metropoles.com

Constituição: após 35 anos e 128 PECs, a Carta Magna ainda é “cidadã”?

Promulgada em 5 de outubro de 1988, o principal símbolo da redemocratização do Brasil, a Constituição completa 35 anos nesta quinta-feira

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Acervo SEDI/CD
Imagem em preto e branco de Ulysses Guimarães com a Constituição de 1988 - Metrópoles
1 de 1 Imagem em preto e branco de Ulysses Guimarães com a Constituição de 1988 - Metrópoles - Foto: Acervo SEDI/CD

Promulgada em 5 de outubro de 1988 e principal símbolo da redemocratização do Brasil, a Constituição completa 35 anos nesta quinta-feira (5/10). Nesse período, o país enfrentou uma série de inconsistências políticas, como dois impeachment de presidentes e escândalos de corrupção, além dos recentes ataques à democracia. Devido a esses fatores, a Carta Magna ainda pode receber o título de “cidadã”?

De acordo com especialistas em direito constitucional, a Carta Magna segue “plena” aos 35 anos, “há de ter longa vida” e continua com o título de “cidadã”, dado em 1988, por Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia Nacional Constituinte.

Procurados pelo Metrópoles, eles comentaram sobre a história e importância da Constituição de 1988, seus impactos na garantia de direitos humanos e como o texto “sobrevive” com as constantes ameaças ao Estado Democrático de Direito.

Segundo o professor Alexandre Bernardino Costa, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), a Carta Magna “continua válida”. “Ela é absolutamente fundamental e importante para o marco na história do direito, da cidadania brasileira e dos direitos humanos”, ressalta.

No total, o Brasil teve sete cartas constitucionais. A primeira delas foi outorgada pelo imperador Pedro I, em 1824, e usada durante todo o Império, mas acabou sendo suprimida pelo movimento republicano. As demais são de: 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.

Constituição brasileira é traduzida pela 1ª vez para língua indígena

Instituídos na Constituição de 1988, o acesso universal à educação, à saúde e à cultura estão entre as medidas fundamentais da democracia brasileira após a redemocratização. A educação entra como dever do Estado, o Sistema Único de Saúde (SUS) é criado, assim como a defesa do consumidor. Também é garantido o pleno acesso à cultura, além da proteção de todos os tipos de manifestações tipicamente nacionais, como a indígena, a popular e a afro-brasileira.

O especialista em direito constitucional Gustavo Sampaio evidencia que o texto é um marco do processo de redemocratização do país. “Ela foi uma Constituição de resgate institucional da democracia. Em 1985, o Brasil saiu de 21 anos de ditadura militar, um longo período em que direitos fundamentais foram violentados e suprimidos, em que pessoas desapareceram, foram torturadas e mortas”.

Na mesma linha segue o professor de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Rodrigo Brandão. Para ele, o caráter “essencialmente” democrático do texto garante a alcunha de Constituição Cidadã: “Ainda que tenha sido um período muito turbulento, com dois impeachment [Fernando Collor e Dilma Rousseff], muitos casos de corrupção, a Constituição conseguiu fazer com que o Brasil se mantivesse aliado às democracias constitucionais”.

“São 35 anos de uma Constituição que conseguiu trazer estabilidade democrática ao país, é algo que tem de ser celebrado. Esse é o período mais longevo de democracia constitucional da história republicana no país”, destaca Brandão.

No entanto, o professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Roger Leal não cravou a Carta Magna como cidadã. Para ele, essa classificação “depende do conceito que se usa para qualificar uma Constituição cidadã”.

Ele ressalta que “o texto constitucional aprovado em 1988 acolheu demandas e amparou interesses de diferentes segmentos da sociedade. Garantiu a vários deles direitos, prerrogativas e privilégios”, explicou. “Assim, ao mesmo tempo que visa proteger a igualdade, promove discriminações e distorções”, completou Leal.

Emendas demais ou de menos?

Desde 1988, a Constituição vigente sofreu 128 emendas, sendo a última datada de 22 de dezembro de 2022. Mas essas mudanças interferiram muito na matriz da proposta cidadã? Ou o caminho segue aberto para ampliar o rol dos direitos constitucionais?

Para o especialista em direito constitucional Max Kolbe, diversos direitos foram fortalecidos desde a promulgação do texto em 1988: “O saldo é extremamente positivo”.

As quatro linhas malditas da Constituição Brasileira

Max explica que a adição de mais de 100 emendas é um retrato da evolução constante da sociedade civil. Ainda conforme ele, as “normas constitucionais precisam acompanhar o progresso da humanidade”

“As 128 emendas tornaram a Constituição de 1988 mais atualizada para as exigências atuais. Se tivéssemos com a mesma do dia da promulgação, estaríamos num retrocesso. A Constituição se atualiza com as exigências da nossa sociedade, da nossa República e da democracia”, conta.

“Temos inúmeros direitos que foram esculpidos na Constituição de 1988 e que não fazem com que ela seja mais pesada, fazem com que ela seja atual, adequada e necessária”, afirmou o professor Alexandre. Ele defende a preservação do texto constitucional para garantir e ampliar a aplicação dos direitos humanos para todos de forma permanente.

Já Gustavo Sampaio argumenta que as mais de 120 emendas constitucionais “descaracterizaram muito daquela ‘alma genuína’ da Constituição de 1988”. Mas, pontua que a existência das chamadas cláusulas pétreas — pontos que não podem ser modificados nem por emenda constitucional — protege a “essência da cidadania brasileira”.

PT (ainda pequeno) foi contra texto final

Ainda pequeno e sem muito poder político, o Partido dos Trabalhadores foi contra o texto final da Constituição durante votação em 1988. O objetivo do PT era mostrar insatisfação a alguns pontos da Carta Magna que ainda não estavam maturados.

Porém, é importante reforçar que, ao contrário do que foi dito por Bolsonaro durante uma live no ano passado — quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros políticos apoiaram a carta em defesa da democracia da USP —, os petistas assinaram a Constituição de 1988.

Ao contrário do que disse Bolsonaro, na verdade, os petistas foram orientados pelo líder do partido no Congresso, então deputado Lula, a votar contra o texto final, mas que ainda deveriam assiná-lo.

Câmara divulga milhares de fotos para celebrar 35 anos da Constituinte

4 imagens
Bancada do Batom de 1988
1 de 4

Arquivo da Câmara dos Deputados
2 de 4

Arquivo da Câmara dos Deputados
3 de 4

Arquivo da Câmara dos Deputados
4 de 4

Bancada do Batom de 1988

Arquivo da Câmara dos Deputados

Sendo assim, o nome dos 16 parlamentares consta na ata da assembleia constituinte. Ao todo, 15 deputados do PT votaram “não” para o texto final. Apenas João Paulo votou “sim”. A Constituição foi aprovada por 474 votos favoráveis, 15 contrários e 6 abstenções.

Veja o grupo com os 16 constituintes do PT:

  • Benedita da Silva (PT/RJ)
  • Eduardo Jorge (PT/SP)
  • Florestan Fernandes (PT/SP)
  • Gumercindo Milhomem (PT/SP)
  • Irma Passoni (PT/SP)
  • João Paulo (PT/MG)
  • José Genoíno (PT/SP)
  • Luiz Gushiken (PT/SP)
  • Luiz Inácio Lula da Silva (PT/SP)
  • Olívio Dutra (PT/RS)
  • Paulo Delgado (PT/MG)
  • Paulo Paim (PT/RS)
  • Plínio Arruda Sampaio (PT/SP)
  • Virgílio Guimarães (PT/MG)
  • Vítor Buaiz (PT/ES)
  • Vladimir Palmeira (PT/RJ)

Resistente a sucessivas tentativas de “golpes”

Nos últimos anos, o país sofreu com diversos ataques à democracia. Muitos deles feitos por apoiadores do à época presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). O nome do ex-mandatário também está envolvido em um suposto plano golpista.

Para Max Kolbe, “seria inconcebível imaginar que um determinado governo pudesse planejar ou mesmo executar um golpe de Estado. “Isso afrontaria, sem sombra de dúvidas, a nossa maior conquista após a redemocratização: a promulgação da Constituição”.

3 imagens
Trinta e cinco anos após promulgada, a Constituição brasileira foi traduzida pela primeira vez para uma língua indígena: o nheengatu
Edição em Nheengatu foi feita por 15 indígenas bilíngues
1 de 3

Capa da Constiuição de 1988

constituição : Senado Federal/ Reprodução
2 de 3

Trinta e cinco anos após promulgada, a Constituição brasileira foi traduzida pela primeira vez para uma língua indígena: o nheengatu

Felipe Sampaio/STF
3 de 3

Edição em Nheengatu foi feita por 15 indígenas bilíngues

Supremo Tribunal Federal

De acordo com o professor da Uerj Rodrigo Brandão, atualmente, o Brasil vive um momento de maior normalidade democrática. Porém, nos últimos anos, a Constituição passou por um “teste ruim”, mas conseguiu demonstrar “certa resiliência ao apoiar o papel das instituições da manutenção da democracia no país”.

Segundo Alexandre, professor da UnB, as adversidades devido a questões políticas não fazem com que o texto da Constituição seja “menos válido”. “Justamente por esses ataques que aconteceram, sobretudo nos últimos anos, aos direitos humanos que a gente tem de fazer com que a Constituição valha cada vez mais”.

Patriotas “de verdade” celebram a Constituição

Depois dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e da tentativa falha de implementar um golpe de Estado, o conceito de patriotismo foi manchado pelo extremismo e fanatismo político. Gustavo Sampaio acredita que o “verdadeiro patriota é aquele que defende tanto a Bandeira Nacional quanto a Constituição da República”.

Um dos exemplos claros desse movimento é a fotografia de um dos invasores na sede dos Três Poderes com uma réplica da Constituição de 1988 durante o quebra-quebra em Brasília. “Celebrar o 5 de outubro é um ato patriótico, que decreta que a democracia venceu qualquer forma de tirania”, defende Gustavo.

“Ela passou por esse difícil teste e chega aos 35 anos rígida e plena e que assim seja”, comemora Gustavo.

Homem levanta réplica da Constituição Federal após atos de 8 de janeiro
Golpista levanta réplica da Constituinte de 1988 durante 8/1

“Temos de lembrar sempre que vivemos uma ditadura em 1964, mesmo que tenha sido negada nos últimos anos. Qualquer tentativa de abalar o Estado Democrático de Direito deve ser solapada, temos que ficar sempre atentos à possibilidade de novos ataques para conseguir enfrentá-los”, lembra o professor Alexandre, da UnB.

Para ele, o julgamento e a condenação dos golpistas mostram que “a Constituição sobreviveu e, portanto, venceu a democracia”. “Graças a ela, esses lamentáveis movimentos golpistas que tentaram derrubar a democracia foram aplacados pela força dos poderes constituídos”, atesta Gustavo.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?