Coronavírus arrefece, mas doenças crônicas e mentais crescem entre indígenas
Casos e mortes por Covid-19 estão caindo em região socorrida há quase um mês pela ONG Médicos Sem Fronteiras, mas há danos persistentes
atualizado
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A região de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, a 140 km de Campo Grande, foi um dos epicentros da pandemia de coronavírus entre integrantes de povos indígenas, levando entidades que representam as etnias a aumentar o tom das críticas ao governo. A área tem cerca de 6 mil indígenas, a maioria do povo Terena, e também virou notícia porque o Ministério da Saúde negou, em agosto, que a entidade de assistência Médicos Sem Fronteiras atuasse emergencialmente no socorro quando só havia um médico do SUS para todas as aldeias.
O veto caiu com a repercussão e, com quase um mês de atuação da ONG, a pandemia dá sinais de queda, mas suas consequências na saúde dos povos tradicionais será duradoura, na avaliação dos profissionais que ainda estão atuando por lá.
Em Aquidauana, até o momento, foram registrados 1.867 casos de coronavírus e 53 óbitos, dos quais 24 de indígenas. Desses, só três foram registrados em setembro, mostrando um refluxo da Covid-19.
“Chegamos perto do pico e depois é esperada essa queda, mas nossa presença é importante aqui porque ajudou a mudar o estado de ânimo dessas populações. Quando chegamos, eles estavam exaustos de tantas perdas”, relata, em conversa por telefone com o Metrópoles, a enfermeira brasileira Erica Cravo (na imagem em destaque), que já passou mais de um ano no Afeganistão pela organização e agora ajuda a combater o coronavírus em seu país, mas trabalhando pela ONG europeia.
“A pandemia afeta os povos indígenas de maneira muito dura. Eles sofrem muito perdendo seus anciãos e ainda precisam lidar com o fato de não poder se despedir. A pessoa sai da aldeia conversando e depois chega a notícia da morte, que causa um sentimento de angústia muito grande neles”, relata ela, que vê ainda os transtornos mentais como uma das principais consequências da pandemia entre as etnias.
“Temos identificado muitos casos de depressão, ansiedade. Há casos severos, com pensamentos suicidas, que precisam de encaminhamento. As perdas e o isolamento afetaram essas pessoas de maneira muito impactante”, conta ela, que trabalhou diretamente nas aldeias entre 27 de agosto e 11 de setembro e agora ajuda no atendimento no Hospital Municipal de Aquidauana.
A enfermeira conta também que doenças crônicas, como as metabólicas, a exemplo da diabetes e da hipertensão, estão tendo picos nesse momento de arrefecimento do coronavírus. “Quem pegou a Covid-19 experimentou um descompensamento muito grande nessas doenças já existentes. Muitos pacientes também pioraram porque interromperam tratamentos”, relata a profissional.
Erica não sabe por quanto tempo a mais ficará em Aquidauana, mas afirma que os serviços públicos se reestruturaram nas últimas semanas. “De um médico, aumentou para três equipes. Nós também ajudamos treinando as equipes aqui da cidade e fizemos doações de materiais. Diria que a emergência já não é tão grave, mas será preciso um acompanhamento dessas doenças crônicas e mentais”, avalia ela.
As lideranças indígenas que pediram a ajuda da ONG internacional estão se mobilizando para que eles possam ficar mais, portanto, as negociações ainda estão em fase inicial.
Sem a palavra do governo
Questionado sobre a avaliação governamental da situação entre os indígenas de Mato Grosso do Sul, o Ministério da Saúde não se pronunciou. A pasta encaminhou à reportagem link para material divulgado em agosto informando o envio de equipes e seis toneladas de suprimentos para a região.
O ministério atende em Mato Grosso do Sul aproximadamente 80 mil indígenas de oito etnias, segundo a própria pasta. “São 703 profissionais de saúde, dos quais 48% são indígenas. No total, há 30 médicos atuando no Distrito, sendo 11 do programa Mais Médicos”, informa ainda a pasta.