Conheça projeto da Maré premiado por revista britânica de gastronomia
Coordenadora do Maré de Sabores, Mariana Aleixo recebeu o prêmio 50 next, da revista Restaurant, por distribuir quentinhas na pandemia
atualizado
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Rio de Janeiro – Criado em 2010, o serviço de catering, Maré de Sabores, é um projeto de empreendedorismo e gastronomia feito por mulheres da comunidade da Maré, Rio de Janeiro. A iniciativa foi originada a partir de uma organização local chamada Redes da Maré com oficinas de gastronomia.
O serviço fica na sede da Casa das Mulheres, uma casa de três andares com 300 metros quadrados. A equipe é formada por 18 mulheres, e a cozinha industrial é equipada com instrumentos de qualidade. Durante a pandemia, o Maré de Sabores distribuiu cerca de 120 mil quentinhas para 113 pessoas em situação de rua na comunidade.
A ação social, composta ainda de um projeto de formação gastronômica e política das funcionárias, rendeu para a coordenadora do Maré de Sabores e da Casa das Mulheres da Maré, Mariana Aleixo, o prêmio 50 next, que homenageia 50 pessoas do mundo inteiro que mudaram o futuro da gastronomia. A nomeação faz parte da revista britânica Restaurant, responsável por listar os melhores restaurantes do mundo.
Durante a pandemia, o setor de comércio e serviços foi bastante afetado. Sem poder fazer eventos, principal fonte de renda do serviço, Mariana Aleixo pensou em uma maneira de continuar com uma renda e ainda ajudar as pessoas mais vulneráveis. De acordo com ela, sem a circulação de pessoas, a população em situação de rua não tinha mais acesso à alimentação.
Por essas pessoas mais vulneráveis não terem condições de produzir a própria comida ou receber cestas básicas, a forma encontrada para produzir segurança alimentar para eles foi por meio da distribuição de quentinhas.
“Na pandemia a gente ficou com as atividades dedicadas à produção de refeição, principalmente durante o momento mais urgente de isolamento. A gente saia do Parque União, que é onde fica a Casa das Mulheres, com a nossa van, utilizada para fazer os eventos, e a gente passava nesses espaços onde na Maré fica a população em situação de rua”, conta Mariana.
A distribuição das quentinhas eram feitas diariamente, inclusive nos finais de semana. Além disso, cerca de 1.985 refeições foram produzidas para o projeto Conexão Saúde, uma parceria da Redes da Maré com a Fiocruz, na qual eram distribuídas quentinhas para pessoas que testaram positivo para Covid.
Em 2022, com a flexibilização das medidas de restrição contra o Covid, os eventos domiciliares de buffet puderam ser realizados. Atualmente, as quentinhas são feitas em menores quantidades com o lucro dessas solenidades.
O reconhecimento do Maré de Sabores vai além da ação social. A atriz Camila Pitanga, por exemplo, já comemorou seu aniversário com o buffet e fez homenagens às funcionárias nas redes sociais.
“O sabor é outra coisa, para além da delícia, tem a história incrível de vocês, a humanidade, as mulheres todas unidas, se transformando e transformando a realidade”, afirmou a atriz em um vídeo publicado no Instagram do serviço de catering.
Segundo Mariana, outras celebridades, como as jornalistas Maju Coutinho e Flávia Oliveira, já fizeram eventos com o buffet da Maré. Hoje, o Maré de Sabores trabalha com a realização de eventos e delivery para todo o Rio de Janeiro com um aplicativo próprio.
Prêmio 50 next
Em 2021, em meio a 700 candidatos que concorreram pelo prêmio, Mariana Aleixo foi nomeada uma das 50 pessoas que conseguiram mudar a perspectiva da gastronomia. Ela recebeu o prêmio da categoria de “Educadores Empoderados”, dedicados a pessoas que mudaram a sociedade através da gastronomia e desenvolvimento pessoal. A premiação foi feita em Bilbao, na Espanha.
Mariana conseguiu mudar a perspectiva da gastronomia, pois além da distribuição de quentinhas e da formação gastronômica, o Maré de Sabores foi capaz produzir uma formação política em todas as mulheres que trabalham no projeto.
O serviço de catering se tornou um ponto de referência comercial e cultural para a cidade. Segundo a coordenadora do projeto, o cardápio de comida maranhense faz referência a uma experiência cultural de imigração nordestina para o território da favela.
“A gente quer interpretar essa experiência nordestina que existe na Maré e nas favelas do Rio de Janeiro para gente falar da Maré, da nossa ancestralidade e da nossa história. Então a gente produz pratos, que fazem com que as pessoas comam a Maré e experimentem a Maré a partir de todas essas perspectivas, além de conseguir romper com os estigmas estabelecidos por território.”
Para Mariana, é comum que as pessoas da favela que trabalham com gastronomia ocupem um trabalho precarizado e mal remunerado. De acordo com ela, a alta gastronomia não priorizava o alimento e o sabor, e assim não dialogava com a sua realidade.
A partir de um olhar acadêmico, a coordenadora começou a problematizar as refeições de alto custo, principalmente após ver pessoas da favela com condições técnicas sem conseguir abrir os próprios negócios. Com o Maré de Sabores, várias pessoas puderam realizar o sonho de conseguir trabalhar com uma gastronomia que as representasse.
“A gastronomia é uma invenção de como a gente pode fazer uma cidade mais democrática, como a gente pode pensar em uma cidade com mais equidade para as mulheres. A gastronomia é uma possibilidade de inventar uma cidade”, diz Mariana.