma adorava cozinhar e gostava muito de plantas, principalmente roseiras. Morreu após ter Covid-19, em Itauçu (GO)

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Idelma e Wilson viveram mais de 50 anos juntos. Onde um estava, o outro sempre estava, segundo a filha única Suely. Morreram com um dia de diferença

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No segundo dia de espera pela UTI, a possibilidade de chuva forte e queda de energia fizeram com que familiares de pacientes intubados alugassem um gerador. Na semana anterior, o hospital tinha ficado três horas seguidas sem energia elétrica.

Frustração

O leito para Idelma surgiu na manhã de 5 de março. Suely chegou a buscar a documentação da mãe para fazer a transferência, mas quando chegou ao hospital, recebeu a notícia que a mãe tinha acabado de morrer. A ambulância para buscá-la já estava na porta.

“Receber a notícia de que sua mãe foi embora é muito doloroso. Ainda mais quando a gente correu atrás de tudo que você pensar. Corremos atrás de UTI, medicamento, de tudo! Mas a doença não te dá opção para nada”, lembra Suely.

O marido de Idelma, o aposentado Wilson José, morreu de Covid-19 no dia seguinte. Ele estava internado em uma UTI de outra cidade. “Perdi minhas duas joias preciosas para uma doença maldita, mas o estado também não faz muito para salvar as vidas das pessoas”, lamenta.

Caos no interior

Cerca de 20 km de onde Idelma morreu à espera de UTI, fica a cidade de Inhumas, que faz parte da Região Metropolitana de Goiânia (RMG). O município de 53 mil habitantes foi o que teve mais óbitos de Covid-19 na fila por UTI em Goiás.

Foram 41 casos, o que representa uma taxa de 7,7 a cada 10 mil habitantes, maior entre as cidades com população acima de 5 mil pessoas. Grande parte das mortes na fila em Inhumas foi em março de 2021, quando foram registrados 30 casos. Uma média de um por dia.

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"Tragédia nunca antes vista", declarou promotor em petição, sobre superlotação de unidades de saúde em Inhumas no ápice da pandemia do coronavírus em Goiás
Numa semana, a fila de espera por UTI era de 11 pessoas. Sete morreram e, uma semana depois, o total de gente na fila já era de 20
Leitos semi-intensivos sendo improvisados em unidades de saúde de Inhumas (GO), para tratar pacientes graves de Covid-19 que deveriam estar na UTI
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Unidade de Pronto-Atendimento de Inhumas foi cenário do caos da pandemia. "Desespero por não ter o que fazer", dizem médicos

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"Tragédia nunca antes vista", declarou promotor em petição, sobre superlotação de unidades de saúde em Inhumas no ápice da pandemia do coronavírus em Goiás

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Numa semana, a fila de espera por UTI era de 11 pessoas. Sete morreram e, uma semana depois, o total de gente na fila já era de 20

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Leitos semi-intensivos sendo improvisados em unidades de saúde de Inhumas (GO), para tratar pacientes graves de Covid-19 que deveriam estar na UTI

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A lotação nas unidades de saúde de pacientes esperando vaga de UTI era tanta, que médicos da rede municipal de Inhumas fizeram uma carta aberta à sociedade em 14 de março. No documento, eles relataram dificuldade diária para conseguir estoque suficiente e sedativos.

“Vivemos um cenário de pacientes acordando, extubando, fazendo arritmias cardíacas e assincronia ventilatória, aumentando a chance de óbito, além do desespero por não ter o que fazer”, declararam médicos de Inhumas na carta.

Judicialização

Em um cenário de “uma tragédia nunca antes vista”, como foi descrito pelo promotor Mário Henrique Caixeta no início de março, a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPEGO) e o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) chegaram a recorrer ao Judiciário para garantir as vagas de UTI.

No entanto, mesmo quando saía uma decisão judicial favorável ao paciente na fila, a vaga não era oferecida e a decisão era revogada em segunda instância. A maioria que recorreu ao Judiciário morreu sem conseguir o leito.

As decisões judiciais determinando que o paciente na fila fosse transferido para a UTI foram proibidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) em 17 de março.

O presidente do órgão, desembargador Carlos Alberto França, entendeu que o Judiciário não pode substituir a equipe médica para eleger quais pacientes devem ser atendidos primeiro.

A decisão de prioridade na fila de UTI é feita por uma equipe médica do Complexo Regulador, que faz parte da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO). A escolha depende de fatores como a gravidade do paciente e as condições do local onde ele espera a vaga.

Em um despacho de 18 de março, o Complexo Regulador afirma que entre os fatores para a morte à espera de UTI estão: transporte impedido porque o paciente não tem condições, agravamento do paciente enquanto as buscas pela vaga ocorrem e quando o hospital que pediu a vaga não diz detalhes sobre o paciente, com exames e dados clínicos.

Veja fotos de vítimas da Covid em Goiás:

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Ex-governador de Goiás Helenês Candido (MDB) morreu aos 86 anos, enquanto era transferido para UTI após três dias de espera
Ex-vereador de Posse Valdenite Dias de Santana morreu aos 56 anos no momento em que era colocado na ambulância, depois de três dias à espera por UTI
Dono de lanchonete, José Jorge Nascimento, morreu aos 78 anos após esperar por UTI, em Senador Canedo
Aposentada Virgilina Alves Mateus, 85 anos, esperou cinco dias por UTI, em Caldas Novas
Divina Aparecida de Sousa, 58 anos, ao lado do filho, Rafael Vinicios Ela morreu em hospital de Inhumas, após mais de dez dias de espera por UTI
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Idelma de Oliveira, 72 anos, morreu após mais de 48 horas de espera por UTI. O marido Wilson José conseguiu a vaga, mas também morreu

Arquivo pessoal
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Ex-governador de Goiás Helenês Candido (MDB) morreu aos 86 anos, enquanto era transferido para UTI após três dias de espera

Carlos Costa/Alego
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Ex-vereador de Posse Valdenite Dias de Santana morreu aos 56 anos no momento em que era colocado na ambulância, depois de três dias à espera por UTI

Câmara Municipal de Posse
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Dono de lanchonete, José Jorge Nascimento, morreu aos 78 anos após esperar por UTI, em Senador Canedo

Arquivo pessoal
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Aposentada Virgilina Alves Mateus, 85 anos, esperou cinco dias por UTI, em Caldas Novas

Arquivo pessoal
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Divina Aparecida de Sousa, 58 anos, ao lado do filho, Rafael Vinicios Ela morreu em hospital de Inhumas, após mais de dez dias de espera por UTI

Arquivo pessoal
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Ednaldo José Ferreira, de Inhumas (GO), aguardava por UTI de Covid-19, mas morreu na fila de espera, aos 49 anos

Arquivo Pessoal
Respostas

Procurada pela reportagem, a Secretária Municipal de Saúde de Inhumas, Patrícia Palmeira, considerou que os dados oficiais usados pela reportagem são defasados. Ela argumentou que como o município é polo de saúde na região, recebe muitos pacientes de outras cidades.

A gestora também ressaltou que o município adquiriu dois tanques de oxigênio, respiradores, bombas de infusão e monitores multiparamétricos. “Manejamos pacientes como se fosse UTI mesmo.”

Procurada pelo Metrópoles, a prefeitura de Itauçu informou que há relatos da equipe de enfermagem de que a paciente Idelma apresentou reflexos e agitações às 14 horas de 4 de março. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, reflexos neuromusculares podem ocorrer em pacientes intubados.

Em relação à falta de oxigênio, a prefeitura reconhece que houve dificuldade de conseguir o insumo no pico da pandemia. No entanto, garante que nenhum paciente deixou de ser assistido com a oxigenioterapia.

Segundo a prefeitura, a unidade estava sem gerador de energia, mas nas datas em que faltou energia não houve comprometimento do atendimento dos pacientes.

A reportagem também entrou em contato com  a SES-GO, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

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