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Porto Alegre – Um olho na casa e outro na água. Tem sido mais ou menos assim a rotina dos últimos dias e noites de João Luiz Wagner, desabrigado pelas chuvas que castigaram o Rio Grande do Sul. Há 18 dias, ele vive em uma barraca de lona montada em frente à Arena do Grêmio, em Porto Alegre (RS). Enquanto aguarda o escoamento do Guaíba, ele fica atento às movimentações na região, alagada pela enchente.
Com auxílio de doações, o morador do Bairro Navegantes, perto de onde está vivendo precariamente, reuniu colchões, travesseiros, botijões de gás e montou acampamento junto a vizinhos, como Gilson Luiz Gavenda, Carlos Petroski Wagner e Valdecir Andrade.
“Saímos só com a roupa do corpo. Nossas famílias foram para casa de parentes ou para abrigos. Decidimos ficar aqui para cuidar do que é nosso. Queremos voltar para casa”, diz João Luiz Wagner, preocupado com a segurança de seus pertences.
João é metalúrgico, e vários de seus amigos de bairro estão lá. Com camas improvisadas no interior dos carros, banhos de balde e doações que chegam de voluntários, eles passam o tempo entre rodas de chimarrão e trocas de mensagens com familiares.
O Palio Wekeend do aposentado Valdecir Andrade se transformou numa espécie de apoio para eles. Até churrasco da turma já saiu, com insumos comprados por amigos na cidade de Cachoeirinha. Apesar do clima aparentemente leve, estão todos tensos com o retorno.
“A gente mora numa área de bangue-bangue, por isso estamos acostumados. Mas tinha luz aqui (no estádio) e, agora, desligaram. Parece que estão nos forçando a sair daqui”, afirma Andrade.
Perto dali, também ao lado da Arena, Daiane Junges mora acampada, com o marido, Diego Theobald, e outros vizinhos, em uma comunidade que chega a 30 pessoas. As crianças que estavam no local foram levadas para casa de familiares.
“Elas acharam tudo novo, uma aventura no começo. Andaram de barco dos bombeiros e caminhão do Exército, mas a presença de ratos deixou desconfortável a presença das crianças aqui”, diz Daiane.
Quando a água baixar, o casal tem planos para o que fará na Avenida Padre Leopoldo Brentano, onde mora, nas proximidades do estádio. Ali, bem em frente à Arena, ficava uma loja de roupas e uma garagem que Daiane e o marido pretendem transformar em ponto de doações.
“Não passamos fome nem um dia. Muitas doações vieram e iremos repassar. A gente mal se conhecia, e agora somos uma comunidade. Isso é o que vai ficar”, diz Daiane.
Na Rodovia do Parque, Elton Rogério Oliveira de Souza é um dos 25 moradores de Canoas que esperam na beira da estrada a água baixar.
“Perdemos tudo, mas ao menos estamos com vida. É muita destruição, nunca imaginamos nada parecido”, diz Sabrina Freitas da Silva, que está acampada na rodovia com duas filhas e uma sobrinha.
Apoio de toda parte
A ajuda vem de longe. Nesta terça-feira, Lindomar Ribeiro e a esposa, Priscila Mastel, entregaram doações recolhidas em Palmeiras das Missões, no norte do estado. Após rodar 450 quilômetros até Canoas, o casal entregou comida, material de limpeza, higiene e cobertores.
Nos últimos dias, a Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Adpergs) também realizou ronda por abrigos, locais de entrega de marmitas e acampamentos na beira de estrada.
A iniciativa foi uma parceria entre a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul e o Ministério dos Direitos Humanos. O objetivo era a confecção de novos documentos. Segundo a vice-presidente da entidade, Maína Ribeiro Pech, “a ação foi para regularizar a situação de documentação, como segunda via de certidão de nascimento ou casamento”.
Também foram feitas outras orientações jurídicas.
Responsável pelo patrulhamento dessas regiões, a Polícia Rodoviária Federal (PFR) informou que tem realizado rondas em que a presença dos moradores é percebida. A abordagem da PFR tem sido no sentido de evitar a permanência de pedestres nas vias de trânsito.