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Conheça a luta de um filho para não deixar que pais com Covid-19 morram por falta de oxigênio

O ex-militar Dimas Alves, de 53 anos, passa horas em fila diariamente e já pagou mais de R$ 15 mil para cuidar dos pais doentes em casa

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Dimas passa horas em fila e já gastou pelo menos R$ 15 mil para não deixar que pais idosos com Covid-19 morram por falta de oxigênio
1 de 1 Dimas passa horas em fila e já gastou pelo menos R$ 15 mil para não deixar que pais idosos com Covid-19 morram por falta de oxigênio - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Enviados especiais a Manaus – Após colocar um guarda-chuva preto entre as pernas, o contador Dimas Alves da Silva (foto em destaque), de 53 anos, filma com o celular algumas dezenas de cilindros vazios de oxigênio sobre um caminhão, estacionado em frente à entrada da Carboxi, no distrito industrial 2 de Manaus (AM).

O homem chegou ao local por volta das 7h dessa terça-feira (19/1). Ele, e outras centenas de pessoas, se enfileiram para reabastecer cilindros (também chamados de balas) de oxigênio e levar o gás a familiares e pacientes com Covid-19 que têm feito o tratamento em casa, ante a crise da saúde na capital amazonense.

“Há mais de 15 dias, estamos tratando os meus pais em casa, porque o sistema de saúde está colapsado e o Samu [Serviço de Atendimento Móvel Urgente] aconselhou que não os levássemos ao hospital, pois, se fossem, com certeza não voltariam com vida”, relata o contador.

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A capital do Amazonas sofreu com a falta de oxigênio em janeiro
A capital do Amazonas sofreu com a falta de oxigênio em janeiro
Em Manaus, familiares de pacientes com Covid-19 fizeram filas enormes para reabastecer cilindros de oxigênio, no Carboxi Gases
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Em Manaus, familiares de pacientes com Covid-19 fizeram filas enormes para reabastecer cilindros de oxigênio, no Carboxi Gases

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O pai e a mãe de Dimas estão com sintomas da Covid. O pastor evangélico aposentado Daniel Alves da Silva, de 86 anos, chegou a apresentar uma saturação de oxigênio no sangue de 52%, uma taxa baixíssima, uma vez que a oximetria considerada boa deve ficar acima de 90%.

Já a mãe, a empresária Berenice Ferreira da Silva, de 78 anos, passou os últimos dias deitada em uma cama. Sente falta de ar e dor de cabeça, além de ter apresentado febre. O nível de saturação dela, assim como o do marido, também bateu a casa dos 50%.

Dimas passa horas em fila e já gastou pelo menos R$ 15 mil para não deixar que pais idosos com Covid-19 morram por falta de oxigênio

Na Carboxi, Dimas espera ser chamado para pegar o botija de 1 quilo de oxigênio que deixara na noite anterior. O gás acabou para os pais dele na manhã dessa segunda-feira (18/1). O contador logo foi reabastecer, mas só conseguiu entregar o pequeno cilindro às 18h.

Por isso, voltou no dia seguinte, em um processo demorado, cansativo e contínuo que tem sido feito pelos familiares desses pacientes com Covid-19, em Manaus. A empresa Carboxi é uma das únicas que está reabastecendo cilindros na capital, e a demanda está em alta.

“A gente fica apreensivo, com o pensamento neles”, relata Dimas, com as mãos juntas à frente do quadril e os pés alinhados, a 27 quilômetros dos pais, que moram em um domicílio no primeiro andar de um pequeno prédio no bairro Lírio do Vale 2, do outro lado da cidade.

Um dos 11 filhos do ‘seu’ Daniel e da ‘dona’ Berenice, Dimas foi sargento da Força Área Brasileira (FAB). Ele entrou para as fileiras das Forças Armadas em 1986, ficou seis anos e saiu antes de servir na fronteira do país. Aos 53 anos, porém, encontrou uma outra guerra.

Dimas passou mais de 8 horas na fila, nessa segunda, para pegar o oxigênio dos pais. Sem tomar café da manhã, nem almoçar, o ex-militar se manteve em pé, com olhos e ouvidos atentos, por quase toda a manhã.

O ex-militar, porém, apresentou certo cansaço nessa tarde, enquanto o coração batia de ansiedade à espera do oxigênio. Após receber as dezenas de balas vazias que Dimas filmara antes, funcionários da Carboxi começaram a chamar os familiares que entregaram os cilindros na noite anterior.

Quem entregou cilindros maiores têm prioridade na chamada, pois pacientes em situações delicadas, que sentem bastante falta de ar, consomem mais oxigênio. O botijão de 1 kg de Dimas estava entre os menores e, portanto, entre os últimos a ser entregue.

Isso não significa, contudo, que os pais de Dimas não precisam do oxigênio. Longe disso. Há uma semana, o ex-militar abastecia, além da botija de 1 kg, outros dois cilindros de 50 litros emprestados por um amigo, que necessitou pegar os equipamentos de volta.

“É aquela coisa, a gente cansa, mas não desiste”, contemporiza o homem, paciente, após abrir a sombrinha para se proteger do sol, escorar os braços sobre uma grade e descansar o pé esquerdo em uma barra de metal. Em seguida, o combatente enxuga o suor da testa.

Os funcionários, então, começam a chamar o sétimo grupo – cada um tem 10 pessoas – de familiares que vão receber os cilindros reabastecidos. “Débora Fernandes… Dimas Alves”, grita, em sequência, um dos trabalhadores da Carboxi. “Eu”, responde o ex-militar, eufórico.

O grupo entra, recebe os cilindros e efetua o pagamento. Normalmente, a empresa tem cobrado R$ 160 para encher um botijão de 1 kg – apesar da crise da falta de gás no Amazonas –, mas, dessa vez, Dimas precisou pagar R$ 350, após insistir e receber um desconto de R$ 50.

Dimas passa horas em fila e já gastou pelo menos R$ 15 mil para não deixar que pais idosos com Covid-19 morram por falta de oxigênio

No total, o contador diz ter pago, com essa nova aquisição, R$ 4.350 com oxigênio. Se for levar em consideração o dinheiro investido em medicamentos, enfermeiros e outros tratamentos, o filho relata ter gasto mais de R$ 15 mil na internação domiciliar dos pais.

O contador saiu com a botija – agora cheia – sobre os ombros, enfim, somente às 15h30 dessa segunda-feira. Levou o oxigênio para o carro e, em seguida, acelerou em direção à casa dos pais, trajeto que dura cerca de 34 minutos. “Levar um pouco de alívio para eles”, diz.

Na direção, o combatente, que já carregou os corpos de vários colegas militares mortos quando servia às Forças Armadas, se entristece ao relembrar que os pais estão há mais de 24 horas sem receber oxigênio.

“É muito cansativo sair de manhã sob a responsabilidade de voltar com alguma coisa para casa. Ontem voltei para casa muito triste, porque eu passei o dia todo e não pude levar nada”, frisa, segurando o choro. “Não pude levar nada para os meus pais.”

Dimas chega na casa dos pais minutos após o relógio do celular apontar as 16h. Com uma camisa vermelha desabotoada, ‘seu’ Daniel está sentado em uma cadeira na sala, ao lado de uma cama improvisada. Ele recebe o oxigênio e a saturação, rapidamente, se equilibra.

O pastor, de cabelo crespo e grisalho, precisa de ar. Ele senta próximo a uma janela, entre dois ventiladores – um apontado para as costas e outro para a barriga. Do outro lado, uma mesa tem fraldas, medicamentos e uma lista com os horários dos remédios.

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Cilindros de oxigênio
Em casos mais graves, pode haver falta de ar e a necessidade de internação
As sequelas mais comuns são perda de massa muscular, cansaço físico e emocional, fraqueza muscular, falta de ar, alterações de paladar e olfato e problemas circulatórios
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Demanda por oxigênio hospitalar cresceu 93% em março, no Brasil, em relação a dezembro, segundo a White Martins, uma das principais fornecedoras do produto

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Em casos mais graves, pode haver falta de ar e a necessidade de internação

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As sequelas mais comuns são perda de massa muscular, cansaço físico e emocional, fraqueza muscular, falta de ar, alterações de paladar e olfato e problemas circulatórios

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Por sua vez, Berenice segue deitada na cama, em um dos quartos, assistindo televisão. De lado, está com o corpo – dos pés à ponta da cabeça – coberto por um lençol, deixando apenas o rosto de fora. A mesma botija é usada para a empresária.

“A gente é militar e está preparado para tudo, mas essa é uma guerra biológica, e está sendo a guerra mais difícil da minha vida, pois envolve meu pai e minha mãe”, diz. “Além da doença, existe uma dor psicológica. Não consigo dormir, não consigo comer, não consigo fazer nada.”

A botija de 1 kg de oxigênio servirá para duas ou três horas. Após esse período, ele terá que voltar, ainda na noite dessa terça-feira, para o outro lado da cidade e reiniciar o processo, em busca do gás que vale ouro em Manaus. “Só a misericórdia”, diz Dimas, o bom combatente.

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