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Contrabando de cigarro usa trabalho infantil e aumenta evasão escolar

Pesquisa inédita aponta que os menores de 18 anos são aliciados para atuar como olheiros e carregadores de caixas de cigarros

atualizado

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contrabando cigarro
1 de 1 contrabando cigarro - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Responsável por 48% do mercado de cigarros no Brasil, os contrabandistas ultrapassam as barreiras das perdas econômicas para o país e exploram crianças e adolescentes para atuar no comércio ilegal. Pesquisa inédita do economista Pery Shikida, professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), mostra que os menores de idade mais afetados estão nas regiões que fazem fronteira com o Paraguai.

Estudo conduzido pelo pesquisador verificou que os menores de 18 anos são aliciados para atuar principalmente como olheiros, carregadores de caixas de cigarros, as chamadas “formiguinhas”, ou mesmo “batedores” – aqueles que vão na frente para avisar se o caminho está seguro para o contrabando da mercadoria.

O maior mercado da chamada “economia do crime”, segundo o pesquisador, são três cidades fronteiriças com altos índices de contrabando de cigarros: Foz do Iguaçu (PR), Guaíra (PR) e Ponta Porã (MS).

Os números do mercado ilegal nestes estados são altos. Segundo levantamento Ibope/Ipec (2020), o cigarro ilícito domina 86% do comércio de cigarros no Mato Grosso do Sul – o maior índice do país. Já no Paraná, a ilegalidade responde por 66% de todos os cigarros consumidos no estado. Os dados do Ipec Inteligência foram divulgados pelo Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP).

Mercado ilegal de cigarros
Levantamento do Instituto Ipec Inteligência aponta que, em 2021, segundo ano da pandemia mundial de Covid-19, a ilegalidade respondeu por 48% de todos os cigarros consumidos no Brasil

Motivação e consequências

A atuação nessa área se tornou tão normal que a população local já chama o mercado ilegal de cigarros de “transporte de mercadorias”, como se fosse um ato comum.

Segundo dito no estudo, o ‘cigarreiro’ é visto como um criminoso de baixa ofensividade, principalmente em comparação com traficantes de drogas e armas.

Entre os principais motivos que levam crianças e adolescentes ao contrabando de cigarros são “pais ou parentes que atuam no ramo” (13,3%); “não verem o contrabando como ato ilegal” (11,2%); “margem de lucro” (11,2%); “necessidade de sobrevivência/ajudar em casa” (7,1%).

As consequências do trabalho ilegal, além do crime em si, se refletem no futuro desses jovens. As regiões dominadas pelos crimes registram altos índices de evasão escolar.

Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que a evasão escolar nas regiões que fazem fronteira com o Paraguai são mais altas que a média nacional.

Enquanto no Brasil a evasão no ensino médio foi de 8,60 em 2018, em Ponta Porã (MS), o número de crianças que deixaram a escola no ensino médio foi quase o dobro da média nacional, ou 88% maior, chegando a 16,20.

A evasão escolar em Foz de Iguaçu (PR) foi de 9,10 (78% maior que a média nacional). E em Guaíra foi de 9,70 (67% maior que a média nacional).

“O nível de evasão escolar nestas regiões é gritante. Ao conversaremos com professoras de escolas estaduais e municipais, a retórica é a mesma. As crianças são facilmente aliciadas pelo contrabando pela ideia de ganho fácil. Vale ressaltar que as crianças convivem com estes criminosos. A cooptação das crianças ocorre pois elas são muito lucrativas para o contrabando de cigarros”, analisa o autor do estudo.

Punição

Uma das principais formas para amenizar o problema, segundo análise da pesquisa, seria uma mudança no Código Penal. Pela avaliação do pesquisador, hoje, as penas para o contrabando de cigarros são brandas. Vão de um a quatro anos de reclusão e ainda podem ser cumpridas em regime aberto.

“A praticamente inexistente punição dirigida ao menor diante desse ato infracional (medidas socioeducativas), é outro forte estimulador para sua infração. O “transporte de mercadorias” é entendido como uma atividade da cultura local, não sendo percebida como ilegal”, analisa o pesquisador com 22 anos de trabalho em economia do crime.

Sobre medidas a serem tomadas para amenizar o problema, o estudo sugere: melhorar as oportunidades educacionais (24,3%); “as instituições devem fazer políticas para este enfrentamento específico” (16,2%); “emprego ou renda” (14,9%); “políticas específicas de segurança” (10,8%); “atividades culturais, esportivas, artísticas, de lazer etc.” (9,5%); “reforma tributária incidindo no cigarro” (9,5%); “medidas socioeducativas/inclusão e assistência social” (8,1%); “trabalhar as famílias” (6,8%).

Além disso, é destacada no estudo a união de esforços das cidades chamadas “três Marias”: Ciudad del Leste (Paraguai), Puerto Iguazú (Argentina) e Foz do Iguaçu (Brasil). Deve-se implementar políticas para erradicar o trabalho do menor.

“A população das cidades afetadas pelo contrabando precisa também de mais emprego, renda e atividades culturais, esportivas, de lazer etc. Constatamos durante a pesquisa que o contrabando virou uma questão cultural nas três cidades pesquisadas”, completou Pery Shikida.

“O problema não é só brasileiro. A institucionalização de uma rede de proteção deveria ser mais efetiva, o enfrentamento à subcultura delinquente perpassa por uma complexa reestruturação da família, rede escolar, emprego, renda, via políticas públicas que possam maximizar o atendimento das necessidades básicas”, conclui a pesquisa.

 

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