Confusão na frente ampla: ala progressista diverge sobre criticar Lula
Influenciadores que “fizeram o L” brigam nas redes sobre campanha para que Lula nomeie mulher negra para o STF
atualizado
Compartilhar notícia
Desde antes de tomar posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pedia a seus apoiadores que cobrassem e criticassem o governo. Apesar disso, as críticas direcionadas a ele e vindas de quem “fez o L” não estão sendo bem recebidas por setores da militância progressista.
Eleito por uma frente ampla que reuniu diferentes setores da esquerda e de centro, Lula desperta discordâncias pontuais desde o início do governo. Os que defendem mais gastos públicos na área social consideram o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, muito adepto do ajuste fiscal. Já os liberais torcem o nariz para nomes como Aloizio Mercadante no BNDES e Márcio Pochmann no IBGE. Os ambientalistas, por sua vez, reclamam muito da insistência da Petrobras em querer explorar petróleo no litoral amazônico.
São descontentamentos que não chegaram a se tornar grandes crises nos primeiros meses de governo, mas as disputas entre progressistas se agravam neste momento, com a proximidade da abertura de mais uma vaga para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), com a aposentadoria da atual presidente da Corte, Rosa Weber.
A indicação, em junho, do advogado pessoal de Lula, Cristiano Zanin, para a primeira vaga que se abriu no Supremo neste terceiro mandato do petista já gerou bastante ruído. A situação se agravou ainda mais após a estreia do ministro nos julgamentos, por causa de posições que não foram consideradas progressistas em pautas como direitos de pessoas LGBTQIA+ e descriminalização das drogas.
Diante do que aconteceu no caso Zanin, a disputa nas redes sociais para influenciar na substituição de Rosa Weber se tornou muito mais dura. Nesse contexto, perfis que já estiveram juntos na campanha “ninguém solta a mão de ninguém”, em 2018, proferem ataques e xingamentos mútuos e se acusam de crimes como racismo.
Campanha por mulher negra no STF
No início de setembro, o humorista e apresentador Gregório Duvivier, cofundador do humorístico Porta dos Fundos e âncora do programa Greg News, da HBO, começou a promover uma campanha, junto a entidades da luta por direitos, para pressionar Lula a indicar uma mulher negra para o STF.
A campanha ganhou tração, mas incomodou setores de uma esquerda mais conservadora e nacionalista, que veem na pressão uma forma ilegítima de “emparedar” o presidente petista.
Esses críticos sacaram o argumento de que Duvivier estaria sendo controlado por organizações políticas e ONGs estrangeiras, interessadas em desestabilizar a soberania do Brasil. Essa tese já foi muito usada pela militância bolsonarista para defender o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de pressões progressistas.
Para a esquerda mais conservadora e nacionalista, setores progressistas “capturados” por esse lobby estrangeiro estariam errando por serem “identitários”, ou seja, por se concentrarem em pautas de grupos específicos, como feminismo ou luta contra o racismo. Esses temas, para os esquerdistas mais tradicionais, atrapalham o que seria a batalha mais importante a ser travada: a luta de classes sob uma perspectiva marxista.
A visão mais tradicional ganha força em espaços conhecidos como “blogs sujos”, alinhados a Lula desde os seus primeiros mandatos. Um dos maiores protagonistas dessa corrente é Rui Costa Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária (PCO), que não tem representantes no Congresso Nacional.
Veja postagens dele nos últimos dias, denunciando o suposto lobby imperialista:
Réplica
Acusados de fazer parte de uma conspiração imperialista, progressistas atacados por esses setores da esquerda tradicional usam a mesma cartilha: “Parece haver um movimento orquestrado para jogar desconfiança na mobilização por uma ministra negra no STF”, escreveu, no fim da semana, o professor e articulista Roberto Andrés no X, antigo Twitter.
“Brotam perfis com textos similares. Alguns deles são robôs. Repetem teorias conspiratórias. Resta saber quem está por trás, quem financia e a quais interesses serve”, completou ele.
Militante do movimento negro, a ex-deputada federal pelo PSol Áurea Carolina se mostrou indignada com a situação. “Chocada, mas não surpresa, com a reação de parte da esquerda à campanha por uma ministra negra no STF”, escreveu ela, no X.
“Primeiro, retiram o protagonismo das organizações do movimento negro que compõem a coalizão e que estão há meses pautando a urgência da indicação de uma jurista negra. Depois tentam associar nossa mobilização a uma suposta rede global de perseguição à soberania nacional. Então, qualquer crítica que se faça ao governo Lula é tentativa de golpe? O papel da sociedade civil agora é assistir ao Centrão fazer pressão do lado de lá e abocanhar cada vez mais a direção do país? Façam-me o favor”, protestou a ex-parlamentar.
Veja algumas reações da esquerda progressista às acusações:
Veja a campanha que pede a indicação de uma jurista negra para o cargo em postagem do advogado Joel Luiz, fundador da Coalizão Negra:
“Todo Mundo Tem Um Sonho”
E até onde uma menina negra pode sonhar?
Nessa produção do @institutodpn, @taisdeverdade narra para a gente qual memória precisamos erguer, para que novos sonhos sejam possíveis a meninas negras do Brasil.
Assista até o final e entenda a nossa… pic.twitter.com/6mk8FtJoeA
— Joel Luiz (@joelluiz_adv) September 12, 2023
Poucas chances de mulher negra no STF
A turbulência entre seus apoiadores não parece influenciar a cabeça de Lula na questão de sua indicação ao STF. O presidente não falou publicamente sobre o assunto, mas pessoas de seu entorno montaram uma espécie de lista de favoritos à indicação. Entre os cotados não há nenhuma mulher.
Entre os mais citados, há dois homens brancos e um pardo, o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, que viu seu nome crescer nas bolsas de apostas na última semana. Os outros dois são o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas.
Rosa Weber se aposenta no fim de outubro, quando completa a idade-limite para ser ministra do Supremo: 75 anos. Lula não tem prazo para fazer sua indicação, que precisa ser aprovada pelo Senado.