Coveiro João Pereira relata a dura rotina após tragédia de Brumadinho
O funcionário da prefeitura da cidade cavou, em apenas seis dias, 10 covas
atualizado
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Aos 65 anos, o coveiro João de Amorim Pereira não imaginava que prestaria os seus serviços em meio a uma tragédia. Contratado da prefeitura de Brumadinho (MG) há 15 anos, ele foi acionado nesta semana para abrir túmulos no cemitério Recanto da Saudade, na região do Córrego do Feijão, área mais atingida pelo rompimento da barragem I, da Vale. Em seis dias, o funcionário cavou 10 covas e participou de dois enterros.
“Nos falaram que a previsão é de que mais 20 corpos sejam enterrados aqui. Estamos de prontidão 24 horas. Nunca trabalhamos em um ritmo tão intenso, mas sabemos o quanto esse momento é importante para as famílias”, disse João. Ele perdeu as contas de quantos sepultamentos fez ao longo da vida, mas ressalta que, em meio a uma tragédia, tudo se torna mais intenso.
É cansativo. Estamos furando as covas a mão. Com enxadão, enxada e pá. A família chora de desespero. Você não aguenta ver a mãe clamando pelo filho perdido. Um dia a pessoa está fazendo churrasco, no outro foi engolido pela lama. Ninguém aguenta isso não
João de Amorim Pereira, coveiro
Apesar de não conhecer as vítimas do desastre, João revela que se sente impotente ao ver as famílias debruçadas nos caixões lacrados. “Elas não podem ver os parentes pela última vez. Muitos chegam aqui e não acreditam que eles (as vítimas) se foram. Isso corta o coração da gente”, completou.
A entrevista precisou ser interrompida diversas vezes devido ao forte barulho de helicópteros que decolam e pousam a cada 10 minutos no campinho improvisado ao lado do cemitério.
O Recanto da Saudade fica dentro da central de resgates improvisada montada pelo Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, policiais Militar e Civil, além das Forças Armadas. O primeiro enterro feito no local foi do jovem Reinaldo Fernando Guimarães. Neste sábado (2/2), ocorreu o sepultamento de Cristina Paula de Cruz Araujo, uma funcionária da pousada Nova Estância. Durante as cerimônias, os trabalhos de busca são interrompidos.
Trauma
Ronaldo Campos Maciel, 45, veio com João e ajuda no cemitério. Ambos moram no distrito de Brumadinho chamado Piedade de Paraopeba. Para Ronaldo, trabalhar em um cenário de guerra é uma experiência traumática.
“Estamos aqui e a todo momento os helicópteros passam carregando corpos. Cada corpo que chega é um sofrimento para nós. Eu durmo à noite e sonho com tudo que estou vendo durante o dia. Fico atordoado”, desabafou.
Antes, o cemitério do município do Córrego do Feijão contava com cerca de 50 túmulos. Agora, a prefeitura teve que ampliar a capacidade.