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Covid-19 chega a sítio histórico isolado e contamina kalungas em Goiás

Primeira confirmação de casos foi divulgada por associação, mas número de contaminados pode ser muito maior, já que nem todos foram testados

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Morador de povoado kalunga em Goiás
1 de 1 Morador de povoado kalunga em Goiás - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Desespero e sensação de abandono aumentaram entre quilombolas após a primeira confirmação de casos de infecção pelo coronavírus em ao menos 14 moradores do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, no nordeste de Goiás, divulgada nesta terça-feira (2/3). O medo apavora a população, formada, em sua maioria, por idosos, mais vulneráveis à Covid-19, e afrodescendentes que vivem na região desde o século 19.

Desde o início da pandemia, ao menos 210 quilombolas já morreram no país em decorrência de complicações da doença, entre os 4.962 casos confirmados, segundo o Observatório da Covid-19 nos Quilombos. As estatísticas podem ser muito maiores, já que a maioria das comunidades não teve testagem nem registrou o motivo das mortes.

A quarta e última reportagem da série Quilombos na Pandemia mostra que a divulgação dos primeiros casos de contaminação de kalungas no sítio histórico ocorre uma semana depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar que o governo federal elabore um plano nacional de enfrentamento da Covid-19 voltado à população quilombola. O prazo é de 30 dias.

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Engenho 2 é o maior dos povoados kalungas do sítio histórico em Goiás
Mulher kalunga em comunidade de Cavalcante
Crianças quilombolas kalungas em Goiás
Casal do quilombo São Domingos, em Cavalcante
Família da comunidade kalunga
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Quilombolas em frente ao Supremo Tribunal Federal

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Engenho 2 é o maior dos povoados kalungas do sítio histórico em Goiás

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Mulher kalunga em comunidade de Cavalcante

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Crianças quilombolas kalungas em Goiás

Elder Miranda Jr/AQK
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Casal do quilombo São Domingos, em Cavalcante

Associação Quilombola São Domingos
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Família da comunidade kalunga

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Residência em comunidade de povo kalunga em Goiás

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Povoado quilombola, em Goiás

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Comunidade kalunga, em Goiás

Reprodução: Vídeo
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Horta em comunidade quilombola, em Goiás. Agricultura de subsistência é forma de sustento

Terra de Direitos/ONG
Testagem

O secretário estadual de Saúde de Goiás, Ismael Alexandrino, disse ao Metrópoles que o Centro de Informações Estratégicas e Resposta em Vigilância em Saúde (CIEVS) já está em contato com os municípios que tiveram os primeiros kalungas contaminados no sítio. Monte Alegre registrou 12 casos e Cavalcante, 2. Eles estão sendo monitorados. Teresina de Goiás, o terceiro município por onde se estende o sítio histórico, ainda não teve esse tipo de confirmação.

No entanto, o número de infectados pode aumentar, já que a testagem ainda não foi realizada em grande parte da região, que tem 8 mil moradores quilombolas. “A orientação é fazer levantamento de todos casos já positivos, verificar qual teste foi utilizado, isolar positivos e os sintomáticos”, explicou o secretário de Saúde.

Os kalungas sintomáticos, de acordo com ele, devem ser testados com RT-PCR, assim como as pessoas com as quais os confirmados tiveram contato. “Temos condições de proceder todos esses testes conforme o protocolo”, afirma. Ele reconhece que kalungas são mais vulneráveis por viverem em região sem infraestrutura básica. “Exige grande atenção”, alertou.

Realidade

A ação de Alexandrino é uma resposta a ofício emergencial que recebeu da secretária Municipal de Saúde de Cavalcante, Gesselia Batista, que também solicitou testagem em massa e vacinas para imunizar as comunidades quilombolas. “A propagação do vírus nesses territórios já é uma realidade”, destacou.

Moradores da cidade são castigados ainda mais pel0o abandono de quatro obras de unidades básicas de saúde (UBSs), que são alvos de investigação do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), como mostrou a segunda reportagem da série Quilombos na Pandemia.

O presidente da Associação Quilombola Kalunga (AQK), Jorge Moreira de Oliveira, pediu apoio dos governos para as prefeituras dos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás. “Diante da pandemia, o problema da qualidade das estradas se tornou ainda mais grave, pois dificulta e até impede o acesso dos kalungas a serviços de saúde. Aguardamos ansiosos a chegada da vacina para o nosso povo”, disse.

A associação ressaltou a urgência da implementação, pelo governo federal, do plano nacional de enfrentamento à pandemia de Covid-19 voltado para a proteção das comunidades quilombolas, conforme determinado pelo STF.

O Supremo atendeu, parcialmente, a uma ação chamada de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), proposta, em conjunto com cinco partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, REDE e PT), pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Lentidão

Coordenador executivo da Conaq, Denildo Rodrigues, conhecido como Biko, reconheceu a importância da decisão, mas lamentou que o julgamento tenha ocorrido mais de cinco meses após o protocolo da ação. “Essa lentidão ocasionou a morte de vários quilombolas, além do aumento da crise nas comunidades e o avanço do Covid”, lamentou.

Advogada da Conaq que participou do julgamento, Vercilene Francisco Dias afirmou que não basta somente determinar que o Executivo construa e implemente o plano de combate aos efeitos da pandemia nos quilombos. ‘É necessário que se estabeleça meios de acompanhamento pelo Poder Judiciário, pois, se o plano não for estabelecido, será apenas uma decisão que o governo não vai cumprir”.

Preocupação é sobreviver

Uma das lideranças quilombolas em Goiás, Lucilene Kalunga diz que a falta de atenção por parte do governo às comunidades tradicionais, normalmente instaladas em regiões mais afastadas dos centros urbanos, agrava ainda mais a situação. “A maior preocupação é sobreviver nesta pandemia”, observou.

Presidente do Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), o defensor público Salomão Rodrigues Neto destacou que a pandemia intensificou a vulnerabilidade dos quilombolas.

“A dificuldade enfrentada pelos quilombolas no acesso a direitos sociais básicos, tais como saúde, alimentação e educação foi aprofundada”, afirma o defensor. “O turismo e a produção de agricultura familiar foram afetados, limitando as principais fontes de renda da coletividade. O auxílio emergencial também não os alcançou devidamente, inclusive por dificuldades de acesso à internet”, lamentou.

Integrante do Coletivo Jurídico Joãozinho de Mangal, que oferece assistência jurídica em quilombos no Brasil, e professor de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), Cleuton César Ripol de Freitas asseverou que o racismo tem relação com a falta de ações emergenciais a quilombolas na pandemia. “Não dá para falar de quilombo sem falar de racismo”, ressaltou.

Programa Brasil Quilombola

Em nota, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou afirmou que tem atuado com a articulação e o desenvolvimento de ações que buscam alcançar os objetivos previstos no Programa Brasil Quilombola, lançado em março de 2004.

Segundo a pasta, durante a pandemia, o governo federal já investiu R$ 34,4 milhões em aquisição e disponibilização de alimentos aos povos e comunidades tradicionais, incluídos quilombolas em situação de vulnerabilidade em relação a sua segurança alimentar e nutricional.

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