Covid-19: brasileiros retidos na Índia amargam xenofobia e fome
Grupo de turistas está no olho do furacão do lockdown imposto pelo governo local e cobra imediata repatriação às autoridades brasileiras
atualizado
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O que era para ser uma viagem turística ou um mergulho in loco nas ancestrais técnicas da meditação transcendental vem se tornando, dia após dia, um dramático pesadelo. Após o decreto do maior confinamento do mundo, que fará com que 1,3 bilhão de pessoas fiquem isoladas por 3 semanas na Índia como forma de enfrentar a pandemia de coronavírus, um grupo de 180 brasileiros vem sofrendo as consequências do lockdown em terra estranha: falta de lugar para ficar, desabastecimento e fome, risco de contágio, dinheiro escasso, xenofobia e, no caso das mulheres, assédio sexual.
Eles cobram do governo brasileiro mais atenção e a imediata repatriação. “Não é como estar retido na Europa”, relata o brasiliense Rodrigo Airaf, assessor de imprensa de 26 anos que assumiu as funções de porta-voz do grupo – composto também por integrantes presos em cidades do Nepal.
“Há situações muito específicas aqui, e todos temem por uma extensão da quarentena, além de que metade não tem condições de desembolsar 2 mil dólares ou mais para pegar carona no voo dos outros, como o da Air France que sai de Nova Délhi nesta sexta-feira”, completa.
Proibição total
No dia 24 de março, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, ordenou aos indianos que fiquem dentro de casa por pelo menos 21 dias. “Haverá uma proibição total de sair de suas casas”, disse Modi. “Todo distrito, toda pista, toda vila ficará trancada. Se você não conseguir lidar com esses 21 dias, este país voltará 21 anos”, complementou.
Os turistas brasileiros, espalhados por cerca de 20 cidades, se veem desamparados. Há casos de expulsões de hotéis, começa a faltar comida – a polícia local manda fechar supermercados, que, em sua maioria, já estão com as gôndolas vazias – e há agressões por parte de indianos.
“Temos relatos de pessoas que foram hostilizadas pelos indianos e pela própria polícia, porque aqui tem uma camada da população que acredita que é uma doença estrangeira e que somos portadores do vírus só por sermos estrangeiros. E ainda tivemos pessoas acusadas de serem portadoras do vírus mesmo sem ter passado por nenhum exame”, destaca Airaf.
Monge na rua
Há, por exemplo, o caso do monge paulista Paulo Jordão, que terá que sair do templo onde está e ficar na rua, por não ter recursos financeiros para se manter até conseguir um meio de voltar ao Brasil.
A também paulista Adriana Yiuri Sato, que está na cidade de Goa com o filho de 6 anos, reclama da escassez de comida e gasolina e, principalmente, das agressões que sofre por parte da população local.
Segundo Airaf, outros países empreendem esforços para retirar seus cidadãos da Índia, mas, embora não veja descaso da parte do governo do Brasil, lamenta uma certa morosidade.
“O governo fica divulgando repatriação, que ninguém vai ficar para trás, mas não está sendo considerado que a Índia tem um potencial epidêmico gigantesco, com pessoas em risco altíssimo, que a coisa está piorando e que a quarentena aqui é muito rígida”, conta o brasiliense.
Carona de 2 mil dólares
Há poucos dias, saiu um voo da Air France cuja rota incluía o Brasil, após passagem pela França. Foram abertos 15 lugares para brasileiros. Ao custo de cerca de 2 mil dólares a passagem, porém, a viagem ficou inviável para a grande maioria dos brasileiros.
“Houve um fato que achamos até engraçado: saiu um voo para Roma que deu lugares para brasileiros pegarem carona. Mas a Itália está fechada. E a pessoa tem que escolher em ficar presa na Itália ou achar um voo para ir a outro país, onde tentaria ir para o Brasil. Vários países já levaram seus cidadãos de volta e estamos presos aqui”, diz Airaf, que está na cidade de Jaipur.
O assessor de imprensa lamenta que o governo brasileiro não adote o que chama de “personalização de empatia”. Afinal, afirma ele, não é todo país que hostiliza os estrangeiros como acontece na Índia, onde pessoas são agredidas com pedradas ou mulheres são assediadas sexualmente.
“Há questões muito específicas e não estão priorizando a Índia”, desabafa Airaf. “Isso está deixando a gente puto, com o perdão da palavra, porque estamos vendo vários países tirando seus países, a Alemanha vai vir pela segunda vez, e o Brasil fica tentando pegar carona no voo dos outros”.
Sem resposta conclusiva
De acordo com ele, o Itamaraty não dá qualquer tipo de alento, como notícias do que está acontecendo, até mesmo para gerenciamento de crise. Há, ele reitera, uma demora para ter uma resposta conclusiva da pasta.
“Temos que ficar em cima. Cobrar deles. Isso está ficando cansativo. As pessoas já estão perdendo as esperanças. Quem garante que todos os brasileiros vão conseguir sair daqui? Quem garante que vamos ficar bem até o fim da quarentena? E se a quarentena for estendida? Queremos nossas famílias e nossa rede de apoio. Queremos segurança. Não devíamos estar passando por isso”, finaliza.
Assista ao relato de Rodrigo Airaf sobre a situação dos brasileiros na Índia: