Covid-19 já atinge 125 mil trabalhadores de frigoríficos, que ameaçam greve
Entidades sindicais lançam campanha para pressionar empresas a adotar medidas de isolamento e proteção contra o coronavírus
atualizado
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A alta incidência de infecções pelo novo coronavírus entre funcionários de frigoríficos está bem documentada no Brasil e no mundo. A escalada de casos da doença, que levou a interdições em série de indústrias de vários estados, ainda não levou, porém, a um acordo entre empresários e trabalhadores para a criação de protocolos de segurança que satisfaçam a todos.
Reclamando de falta de diálogo, entidades que representam meio milhão de trabalhadores lançam nesta quarta (26/8) uma campanha para pressionar os patrões, com o slogan: “A carne mais barata do frigorífico é a do trabalhador”. Caso a pressão não tenha efeitos, as entidades consideram convocar uma greve nacional.
Os apelos dos sindicalistas têm se intensificado desde o fim de julho, quando a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Alimentação (CNTA) calculava em 20% o número de trabalhadores infectados. Quase um mês depois, a entidade estima que essa taxa subiu para 25%, o que corresponde a cerca de 125 mil trabalhadores.
“Só podemos estimar, porque falta testagem. Uma das nossas reivindicações é a testagem de todos os trabalhadores”, pede o presidente da CNTA, Arthur Camargo.
O outro principal pedido das entidades é a redução a 50% dos funcionários a cada turno, para evitar a proximidade. “Nossa sugestão é para que se façam mais turnos, de maneira a não reduzir a produção”, afirma ainda o representante.
Sem um protocolo nacional, o Ministério Público tem buscado acordos regionais quando as crises estouram.Desde a última semana, pelo menos dois frigoríficos foram interditados, em São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Em Pirapozinho (SP), todos os 900 funcionários de uma planta ficarão afastados até o próximo dia 31 de agosto. A empresa também se comprometeu a só voltar a abrir após testar todos os funcionários. Neste mês, a pequena cidade teve um acréscimo de 100 casos de Covid-19 – mais de um quarto deles entre trabalhadores do local.
Em Nioaque (MS), um frigorífico da BXB que registrou 117 casos de coronavírus em sua equipe firmou acordo com o MP para também fechar a fábrica e testar todos os funcionários.
Veja imagens da campanha que a CNTA e outras entidades lançam nesta quarta:
As reclamações
O mercado de frigoríficos está quase todo nas mãos de duas gigantes no país, a BRF e a JBS. Com a primeira, os representantes dos trabalhadores dizem que há ao menos diálogo. “Avançamos com eles em questões como a remuneração dos afastados, mas na aglomeração eles também estão resistentes. Já a JBS nem conversa”, relata Arthur Camargo.
Ele espera que a campanha sensibilize os empresários a negociar, mas não descarta uma greve como maneira de pressão. “A campanha e a mobilização servirão para medir a disposição da categoria para uma greve, afinal são decisões coletivas, mas eu acredito antes no diálogo”, afirma o presidente da CNTA.
Para o representante sindical, a falta de ações mais efetivas prejudica o setor como um todo, incluindo os empresários. Ele lembra do recente episódio em que foram encontrados vestígios de coronavírus em uma carga brasileira de frango enviada para a China e afirma que, se a doença seguir fechando indústrias, o abastecimento pode ser afetado.
“Falta também uma atenção do governo. Se sabemos que os frigoríficos são focos de Covid-19, por que não se focar em soluções efetivas, que vão beneficiar toda a sociedade?”, questiona o presidente da CNTA. “Se menos trabalhadores pegarem, vão passar para menos pessoas nas cidades, nos meios de transporte”, completa.
As respostas
Procurada pelo Metrópoles para comentar as reivindicações dos trabalhadores, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) informou por nota que “entende que a campanha está distante da realidade e não contribui para o bem-estar do trabalhador”. Segundo a entidade, “desde antes da pandemia no Brasil, as empresas do setor implantaram procedimentos que vão desde o transporte, o acesso aos frigoríficos, vestiários, refeitórios e áreas de descanso dos frigoríficos, além de diversas medidas adotadas nas linhas de produção.”
Em uma tentativa de responder às reclamações, o governo publicou em junho uma portaria com medidas de segurança nas fábricas do setor. As medidas, para os sindicalistas, são tímidas. “É uma portaria que apenas sugere distanciamento, não exige”, reclama Arthur Camargo.
A JBS respondeu ao questionamento da reportagem com um comunicado afirmando que “investiu mais de R$ 100 milhões em medidas, sistemas e processos de contingência em saúde e segurança para todas as suas unidades no Brasil”.
A empresa informou ainda que contratou uma consultoria médica para implementar seu protocolo de segurança e que “já realiza o monitoramento diário de 100% dos colaboradores”.
Entre os exemplos de medidas adotadas estão a ampliação das frotas de ônibus para transporte de funcionários em 49% e o uso de novos equipamentos de proteção individual.
A BRF não se manifestou.