Coronavírus: com missas on-line, padres veem aumento de fiéis
Religiosos, entre eles o papa Francisco, falam com seu párocos pelos meios de comunicação em meio à pandemia de Covid-19
atualizado
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A missa dominical agora é vista pelo celular, muitas vezes ainda de pijamas. Em tempos de quarentena, os católicos precisaram reinventar a forma de participar de um dos mais importantes preceitos de fé, justamente aquele que dá um sentido de comunidade, de unidade, de comunhão: a celebração eucarística.
No coração da Itália, um dos países mais afetados pela pandemia, o Vaticano deu o exemplo. No mês passado, a Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos publicou dois decretos na qual reconhece de maneira especial as missas online neste período de isolamento social.
A preocupação maior era com as celebrações da Semana Santa, tradicionalmente importantes para a fé católica. O resultado foi sintetizado pelo próprio papa, na já histórica imagem de sua celebração, solitário em uma tarde chuvosa, na Praça São Pedro, no último dia 27. A praça, completamente vazia. Mas acompanhado pelo mundo todo.
“Foi a maior audiência papal de todos os tempos”, disse ao Estado o padre Lucas Gobbo, reitor da Casa de Formação São Caetano e vigário da Paróquia de São Geraldo, em Guarulhos. “Um grande gesto de humildade deste homem humano, papa Francisco, que quis de forma extraordinária dar essa bênção de Roma para o mundo. Não de uma praça fisicamente vazia como estava. Mas com certeza com todas as pessoas que naquele momento estavam acompanhando pelos meios de comunicação e que, se nos juntássemos, não iriam caber naquela praça, que seria pequena. A mídia tem nos ajudado muito.”
Conforme explica à reportagem o padre Denilson Geraldo, especialista em direito canônico e diretor do Instituto San Vincenzo Pallotti, de Roma, os dois decretos do Vaticano observam “as determinações das autoridades sanitárias de cada lugar, oferecem indicações e sugestões aos bispos e presbíteros para que celebrem a Santa Missa sem a presença do povo de Deus”.
“Os fiéis serão avisados do horário das celebrações para que se unam em oração da própria casa, a Igreja doméstica. Para tanto podem ser usados os meios de comunicação, por exemplo, a TV, a internet, etc.”, explica Geraldo. “É uma situação de emergência sanitária, exigindo das comunidades católicas uma pronta resposta às necessidades de toda a população. Desse modo, as missas continuam sendo celebradas. A Igreja, em comunhão com o sofrimento da humanidade, pede que os fiéis se unam espiritualmente, não fisicamente, durante esse tempo de emergência sanitária.”
Ou seja: dá-lhe pacote de dados. Padres ouvidos pelo Estado relatam que perceberam aumento da participação dos fiéis, se comparados com aqueles que habitualmente iam às celebrações fisicamente. “Aqui na paróquia estamos fazendo vários momentos de oração. Estamos celebrando missa todos os dias, no horário habitual, e percebemos até um aumento maior das pessoas que acabam assistindo. Eu diria que de 50% a 70% mais gente acompanhando via ‘Live'”, relata o padre Bruno Muta Vivas, da Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Fátima, em Pirituba, São Paulo.
“Quem falava, no começo, que a internet era coisa do diabo hoje tem de bater na boca. Imagina um padre hoje, trancado dentro de casa, sem internet, como ia se comunicar com seus paroquianos? Por sinal de fumaça?”, comentou ao Estado o padre Eugênio Ferreira de Lima da Paróquia Cristo Rei, de Ipatinga. “Como diria minha mãe, ‘benzadeus’ que deu inteligência aos homens e às mulheres para desenvolverem esse sistema que, para quem não entende muito, parece mágica.”
Lima montou um oratório em seu quarto e é de lá que celebra as missas diárias transmitidas via Facebook. “E da capelinha que eu montei, só tenho a agradecer a Deus por essa ferramenta tão criticada por falsos moralistas. Sigo celebrando missas e centenas e centenas de pessoas de vários lugares estão assistindo.”
“Noto um aumento significativo da participação das pessoas nas missas. Vejo 150, 160 pessoas online e sabemos que muitos assistem com os filhos, com os pais, então esse número é bem maior”, diz ao Estado o padre Pedro Luiz Amorim Pereira, pároco na Igreja da Imaculada Conceição, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. “Meu pai não conseguia participar da minha missa porque mora distante, agora ele tem um Facebook só para ver a ‘missa do filho’. É isso.”
“O número de pessoas que assistem à missa online está sendo maior do que o daquelas que assistiam presencialmente”, afirma à reportagem o padre Michelino Roberto, pároco da Nossa Senhora do Brasil, nos Jardins, em São Paulo e diretor do jornal O São Paulo.
Validade
Telemissas não são novidade destes tempos esquisitos. Que o diga Padre Marcelo Rossi e suas celebrações transmitidas todos os domingos pela Rede Globo. Que o digam as emissoras católicas como Rede Vida e TV Canção Nova. “A primeira missa transmitida para a cidade do Rio de Janeiro ocorreu em 1963. Cinco anos mais tarde, houve a primeira transmissão para todo o território nacional”, contextualiza Gobbo. “É claro que por conta da pandemia de Covid-19, estas realidade estão mais evidentes, seja pela televisão, seja pelo rádio, seja pelas redes sociais.”
A regra é clara, explicam os religiosos. A Igreja dispensa a exigência do comparecimento à missa semanal aqueles que estão impossibilitados. “O que houve [no caso dos decretos atuais] foi a aplicação de uma regra que já existe”, pontua Roberto. “Como pode o católico santificar o domingo quando ele está fisicamente impedido de ir à igreja? É o caso que vivemos, ou seja, o coronavírus impôs a precaução do isolamento social, que é necessário, por isso os fiéis não podem vir, estão fisicamente impedidos de participar presencialmente da santa missa. Nestas condições, o direito canônico permite santificar o domingo de casa, não necessariamente assistindo à missa pela TV ou por outros meios, mas pode optar por rezar o terço em família ou fazer um momento mais profundo de oração.”
“A Igreja já permitia que os doentes impossibilitados de se deslocar substituíssem a missa presencial pela televisionada, acompanhada pela comunhão levada a eles por um ministro da eucaristia ou sacerdote. Nesse sentido, a inovação não é tão grande assim”, acredita o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “A recepção física do sacramento, seja a comunhão, seja a absolvição dos pecados, é um elemento importante da mística católica, um fator que a diferencia dos protestantes. Nesse sentido, não creio que a missa televisionada irá mudar substancialmente a prática litúrgica católica, terminada a pandemia.”
Pereira lembra que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vem produzindo orientações sobre missas televisionadas desde os anos 1980. “Entende-se que é um bem, no sentido de que consegue possibilitar que pessoas que não têm nenhuma chance de participar da santa missa o façam, vejam a missa celebrada por um sacerdote”, enfatiza ele. “Embora ela não esteja junto da comunidade e não receba a sagrada comunhão verdadeiramente, trata-se de algo visto como muito válido.”
“Estamos em um retorno à igreja primitiva, a igreja doméstica: rezar em nossas casas, com nossas família, em comunhão com todas as outras casas do mundo. Isso é importante. Façamos uma comunhão espiritual”, afirma ao Estado frei Reginaldo Roberto Luiz, conselheiro da Ordem dos Padres Mercedários em Roma.
Vivas ressalta que, “embora a telemissa tenha muito valor, ela não substitui, de forma alguma, a presença física”. “Da mesma forma que uma reunião festiva via Skype vale muito, mas não é a mesma coisa que estar presencialmente em uma festa, ou mandar um beijo via Skype tem valor ridiculamente pequeno se comparado a dar um beijo em sua esposa fisicamente presente. Ainda que tenha muito valor, nada substitui o contato muito íntimo com Deus.”
Chefe do departamento de Ciências Sociais da PUC-SP, o teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Junior pontua à reportagem que exceções são pertinentes a momentos de dificuldades. “Ir à missa aos domingos é um dos preceitos cristãos há séculos. Mas sempre há atenuantes: guerras, repressão totalitária, pestes, lugares interditados… Dezenas de casos em vários países, bairros ou culturas”, afirma. “Hoje, a questão da altíssima taxa de contágio e de mortes exige lucidez e defesa da vida. Afinal, a própria igreja está à serviço da humanidade — e não o inverso.”
Altemeyer Junior diz que os novos decretos da Igreja “afrouxam” o preceito. “Temporariamente”, ressalta. “O Vaticano reconhece ao católico que ele está participando da mesa da Palavra ativamente e pode e deve mastigar bem o que Deus lhe diz pelas Sagradas Escrituras. Isto é alimento válido.” Passada a pandemia, ele entende que tudo volta como era antes. “Em tempos normais, roupas normais.”
Lima concorda que a missa online não vai substituir a presencial. “Passado este tempo, é claro. Porque pela internet os fiéis não podem receber a Eucaristia”, resume. “Mas também acho que é diferente o que ocorre hoje de simplesmente assistir a uma missa na televisão. Porque essas pessoas que estão ali, na maioria, são pessoas que estariam participando fisicamente de uma missa, se não houvesse a quarentena. Então vamos até ela. Não é que a igreja vai até ela. A igreja é a família. O templo vai até ela. A família é uma igreja doméstica. Estes tempos de coronavírus têm despertado o senso de igreja doméstica.”
“Estamos vivendo nossa fé a partir da nossa casa”, define Luiz. Para Pereira, o mais importante é que as pessoas entendam a importância da quarentena. “A Igreja Católica está incentivando que os fiéis fiquem em casa, para que a gente evite o pico de contágios. Temos esse cuidado. E precisamos dar um exemplo de responsabilidade”, pontua.