Covid-19: por ajuda, 68,4% dos indígenas correm risco de contágio
Cerca de 541 mil indígenas recebem benefícios do governo e precisam ir às cidades sacá-los. Saída de aldeias pode aumentar contaminação
atualizado
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No Brasil, há ao menos 817.963 indígenas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, número mais recente. Desse total, 541.552, ou 68,4% deles, recebem algum programa assistencial do governo federal. Com a pandemia do novo coronavírus, especialistas e até o próprio Executivo temem que eles deixem o isolamento nas aldeias para irem às cidades sacar os recursos.
O (M)Dados, núcleo de análise de grande volume de informações do Metrópoles, mapeou, entre os beneficiários, quantos eram indígenas. Foram analisados os números de fevereiro de 2020 do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Os dados referentes ao auxílio emergencial de R$ 600, contudo, não foram respondidos pelo Ministério da Cidadania.
O Bolsa Família é o que tem mais inscritos: 515.998 mil. A região com o maior número é o Amazonas, com 158.194 pessoas. É também a região que concentra 95% dos casos confirmados de Covid-19 nos povos originários. Já foram registradas três mortes em etnias diferentes, como kokama, tikuna e ianomâmi. Duas delas foram no estado.
Atrás do Amazonas, reúnem os maiores números de beneficiários: Mato Grosso do Sul, com 52.056 pessoas; seguido de Roraima, com 45.204; e Mato Grosso, com 32.996 pessoas. Já as unidades federativas que menos têm indígenas cadastrados nos programas são: Distrito Federal, com 211; Sergipe, que reúne 256; e Piauí, com 316 indígenas.
Já o universo total de possíveis beneficiários indígenas do BPC é de 25.554. Esses números foram interpretados pela reportagem, uma vez que nenhum dado público do programa difere indígena de não indígena. Portanto, foram analisados que 11.088 indígenas no Cadastro Único têm mais de 65 anos e estariam elegíveis para receber o benefício, ao passo que 14.466 indígenas têm alguma deficiência.
O primeiro caso de coronavírus confirmado entre os povos originários foi no último 1º de abril. Até o último boletim epidemiológico, publicado pelo Ministério da Saúde na quinta-feira (16/04), foram registrados 23 casos confirmados de Covid-19 e 25 suspeitos no Brasil.
Vulnerabilidade
Para Marianna Holanda, antropóloga, professora de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), a situação dos indígenas é preocupante, porque vivem em vulnerabilidade social e econômica. Ela cobra o governo federal para levar às aldeias ações de prevenção acessíveis aos indígenas, com a própria língua dos povos e formatos culturalmente sensíveis.
“Além disso, é um direito fundamental que todos os povos e comunidades indígenas recebam informações precisas sobre a pandemia, os riscos e cuidados necessários, preferencialmente em sua própria língua e em formatos culturalmente sensíveis”, pontuou.
Segundo a docente, houve pouca preocupação do governo do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), em garantir um Plano de Ação Emergencial de enfrentamento à Covid-19 entre os povos originários: “É uma omissão grave e que descumpre obrigações básicas de Direitos Humanos”.
Medidas do governo
Em nota, a Fundação Nacional do Índio (Funai) afirmou que atua na orientação às aldeias “para que não se desesperem e evitem o deslocamento às cidades”.
A pasta disse ainda que trabalha em uma campanha direcionada aos povos originários para informá-los sobre a “solicitação do benefício emergencial e conscientizar sobre a importância de seguir o cronograma de saque do governo”.
Cartilha lançada para informar indígenas sobre saque de R$ 600″A Fundação recomenda que os indígenas fiquem atentos à data de saque do auxílio emergencial concedido pelo governo federal e evitem sair das aldeias sem necessidade. O benefício, no valor de R$ 600, ficará disponível para saque por 90 dias, ou seja, não há urgência para a retirada”.
Sem acesso à internet
Segundo Érica Dumont, professora da Licenciatura Intercultural para Educadores Indígenas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), indígenas têm tentado não sair do isolamento. Mas ela lembra que muitas aldeias do país nem mesmo têm acesso a água potável ou condições de comprar sabonetes, álcool em gel ou máscaras.
Por isso, chama a atenção para a falha nas formas de comunicação do governo. “Muitas aldeias não têm rede de internet. Muito indígenas não têm celular ou televisão, se informam por meio de rádios comunitárias. É uma maneira precária. O fato de ninguém entrar ou sair é fundamental, mas há também o risco de mineradores e garimpeiros. Isso também é bem ameaçador”, completou.