Construção de trilha turística em parque de Pirenópolis gera polêmica
Estado trava disputa com associações pelo Caminho de Cora, que percorre 330 km; governo tenta liberação de R$ 3 mi para investir no trajeto
atualizado
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Goiânia – Relatos de rastros de terra arrasada dentro de unidade de conservação em Pirenópolis, região central de Goiás, com vegetação colocada chão abaixo, marcam a implantação de parte do chamado Caminho de Cora. Por conta disso, ambientalistas da região reclamam. O trecho foi incluído recentemente na Rede Nacional de Trilhas de Longo Curso (RedeTrilhas).
O estado tenta liberação de R$ 3 milhões para investir na implantação e consolidação do trajeto, mas é alvo de críticas por violação de lei federal. O governo nega.
Passando por oito municípios goianos, o Caminho de Cora percorre um total de 330 quilômetros, sendo 42 dentro de unidades de conservação oficialmente reconhecidas, como os parques dos Pireneus, em Pirenópolis, um dos maiores destinos turísticos de Goiás, e da Serra de Jaraguá, em Jaraguá. Eles continuam fechados para visitação durante a pandemia da Covid-19.
Integrantes de conselho consultivo reclamam da ação do estado. Os parques ainda não têm plano de manejo, imprescindível para uso das áreas e implantação de quaisquer estruturas nelas, como prevê lei federal que, em 2000, instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc).
Pela lei, é proibido, nas unidades de conservação, “quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu plano de manejo e seus regulamentos”.
Até que seja elaborado plano de manejo, diz a lei, “todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger”.
Degradação em série
Representante da ONG socioambiental Comunidade Educacional de Pirenópolis (COEPi) no conselho do parque, o biólogo e turismólogo Rogério Dias confirma que a unidade de conservação não possui plano de manejo ou zoneamento até hoje, 23 anos após sua delimitação e apropriação pelo estado.
“Por falta de cercas e fiscalização insuficiente, o Parque Estadual dos Pireneus vem sofrendo uma série de impactos ambientais: queimadas, presença de espécies exóticas – como bovinos, equinos e cachorros -,coletas de plantas nativas e rochas, caça de animais silvestres e visitação desordenada”, alerta o biólogo.
Em parte do Caminho de Cora, como mostram imagens às quais o Metrópoles teve acesso, a vegetação foi destruída para o percurso.
“Nesse caminho da trilha, tem árvores de pequeno porte endêmicas, características da região, que foram cortadas. Não houve demarcação correta desse caminho”, reclama o integrante do conselho consultivo do parque e da associação de guias e condutores de turismo da região, Cristiano da Costa.
Responsável pelo percurso
Autor da proposta original do Caminho de Cora, o engenheiro civil e urbanista Bismarque Villa Real diz que tem sofrido represália por parte da população local por ter sido contratado por empresa para traçar e entregar o percurso ao estado, ainda em 2013.
O urbanista, que se autodefine como “militante do ecoturismo”, afirma que o trajeto dentro dos parques “não tem problema”.
A Associação Romeiros da Santíssima Trindade dos Pirineus (Arsp), que organiza romaria no local em julho, diz que o governo fincou uma placa de anúncio do Caminho de Cora onde os religiosos normalmente ficam acampados e celebram missas.
Atropelos
Os romeiros estão incomodados e veem a ação do governo como um atropelo ao patrimônio cultural da região, já que a certidão de matrícula do parque tem cláusula resguardando a celebração e perpetuação da festa religiosa.
Presidente da associação de produtores rurais da área de proteção ambiental dos Pireneus e entorno, Maurício Junio Gomes aponta que o governo está agindo “a toque de caixa”.
“Está sendo tudo feito às pressas. Tudo é feito a toque de caixa para constar legalmente que ocorreu dessa forma. Não tem transparência alguma. A gente fica como massa de manobra”, lamenta Gomes.
A secretária estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Andrea Vulcanis, diz que não há qualquer irregularidade no percurso. Ela nega que o governo goiano tenha desengavetado o projeto às pressas apenas para conseguir o recurso milionário por meio de emendas federais.
“Não teve pressa”
Além disso, a secretária destaca que houve estudos. “Não teve pressa”, afirma. “Cada uma das decisões foi analisada”, acrescenta. Ela ressalta que o estado não pode ficar dependente das decisões do conselho consultivo do parque.
“O governo não tem obrigação de fazer qualquer coisa dentro do parque apenas se for aprovada em conselho, que pode ter participação de revisão ou sugestão. Ele tem papel democrático na sociedade, especialmente ente as unidades de conservação e seu entorno, mas não pode se titular dono do parque”, afirma.
O presidente da Goiás Turismo, Fabrício Amaral, ressalta que “todas as intervenções” são acompanhadas pela pasta de meio ambiente. Ele admite, porém, possível suspensão de trabalhos dentro dos parques.
“Se for preciso, a gente vai tirar o Caminho de Cora, por enquanto, da unidade de conservação até que se tenha a estrutura legal necessária”, assevera Amaral.
RedeTrilhas
De acordo com o Ministério do Turismo, somente no dia 23 de março deste ano, o Caminho de Cora passou a integrar a RedeTrilhas, criada em 2018. No entanto, o trecho está sem adequação e estruturação dos trajetos dentro dos parques estaduais, que não foram previstos no projeto original do caminho, apresentado ao governo em 2013.
Desde setembro de 2020, a Secretaria de Meio Ambiente autorizou, por meio de portaria publicada no Diário Oficial do Estado (DOE), a reforma das estruturas existentes e a implantação de novas, necessárias ao trajeto dentro dos parques, “desde que garantam a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger”.
A publicação da portaria da pasta do meio ambiente ocorreu em meio à pressão para que o estado conseguisse recursos das emendas federais.
“O recurso veio agora há pouco, em menos de um ano. Está na Caixa Econômica, em fase final de liberação, e vamos abrir licitação para, porventura, fazer licitação”, explica o presidente da Goiás Turismo.
Ações previstas para o Caminho de Cora
O presidente da Goiás Turismo elenca algumas medidas que deverão ser implementadas no percurso. Veja, abaixo:
- 10 pontos de parada: cada um deles terá banheiro para tomar banho e bebedouro;
- Placas de poesia: monumentos serão revitalizados com versos em memória da poetisa goiana;
- Pontos de acesso: visitantes poderão usar QR Code, em plataforma off-line, para ter informações da região onde estiverem;
- Mirantes: serão construídos mirantes para contemplação da paisagem em Pirenópolis e em Jaraguá;
- Rampa de voo: será construído espaço adequado para temporada de voo livre em Jaraguá, com custo de quase R$ 500 mil.
- Drones: equipamentos voadores não tripuláveis serão doados a municípios para acompanharem os trajetos em suas respectivas áreas;
- Elevado: será construído em área onde houver necessidade para continuar o percurso;
- Segurança: haverá software para a polícia monitorar entrada e saída dos visitantes.
O trajeto dentro dos parques também já começou a receber sinalização com tintas nas cores amarelo e preto, seguindo recomendação do Sistema Brasileiro de Trilhas, conectando unidades de conservação no Brasil. Essa orientação é do manual Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O promotor de Justiça Rafael de Pina Cabral, da 2ª Promotoria de Justiça de Pirenópolis, com atuação na área do meio ambiente, diz não ter conhecimento do tema até o momento. Segundo ele, o caso será averiguado.
O Metrópoles não obteve respostas do Ministério do Meio Ambiente até a publicação desta reportagem.
Terra Ronca
No início deste mês, o governo de Goiás se envolveu em outra polêmica na área do meio ambiente. A Secretaria de Meio Ambiente negou recomendação do promotor de Justiça Rodrigo Carvalho Marambaia para suspensão do processo do plano de manejo no Parque Estadual de Terra Ronca, na região nordeste do estado. A comunidade local que não foi ouvida pelo estado, efetivamente.
No entanto, a secretária Andréa Vulcanis insistiu com a ação porque, segundo ela, o governo não poderia perder a possibilidade de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para concessão da área a alguma empresa privada interessada na gestão da unidade ambiental. O plano de manejo era imprescindível para essa medida.
Terra Ronca é conhecida internacionalmente pelo seu complexo de cavernas.